Não se
deve morder a mão que alimenta.
Evelyn Nguleka, presidente da Organização Mundial
de Agricultores, defende a inclusão da agricultura na COP 21. Foto: A. D.
McKenzie/IPS.
Por D.McKenzie, da IPS –
Paris, França, 11/12/2015 – Quando Evelyn Nguleka
alerta que a população mundial não deve morder a mão que lhe dá de comer,
acrescenta que não se refere apenas à proteção dos agricultores, mas também à
do ambiente. “A terra nos alimenta e os agricultores se encarregam de alimentar
o mundo. Temos que proteger ambos”, afirmou a presidente da Organização Mundial
de Agricultores (OMA) e da União Nacional de Agricultores de Zâmbia.
“Não somos apenas parte do problema, mas também
somos parte da solução, e isso é crucial”, destacou Nguleka em uma mesa-redonda
de alto nível realizada no dia 9, durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21)
da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), que
termina hoje em Paris.“A exclusão da agricultura no passado foi um erro”,
afirmou no debate A Agricultura no Terreno Posterior a Kioto, organizado pela
OMA em associação com a Organização Mundial de Saúde Animal.
Embora a COP 21 termine hoje, os países ainda
discordam sobre se a atenção deve se centrar na mitigação (principalmente pela
redução do desmatamento, da gestão do solo e do aumento da produtividade) ou na
adaptação.Algumas organizações do Sul em desenvolvimento argumentam que os agricultores
dessas regiões não são responsáveis pela maior parte das emissões de
gases-estufa que provocam o aquecimento global e, no entanto, sofrem a mudança
climática e, assim, necessitam de apoio nas estratégias de adaptação.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a
agricultura emite de forma direta 13,5% dos gases-estufa no mundo, com o metano
liberado na digestão animal e o óxido nitroso das terras cultivadas, e
indiretamente outros 17% pelo desmatamento ou no uso de terras para a
pecuária.As grandes empresas agroindustriais também são acusadas de práticas
insustentáveis, como plantio de monoculturas e uso generalizado de pesticidas e
hormônios. Mas os ativistas da sociedade civil argumentam que se deve
distinguir claramente entre as transnacionais e os pequenos produtores.
“Para os países africanos, que já sentem as
consequências da mudança climática em sua agricultura e suas economias, a
adaptação é claramente uma prioridade”, afirmou Teresa Anderson, responsável
por políticas climáticas e resiliência da ActionAid, que trabalha com
comunidades de pequenos agricultores em todo o mundo.“Precisam de apoio com
urgência para lidar com as consequências de um problema que eles não criaram.
Na realidade, isso se reduz a garantir suficiente apoio financeiro para que
possam enfrentar a adaptação, e o reconhecimento de que quanto maior for a
temperatura do planeta mais adaptação e apoio necessitarão”, acrescentou.
Organizações como o Fundo Internacional de
Desenvolvimento Agrícola (Fida) indicam que esses agricultores “habitam algumas
das paisagens mais vulneráveis e marginais e frequentemente são ignorados nos
debates sobre políticas internacionais e nacionais com relação à mudança
climática”. O Fida trabalha para aumentar a resiliência climática de até oito milhões
de pequenos agricultores afundados na pobreza.
Para a OMA, tanto a adaptação quanto a mitigação
são importantes, porque “os agricultores estão todos sob um mesmo teto” e
precisam encontrar soluções em conjunto para lutar contra o aquecimento do
planeta.No debate do dia 9,Ngulekaapontou que a agricultura e a segurança
alimentar devem ser “parte” de qualquer acordo, porque os agricultores,
principalmente em regiões como África e Ásia, estão na primeira linha da
mudança climática.
“Necessitamos de bons solos e bom ar, para sermos
capazes de fazer o que fazemos. Sem a preservação do ambiente não existe
agricultura. Temos que ser parte da equação”, ressaltouNguleka.A presidente da
OMA alertou que, quando as pessoas não puderem se alimentar por sua conta,“se
dirigirão para o norte”, e os países industrializados então precisarão lidar
com mais imigração e um auge de população. “A tecnologia deve chegar às bases
para que as pessoas possam sobreviver onde estão”, acrescentou.
Tim Groser, ministro de Comércio e Assuntos de
Mudança Climática da Nova Zelândia e um dos participantes do debate, disse
quesua atenção se centra na mitigação e que esta questão não pode “ser varrida
para debaixo do tapete”. A pecuária representa cerca de metade de todas as
emissões de gases-estufa na Nova Zelândia, afirmou. Segundo especialistas, a
maior parte é metano emitido pelo gado, e a proporção agrícola é cerca de seis
vezes superior à média dos países do Norte, que é de 7,5%.
Com esse cenário, a Nova Zelândia está em busca de
soluções, reconheceu Groser, mas acrescentou que o “vegetarianismo” não é uma
resposta. Em sua opinião, a segurança alimentar é de extrema importância,
sobretudo porque se prevê que a população mundial aumentará para nove bilhões
de habitantes até 2040.Alguns grupos da sociedade civil defendem comer menos
carne e produtos lácteos, já que vários estudos indicam que a adoção de uma
dieta vegetariana pode ajudar a reduzir as emissões de metano e outros gases
causadores do efeito estufa.
Mas Bernard Vallat, diretor-geral da Organização
Mundial de Saúde Animal, assegura que,“se for administrada adequadamente”, a
pecuária pode ter um “papel decisivo” na redução das emissões, já que os
resíduos orgânicos dos animais poderiam ser empregados para gerar energia
renovável, como o biogás. “Devemos assegurar um enfoque coletivo e
interdisciplinar para a sustentabilidade”, pontuou.
O ex-primeiro-ministro italiano Enrico Letta, agora
decano do Instituto de Estudos Políticos de Paris, afirmou que a educação das
pessoas sobre os problemas e as soluções relacionados com a mudança climática é
“a atividade mais importante no longo prazo”. Letta disse à IPS que a COP 21 é
particularmente importante para os agricultores, porque esta é a primeira vez
que os assuntos agrícolas estão “no centro” da discussão.
“Esse é um êxito não só para a agricultura mas
também para todo o tema da mudança climática, já que, sem a participação de
todos os aspectos agrícolas, é impossível encontrar soluções de longo prazo”,
afirmou Letta, acrescentando que os agricultores têm que ser parte da solução
porque “é pelo seu próprio bem”.
Fonte: ENVOLVERDE
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