terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Tapajós ampliará emissão por desmatamento.
Foto: Marcelo Salazar/ISA

Complexo de hidrelétricas pode induzir desmate de até 3 milhões de hectares de florestas e afetar mais de 30 terras indígenas, segundo cálculo apresentado em Paris pelo IPAM.

Por Claudio Angelo e Cíntya Feitosa do OC, em Paris –

Enquanto o governo federal prepara uma medida provisória para autorizar a construção de hidrelétricas em terras indígenas, um novo cálculo sugere que o complexo hidrelétrico do Tapajós pode induzir o desmatamento de até 3 milhões de hectares, no pior cenário. De acordo com o estudo, apresentado pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) em Paris, mais de 30 terras indígenas na região podem ser afetadas, direta ou indiretamente. Isso porque, de acordo com os pesquisadores, o maior desmatamento ocorre de 70 a 90 quilômetros de distância das hidrelétricas. Assim, as emissões de gases de efeito estufa por desmatamento podem aumentar.

O projeto de geração de energia no Tapajós é um dos grandes investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento. Segundo o OC apurou, a expansão do parque hidrelétrico brasileiro foi objeto de discussões ásperas entre a presidente Dilma Rousseff e sua equipe em setembro, na definição do compromisso brasileiro para a conferência do clima de Paris – a INDC. Maurício Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia), era contra essa proposta , e defendia mais investimentos em energia eólica.

Tolmasquim afirmou hoje, em Paris, que o governo está trabalhando para que o leilão das usinas hidrelétricas do Tapajós ocorra em 2016. Ele afirmou que o Brasil não deverá explorar todo o potencial hidrelétrico da Amazônia, mas que novas hidrelétricas são essenciais para garantir a segurança energética do país. “Uma parte desse potencial não será utilizado, devido aos impactos sociais e ambientais. Mas 50% devem ser explorados”, diz Tolmasquim.

O presidente da EPE disse ainda que modelos climáticos que indicam maior incidência de crises hídricas em médio prazo são incertos e, por isso, os investimentos em geração hidrelétrica serão mantidos. A análise de Tolmasquim inclui o estudo encomendado pela extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos, que mostra que a expansão da energia hidrelétrica no país pode ser um risco de investimento já em 2040. “Se for construída uma hidrelétrica que gere energia por 30 anos e depois reduza seu potencial, ainda assim é viável economicamente”, diz. “Não devemos ficar prisioneiros dessa questão.” Em 2016 devem ser realizados quatro leilões de energia – já contando com a licença de Tapajós.

Terras indígenas

O OC teve acesso à prévia de uma medida provisória que pretende criar um mecanismo de compensação financeira por meio da exploração do potencial hidráulico para geração de energia. Os recursos seriam aplicados em um fundo de apoio a povos indígenas.

De acordo com Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental, a medida é inconstitucional. “Uma eventual regulação deste tema não poderia ser feita via medida provisória.” Guetta avalia que a medida provisória é uma tentativa de aprovar o recebimento de mais recursos, com a atual crise econômica vivida pelo país. Ouça aqui a declaração do advogado ao OC.

A edição da medida provisória ocorre uma semana depois da aprovação do licenciamento “fast track” na Comissão de Desenvolvimento do Senado. O projeto, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), acelera a liberação de licenciamento ambiental para obras consideradas estratégicas para o desenvolvimento do país.

Nara Baré, representante da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), afirmou que os indígenas também foram pegos de surpresa sobre a possível MP e considera a medida incompatível com o posicionamento do Brasil na conferência do clima de Paris. “O governo do Brasil se posiciona como se houvesse um diálogo e um consenso sobre a questão indígena, e não há.” Nara Baré também destaca o papel de preservação de florestas e, consequentemente, de carbono desempenhado pelas terras indígenas. “As metas que o Brasil coloca para 2030 são boas, mas o governo não terá perna para cumpri-las.”


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