segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

“Economia está refém da crise política”.
Uma unidade industrial de açúcar e etanol em Sertãozinho, São Paulo. A indústria da cana foi afetada pelo atual governo com seus subsídios à gasolina, golpeando o etanol. Esse é um dos fatores da depressão industrial nesse Estado, onde se concentra mais da metade da produção brasileira de açúcar e etanol. Foto: Mario Osava/IPS.

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 10/12/2015 – “A economia do Brasil está refém da crise política”, impedindo qualquer tentativa de melhora pelo menos nos próximos dois trimestres, afirmou Luis Eduardo de Assis, ex-diretor do Banco Central.Por outro lado, acredita-se que uma maior deterioração econômica favoreça o impeachment da presidente Dilma Rousseff, um possível desenlace das disputas políticas que paralisam o país.

Por isso a oposição procura atrasar o processo, enquanto o governo luta para acelerar os trâmites.Tem sentido, porque o primeiro e o último trimestres do ano já são usualmente períodos de baixa atividade econômica, e tudo deve continuar se agravando “pela inércia negativa da recessão econômica”, apontou Assis, atualmente professor de economia na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e na Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo.

O império da política é tão forte que relegou “a um papel secundário” Joaquim Levy, escolhido por Dilma para ser ministro da Fazenda de seu segundo mandato, com o objetivo de superar os desequilíbrios macroeconômicos mediante um forte ajuste fiscal, disse Assis à IPS.“Quem faria investimentos no Brasil em meio a tantas incertezas?”, perguntou o professor. Apesar de tudo, “a situação não é desesperadora, porque as instituições estão tremendo, mas não caem”, acrescentou.

Mas os indicadores econômicos são alarmantes. O produto interno bruto do terceiro trimestre caiu 4,5% em comparação a igual período de 2014, a inflação acumulada anual atingiu em novembro 10,48%, e para o desemprego de 7,9% em outubro a projeção é de que aumentará nos próximos meses.Os esforços deste ano para reverter a crise não tiveram resultado. O quadro se deteriorou com um brutal aumento do déficit fiscal e da dívida pública, uma redução da taxa de investimentos e de consumo, tudo agravado pela perda de governabilidade, com a fragmentação da coalizão governante.

A essa tempestade somou-se o escândalo de corrupção na Petrobras, envolvendo mais de 170 políticos e empresários, a prisão do líder do PT no Senado, Delcídio do Amaral, e foram obtidos indícios de que receberam subornos os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros.

O pedido de impeachment foi acolhido no dia 2 deste mês pelo presidente da Câmara. Agora o processo passa por uma comissão especial de deputados que examinará a denúncia e depois por votação dos deputados e senadores, nos dois casos exigindo maioria de dois terços para a condenação.

Para agilizar os trâmites, o governo defende a suspensão do recesso parlamentar, que começa no dia 23 e vai até 1º de fevereiro, o que é rechaçado pelos que defendem a destituição da presidente e esperam que o julgamento parlamentar aconteça quando a economia tiver tocado o fundo, no segundo semestre de 2016.

Mas não será assim, opinou Carlos Thadeu de Freitas, também ex-diretor do Banco Central e atual economista-chefe da Confederação Nacional de Comércio. “A economia já chegou ao fundo, terá ainda dois meses difíceis com a persistência da inflação elevada em janeiro e fevereiro, mas deverá melhorar a partir de março, com a queda deste índice”, afirmou à IPS.

Entretanto, “o crescimento econômico somente voltará com a recuperação da confiança dos agentes, algo que levará mais tempo, e para isso é determinante o ajuste fiscal”, apontou Freitas. Sua esperança é que o impeachment não seja aprovado na Câmara, onde se decide se Dilma será ou não submetida ao julgamento político do Senado. Assim, em dois ou três meses se poderia reiniciar o ajuste fiscal, paralisado por causa da crise política.
Minério de ferro aguarda para ser carregado e levado para a China, no porto de Ponta Madeira, norte do Brasil. A indústria extrativista é a locomotiva que não para no país e modera a queda da economia em outros setores. Foto: Mario Osava/IPS.

O processo de impeachment se justifica em caso de “crime de responsabilidade”. A presidente é acusada de ter assinado, este ano, decretos liberando gastos públicos sem autorização parlamentar, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal, vigente desde 2000.É uma acusação frágil, segundo juristas, porque os supostos crimes são parte das funções comuns do Poder Executivo e o próprio Congresso autorizou o governo a encerrar este ano com um gigantesco déficit no orçamento, fato que anularia as irregularidades dos decretos.

Mas trata-se de um julgamento político, onde importam mais os votos parlamentares. Os argumentos jurídicos e especialmente a pressão popular nas ruas são fatores indiretos. Esperar que a crise econômica tenha efeitos sociais mobilizadores é uma tática da oposição.A situação mais dramática afeta a indústria, cuja produção de janeiro a outubro deste ano caiu 7,8% em relação a igual período de 2014 e levou à demissão de meio milhão de pessoas.

Os bens de capital sofreram uma queda recorde de 24,5%, refletindo o baixo nível de investimento.A queda é contida somente pela indústria extrativista (hidrocarbonos e minerais), já que a de transformação cai há uma década, em um processo de desindustrialização que se acentuou nos últimos anos.

Uma causa foi a supervalorização cambiária, usada como instrumento para conter a inflação desde 1994, quando o Brasil criou o real e conseguiu controlar a hiperinflação que superou os 1.000% anual nos anos anteriores. Isso barateou as importações que tomaram o lugar da produção nacional nos mercados interno e externo. Uma desvalorização do real, de aproximadamente 60% nos dois últimos anos, ainda conseguiu inverter a tendência, mas reduziu as importações.

“Isso leva tempo nas exportações, porque as empresas que deixam o mercado internacional demoram a reconquistá-lo, e os altos custos para reorientar seus recursos financeiros e humanos requerem confiança de que o tipo de câmbio permanecerá no novo nível por muitos anos”, destacou à IPS o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.

Além disso, a indústria brasileira “perdeu competitividade por fatores estruturais, como um sistema tributário muito oneroso e complexo, e carências em infraestrutura”, em um momento de ambiente internacional desfavorável, por sua “lenta recuperação e forte competição”, afirmouCagnin.

Em uma economia ainda fechada comoa do Brasil, as exportações contribuem pouco para uma recuperação industrial. O que mais importa é o mercado interno, atualmente em uma recessão que somente será superada se for restabelecida a confiança do mercado. “Isso depende da política que só está gerando expectativas ruins, retardando uma possível recuperação”, acrescentou.

A crise industrial tem sua gravidade refletida no Estado de São Paulo, que concentra a produção industrial, que registrou queda de 10,5% em janeiro-outubro deste ano, comparado a igual período de 2014. “Isso mostra que a crise é generalizada em toda a indústria nacional”, indicouCagnin, acrescentando que esse fator explica também uma parte da forte oposição dos paulistas ao governo da presidente Dilma.

Mas, mesmo assim, Cagnin acredita que essa crise “ainda não chegou ao fundo”. A queda industrial gera desemprego e afeta o comércio e o setor de serviços, reduzindo a demanda que “se volta contra a indústria”. O processo turbulento do impeachment é outro fator recessivo, ressaltou.


Fonte: ENVOLVERDE

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