O solo
que desaparece debaixo dos nossos pés.
Foto: Shutterstock
Por Washington Novaes*
É muito inquietante estudo publicado há poucas
semanas (10/10) pela conceituada revista New Scientist segundo o qual um terço
dos solos superficiais do planeta está “ameaçado de extinção”. Em dezembro
próximo será publicado pela ONU, neste Ano Internacional dos Solos, um
relatório sobre essa situação dramática. Ele dirá que estamos perdendo solos à
razão de 30 campos de futebol (30 hectares) por minuto – ou 1.800 campos por
hora, 42 mil por dia. Se não baixarmos essa perda, todos os solos agricultáveis
do mundo estarão inviáveis para a agricultura em 60 anos. E como a agricultura
provê 95% dos alimentos, além de contribuir por outros ângulos para a
sobrevivência humana, as dimensões do problema serão gigantescas. É a maior
ameaça ao ser humano, segundo Peter Groffman, especialista em estudos do solo
no Cary Institute of Ecosystem Studies, em Nova York.
Groffman acha que a degradação dos solos é um
“desastre em câmera lenta”. Porque um grama de solo pode conter até 100 milhões
de bactérias, 10 milhões de vírus, 1.000 fungos e outras populações em meio a
plantas que se decompõem. O solo não só nutre ou faz crescer nossos alimentos,
como é a fonte de quase todos os antibióticos que existem – pode ser nossa
maior esperança na luta contra bactérias resistentes a antibióticos. O solo é
ainda o maior repositório de carbono – três vezes mais que a atmosfera – vital,
portanto, na área do clima. E sofre porque os humanos não lhe devolvem partes
não consumidas de colheitas, que deveriam ajudá-lo a repor nutrientes.
Sabendo disso, é penoso trafegar entre números
divulgados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO-ONU), quando diz (5/11) que cerca de 50% dos solos na América
Latina e no Caribe sofrem com deficiência de nutrientes; a degradação afeta até
metade do território de alguns países dessas áreas, com 150 milhões de pessoas.
No total, 14% dos territórios, principalmente com erosão. Isso impedirá que se
cumpra o objetivo de erradicar a fome nessas partes do continente até 2025.
Agora, aprovou-se na Aliança Sul-Americana pelo Solo um plano para uso e manejo
sustentável do solo, capaz até mesmo de ajudar na área de mudanças climáticas.
Alguns dos caminhos propostos pela Aliança para a
área amazônica incluem a fiscalização sobre o uso da terra, sobre a
contaminação dos solos em zonas dedicadas às atividades da extração de petróleo
e sobre mudanças no uso do solo para ampliar a fronteira agrícola. Na área do
clima, impedir que certos usos do solo impeçam a armazenagem de carbono.
Todas essas informações vêm no momento em que acaba
de se realizar em Ancara, na Turquia, mais uma reunião – que passou
praticamente despercebida na comunicação brasileira – da Convenção de Combate à
Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas. Representantes de 192 países
estavam lá, discutindo caminhos para impedir a desertificação. E tomando
conhecimento de soluções úteis, como as cisternas de placa e as microbarragens
para armazenamento de água na temporada das chuvas e seu uso durante a estiagem
– como se tem feito no Semiárido brasileiro (mais de 1,3 milhão de cisternas já
entregues) e tem sido comentado neste espaço.
Felizmente, alguns outros passos têm sido dados,
como os de recuperação de nascentes no Estado de São Paulo, acoplada à
recuperação de vegetação, buscando compatibilizá-la com a produção agrícola, a
readequação de estradas rurais e a conservação do solo. O primeiro projeto é
realizado na cidade paulista de Holambra, onde 101 propriedades rurais poderão
regenerar a vegetação nativa e o entorno de 170 nascentes e matas ciliares,
além de recuperar áreas degradadas e instalar sistemas para captar e armazenar
água das chuvas.
Todas essas coisas, porém, ocorrem simultaneamente
com tentativas em curso de aprovar no Brasil legislação para uso de produtos
transgênicos – na mesma hora em que a União Europeia – incluindo Alemanha,
França, Itália, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte (ao todo, 19 países) –
acaba de decidir a proibição do plantio de alimentos geneticamente modificados
(New Scientist, 10/10), inclusive pelos problemas no solo.
No nosso Congresso, que já autorizou a retirada do
símbolo de alimento transgênico do rótulo de produtos que o contenham, a
bancada ruralista tenta agora (eco-finanças, 13/11) aprovar projeto (PL
1.117/15) que modifica a Lei de Biossegurança e transforme o Brasil no primeiro
país a legislar em favor do cultivo comercial de plantas propositalmente
estéreis – afrouxando, assim, a proibição às chamadas sementes Terminator e
representando uma ameaça à biodiversidade local. Essas sementes se tornam
estéreis a partir da segunda geração, inclusive em plantações de cana-de-açúcar
e eucalipto – após autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio).
Têm sido fortes as críticas de ambientalistas a
esse projeto, no Brasil e fora, bem como à possibilidade de contaminação, até
na Amazônia, negada pelos defensores desse caminho. Um dos críticos diz que
“essas sementes poderão provocar um armagedon na agricultura brasileira” – com
os pequenos agricultores impossibilitados de guardar sementes para o plantio
seguinte e vendo os custos nessa área passarem a cada ano de R$ 162 milhões
para R$ 1,17 bilhão (com a multiplicação dos lucros do cartel de empresas que
domina a comercialização das sementes).
Seja como for, é mais uma área em que tudo se
discute e decide sem atenção maior ao ângulo da conservação do solo – crucial
no mundo. O estudo publicado pela New Scientist quantifica prejuízos com solo
fértil perdido: US$ 44 bilhões com a erosão nos Estados Unidos, 233 milhões de
libras no Reino Unido com o solo degradado armazenando menos á água e gerando
fluxo menor, e US$ 40 bilhões na África com maior importação de alimentos por
causa da produção menor nos solos degradados. Quanto será no Brasil?
* Washington Novaes é jornalista (e-mail:
wlrnovaes@uol.br).
Fonte: O Estado de S. Paulo
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