segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

As várias histórias da responsabilidade histórica.
Cerca de 129 milhões de hectares de floresta – uma área quase equivalente em tamanho à África do Sul – se perdeu desde 1990. Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace.

Novo cálculo evita o exagero de dizer que só países ricos devem arcar com corte de CO2.

Por Luiz Gylvan Meira Filho, especial para o OC –

A negociação internacional sobre como tratar a mudança do clima pode ser resumida em encontrar uma forma de dividir entre os países duas tarefas: controlar as emissões de gases de efeito estufa (mitigação, no jargão das negociações) e lidar com os efeitos da mudança do clima (adaptação, naquele jargão).

A base para as negociações é a Convenção-Quadro nas Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a UNFCCC, assinada no Rio de Janeiro em 1992 e que inclui quase todos os países do mundo.
Uma simplificação útil do problema consiste em dividir a negociação em duas partes.

Primeiro, a decisão sobre qual será a magnitude da mitigação global. Uma vez tomada essa decisão, fica definida a magnitude da mudança do clima que será tolerada, e, portanto, do esforço global de adaptação.

Segundo, a negociação sobre a repartição entre os países dos esforços de mitigação e de adaptação, de forma que o conjunto dos esforços dos países individuais seja pelo menos igual aos esforços globais de mitigação e de adaptação decididos no item anterior.

A primeira parte já foi resolvida, quando o conjunto das Partes da Convenção decidiu que o aumento da temperatura média global da superfície não deveria exceder 2 graus Celsius. As negociações internacionais agora estão concentradas na segunda parte. A Conferência das Partes da Convenção em Paris, que começa na segunda-feira que vem, será um marco importante. O formato adotado é o de que cada parte declara sua contribuição. É inevitável que a comunidade internacional avalie se o conjunto dos esforços pretendidos pelas partes satisfaz as metas globais ou não. Nas negociações, é também inevitável que o conjunto de países expresse suas opiniões sobre a adequação das intenções de cada país.

Para guiar esse esforço, é conveniente fazer referência a dois conceitos muito importantes, nos quais o Brasil, bem como os outros países em desenvolvimento, tem insistido.

São os conceitos da responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades (as chamadas CBDR), e o conceito de que o aumento das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa na época em que foi adotada a convenção era principalmente devido às emissões dos países industrializados. Este segundo conceito é conhecido como “responsabilidade histórica”.

A convenção, porém, estabeleceu o princípio das CBDR, mas jamais definiu o critério para a diferenciação. Ao longo dos anos, várias alternativas foram sugeridas, notadamente as métricas de população e de riqueza nacional.

O Brasil propôs em 1997 como critério para a diferenciação de compromissos a métrica de responsabilidade pela mudança global do clima – esta, por sua vez, medida como a contribuição de cada país para o aumento da temperatura média global da superfície, a ser determinada por meio de um modelo a ser acordado. Nascia a chamada Brazilian Proposal (Proposta do Brasil), que até hoje integra a lista de documentos fundamentais da negociação climática internacional.

A Conferência de Kyoto, em 1997, decidiu que a Brazilian Proposal deveria ser analisada por seu órgão subsidiário de aconselhamento científico e técnico (SBSTA na sigla em inglês), o que foi feito durante algum tempo. O esforço teve um resultado importante já nas primeiras reuniões, e que foi a especificação das características necessárias para o desenvolvimento de um modelo para o cálculo das responsabilidades relativas dos países pela mudança do clima.

O IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, também debruçou-se sobre o tema, ao criar um grupo para estudar métricas alternativas para o cálculo de emissões de gases de efeito estufa. Por fim, a decisão da Conferência de Copenhague em 2009 de utilizar o aumento da temperatura média global da superfície como uma das métricas para o estabelecimento da meta global de controle da mudança do clima fixou em definitivo a aceitação do conceito proposto pelo Brasil. No entanto, ainda faltava uma metodologia para estimar a contribuição de cada país.

Embora existam vários modelos que permitem calcular o aumento da temperatura em função das emissões globais, faltava ainda um modelo capaz de calcular a contribuição de um dado país em adição ao gás carbônico que já está na atmosfera. Os economistas chamam isso de cálculo “na margem”, mas o leitor será poupado dos detalhes aqui. Em trabalho recente isso foi feito, o que permitiu, pela primeira vez, estimar a contribuição relativa do país em 2005 para a mudança do clima usando várias métricas:

Se calculada em emissões equivalentes de dióxido de carbono, com o fator de equivalência dos gases de acordo com seus respectivos potenciais de aquecimento global em cem anos (ou GWP, a métrica mais usada para relatar emissões), a contribuição do Brasil para o aquecimento da Terra em 2005 é expressiva: 4,4%. É mais do que a fatia do país na população mundial (2,8%) e do PIB mundial (2,5%).

Se calculada em emissões equivalentes de dióxido de carbono, com o fator de equivalência dos gases de acordo com seus respectivos potenciais de aumento da temperatura global em cem anos (GTP), a responsabilidade do Brasil cai um pouco: 3,3%. Isso porque o país tem grande parte de suas emissões em metano, um gás de efeito estufa mais potente que o dióxido de carbono, mas de meia-vida mais curta. Portanto, o potencial de aumento da temperatura em cem anos cai.

Se medida pela concentração atmosférica com o fator de equivalência dos gases de acordo com sua capacidade relativa de produzir aquecimento, a contribuição brasileira é de 3,1% – ainda maior do que a parcela do Brasil na de população e no PIB do planeta.

Se calculada considerando o aumento de temperatura média global da superfície, a contribuição do Brasil passa a ser de 1,9%.

As considerações acima desmistificam a questão da responsabilidade histórica, pois o uso da temperatura, calculada na margem, como métrica para estimar a contribuição relativa de qualquer país leva em conta a responsabilidade histórica, em bases objetivas, evitando assim o exagero retórico do argumento de que todo o ônus de lidar com o problema da mudança do clima deveria recair exclusivamente sobre os países que começaram a emitir gases de efeito estufa antes dos outros, mas considerando efetivamente que há um atraso entre o ano da emissão e o ano de máximo aumento de temperatura resultante daquela emissão.

Esse tipo de cálculo permite, pela primeira vez, que os países que começaram a emitir recentemente tenham a sua contribuição avaliada de acordo com as emissões no passado recente (há cerca de vinte anos para o metano, e há cerca de 40 anos para o dióxido de carbono e o dióxido de carbono), e assim a responsabilidade histórica é levada em conta.

* Luiz Gylvan Meira Filho é pesquisador-titular do Instituto Tecnológico Vale e professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP. Foi presidente da Agência Espacial Brasileira (1994 a 2000) e vice-presidente do IPCC. Participou do grupo que negociou o Protocolo de Kyoto e é um dos criadores da proposta que originou o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e da Proposta Brasileira sobre responsabilidade histórica na mudança do clima.


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