As várias
histórias da responsabilidade histórica.
Cerca de 129 milhões de hectares de floresta – uma
área quase equivalente em tamanho à África do Sul – se perdeu desde 1990. Foto:
Marizilda Cruppe/Greenpeace.
Novo cálculo evita o exagero de dizer que só países
ricos devem arcar com corte de CO2.
Por Luiz Gylvan Meira Filho, especial para o OC –
A negociação internacional sobre como tratar a
mudança do clima pode ser resumida em encontrar uma forma de dividir entre os
países duas tarefas: controlar as emissões de gases de efeito estufa
(mitigação, no jargão das negociações) e lidar com os efeitos da mudança do
clima (adaptação, naquele jargão).
A base para as negociações é a Convenção-Quadro nas
Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a UNFCCC, assinada no Rio de Janeiro em
1992 e que inclui quase todos os países do mundo.
Uma simplificação útil do problema consiste em
dividir a negociação em duas partes.
Primeiro, a decisão sobre qual será a magnitude da
mitigação global. Uma vez tomada essa decisão, fica definida a magnitude da
mudança do clima que será tolerada, e, portanto, do esforço global de
adaptação.
Segundo, a negociação sobre a repartição entre os
países dos esforços de mitigação e de adaptação, de forma que o conjunto dos
esforços dos países individuais seja pelo menos igual aos esforços globais de
mitigação e de adaptação decididos no item anterior.
A primeira parte já foi resolvida, quando o
conjunto das Partes da Convenção decidiu que o aumento da temperatura média
global da superfície não deveria exceder 2 graus Celsius. As negociações
internacionais agora estão concentradas na segunda parte. A Conferência das
Partes da Convenção em Paris, que começa na segunda-feira que vem, será um
marco importante. O formato adotado é o de que cada parte declara sua
contribuição. É inevitável que a comunidade internacional avalie se o conjunto
dos esforços pretendidos pelas partes satisfaz as metas globais ou não. Nas
negociações, é também inevitável que o conjunto de países expresse suas opiniões
sobre a adequação das intenções de cada país.
Para guiar esse esforço, é conveniente fazer
referência a dois conceitos muito importantes, nos quais o Brasil, bem como os
outros países em desenvolvimento, tem insistido.
São os conceitos da responsabilidades comuns, porém
diferenciadas, e respectivas capacidades (as chamadas CBDR), e o conceito de
que o aumento das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa na época
em que foi adotada a convenção era principalmente devido às emissões dos países
industrializados. Este segundo conceito é conhecido como “responsabilidade
histórica”.
A convenção, porém, estabeleceu o princípio das
CBDR, mas jamais definiu o critério para a diferenciação. Ao longo dos anos,
várias alternativas foram sugeridas, notadamente as métricas de população e de
riqueza nacional.
O Brasil propôs em 1997 como critério para a
diferenciação de compromissos a métrica de responsabilidade pela mudança global
do clima – esta, por sua vez, medida como a contribuição de cada país para o aumento
da temperatura média global da superfície, a ser determinada por meio de um
modelo a ser acordado. Nascia a chamada Brazilian Proposal (Proposta do
Brasil), que até hoje integra a lista de documentos fundamentais da negociação
climática internacional.
A Conferência de Kyoto, em 1997, decidiu que a
Brazilian Proposal deveria ser analisada por seu órgão subsidiário de
aconselhamento científico e técnico (SBSTA na sigla em inglês), o que foi feito
durante algum tempo. O esforço teve um resultado importante já nas primeiras
reuniões, e que foi a especificação das características necessárias para o
desenvolvimento de um modelo para o cálculo das responsabilidades relativas dos
países pela mudança do clima.
O IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, também
debruçou-se sobre o tema, ao criar um grupo para estudar métricas alternativas
para o cálculo de emissões de gases de efeito estufa. Por fim, a decisão da
Conferência de Copenhague em 2009 de utilizar o aumento da temperatura média
global da superfície como uma das métricas para o estabelecimento da meta
global de controle da mudança do clima fixou em definitivo a aceitação do
conceito proposto pelo Brasil. No entanto, ainda faltava uma metodologia para
estimar a contribuição de cada país.
Embora existam vários modelos que permitem calcular
o aumento da temperatura em função das emissões globais, faltava ainda um
modelo capaz de calcular a contribuição de um dado país em adição ao gás
carbônico que já está na atmosfera. Os economistas chamam isso de cálculo “na
margem”, mas o leitor será poupado dos detalhes aqui. Em trabalho recente isso
foi feito, o que permitiu, pela primeira vez, estimar a contribuição relativa
do país em 2005 para a mudança do clima usando várias métricas:
Se calculada em emissões equivalentes de dióxido de
carbono, com o fator de equivalência dos gases de acordo com seus respectivos
potenciais de aquecimento global em cem anos (ou GWP, a métrica mais usada para
relatar emissões), a contribuição do Brasil para o aquecimento da Terra em 2005
é expressiva: 4,4%. É mais do que a fatia do país na população mundial (2,8%) e
do PIB mundial (2,5%).
Se calculada em emissões equivalentes de dióxido de
carbono, com o fator de equivalência dos gases de acordo com seus respectivos
potenciais de aumento da temperatura global em cem anos (GTP), a
responsabilidade do Brasil cai um pouco: 3,3%. Isso porque o país tem grande
parte de suas emissões em metano, um gás de efeito estufa mais potente que o
dióxido de carbono, mas de meia-vida mais curta. Portanto, o potencial de
aumento da temperatura em cem anos cai.
Se medida pela concentração atmosférica com o fator
de equivalência dos gases de acordo com sua capacidade relativa de produzir
aquecimento, a contribuição brasileira é de 3,1% – ainda maior do que a parcela
do Brasil na de população e no PIB do planeta.
Se calculada considerando o aumento de temperatura
média global da superfície, a contribuição do Brasil passa a ser de 1,9%.
As considerações acima desmistificam a questão da
responsabilidade histórica, pois o uso da temperatura, calculada na margem,
como métrica para estimar a contribuição relativa de qualquer país leva em
conta a responsabilidade histórica, em bases objetivas, evitando assim o
exagero retórico do argumento de que todo o ônus de lidar com o problema da
mudança do clima deveria recair exclusivamente sobre os países que começaram a
emitir gases de efeito estufa antes dos outros, mas considerando efetivamente
que há um atraso entre o ano da emissão e o ano de máximo aumento de
temperatura resultante daquela emissão.
Esse tipo de cálculo permite, pela primeira vez,
que os países que começaram a emitir recentemente tenham a sua contribuição
avaliada de acordo com as emissões no passado recente (há cerca de vinte anos
para o metano, e há cerca de 40 anos para o dióxido de carbono e o dióxido de
carbono), e assim a responsabilidade histórica é levada em conta.
* Luiz Gylvan Meira Filho é
pesquisador-titular do Instituto Tecnológico Vale e professor visitante do
Instituto de Estudos Avançados da USP. Foi presidente da Agência Espacial
Brasileira (1994 a 2000) e vice-presidente do IPCC. Participou do grupo que
negociou o Protocolo de Kyoto e é um dos criadores da proposta que originou o
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e da Proposta Brasileira sobre
responsabilidade histórica na mudança do clima.
Fonte: Observatório do Clima
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