Ferrugem
do café ameaça com mais pobreza.
Isly Membreño separa os grãos de café verdes dos
vermelhos, parte de suas tarefas como coletora na fazenda Montebelo em El
Salvador. Foto: Edgardo Ayala/IPS.
Por Edgardo Ayala, da IPS –
El Congo, El Salvador, 17/12/2015 – Sentada diante
de um promontório de grãos de café que acaba de colher, Isly Membreño separa
desesperançada os verdes dos maduros (vermelhos), lamentando a má colheita e o
magro salário que recebe por dia. A ferrugem do café (Hemileiavastatrix)
infectou a fazenda onde trabalha, assim como contaminou o resto do país e da
região centro-americana.
“Tem menos café para colher, e no fim há menos
dinheiro para nós”, lamentou Membrenõ, uma das 30 pessoas que trabalham na
colheita na fazenda Montebelo, no cantão de mesmo nome, jurisdição de El Congo,
no departamento de Santa Ana. Esse fungo ataca as folhas do café, as deixa
amarelas e secas até caírem, e o fruto não amadurece.
A cafeicultura gera cerca de 150 mil empregos
diretos e 500 mil indiretos, segundo o informe O Cultivo do Café em El
Salvador 2013, elaborado pelo governamental Conselho Salvadorenho do Café
(CSC). Entre 1995 e 2012, o setor representou 7,5% das exportações totais do
país. O impacto direto da ferrugem do café ameaça empobrecer ainda mais a zona
rural, onde 36% das famílias já vivem na pobreza, segundo a oficial Pesquisa de
Famílias de Propósitos Múltiplos, de 2013.
Membreñocontouà IPS que, antes de a fazenda ser
infectada, conseguia colher dois quintais (um quintal equivale a 92 quilos), e
receber cerca de US$ 4 por cada um, conseguindo uns US$ 8 no final do dia
durante os três meses de colheita.“Mas agora não consigo colher nem um quintal,
ganho apenas US$ 3”, acrescentou.
A maioria dos diaristas contaram situação
semelhante quando a reportagem da IPS visitou o terreno de propriedade
privadacom 116 manzanas(uma manzana varia de seis mil a dez mil
metros quadrados na América Latina). O clima também ficou ruim, com as
prolongadas secas no inverno e chuvas no verão. “A chuva derrubou o café, e
perdemos tempo recolhendo”, disse à IPS Sonia Hernández, mãe de três filhos e
também diarista na fazenda.
Dados oficiais que o CSC publica em sua página na
internet revelam que, na colheita 2013-2014, quando o fungo atingiu com
violência, a produção caiu de 1,7 milhão de quintais, conseguida na safra
anterior, para apenas 700 mil quintais. Nesse período, o pagamento dos
diaristas caiu de US$ 21,6 milhões para US$ 8,7 milhões.A colheita 2014-2015
melhorou um pouco e chegou a 925 mil quintais. A projeção do CSC para a safra
2015-2016 é de 998 mil quintais, ainda abaixo dos níveis anteriores ao ataque
da ferrugem.
“Se não tem colheita essa pobre gente não
trabalha”, pontuou à IPS Manuel Morán, um organizador das tarefas, ou
“mandador”, como tradicionalmente é conhecido nas fazendas.
O cantão Montebelo fica na cordilheira
Apaneca-Lamatepec, e é propícia para o cultivo do grão, mas na região não há
produção de milho nem de feijões, base da alimentação dos salvadorenhos. Assim,
sem terra para colher nem dinheiro para comprar esses produtos, a segurança
alimentar dessa comunidade está em risco. “Não temos onde plantar feijão ou
milho, e nos mantemos com o que tem aqui, na fazenda”, destacouMembreño.
No país existem cerca de 19.500 cafeicultores, dos
quais 86% são pequenos agricultores com propriedades inferiores a dezmanzanas,que
representam 21% do total da produção nacional, segundo o informe do CSC.
“Quando não é época de colher, nos dedicamos a coletar lenha, para nos
mantermos, porque não há outra coisa aqui”, explicouMembreño, mãe de um menino
de oito anos. Seu marido também se dedica às mesmas atividades.
Presente em El Salvador desde o final dos anos
1970, a ferrugem do café irrompeu agressivamente em 2012, mas os estragos foram
evidentes no ano seguinte, sem que o governo ou os produtores estivessem
preparados. “A doença nos pegou de calça curta” afirmou à IPS o pesquisador do
governamental Centro Nacional de Tecnologia Agropecuária e Florestal (Centa),
Julio Grande. Na fazenda Montebelo, ele estuda a biologia do parasita, a
epidemiologia da doença e os fungicidas que melhor podem enfrentá-la.
Aposta-se em um tratamento integral da enfermidade,
enfatizando a fertilização da planta, as podas e também o uso de fungicidas,
explicou Grande. A conjugação desses três elementos pode dar bons resultados,
completou.De fato, é possível verificar que, nas áreas onde foram aplicados os
fungicidas, os cafezais se mantêm relativamente fora de perigo. “Os fungicidas
funcionam, mas, se descuidarmos dos outros aspectos da equação, o efeito será
limitado”, observou.
A renovação dos cafezais apresenta-se como uma
resposta efetiva, porque as árvores mais velhas estão mais suscetíveis ao
contágio, disse o pesquisador. Os cafezais de El Salvador são considerados
velhos, com vida útil superior a 30 anos.Além de assistência técnica,
fungicidas e outros insumos, o governo distribuiu,para 4.200 cafeicultores,
aproximadamente oito milhões de mudas resistentes ao fungo, para iniciar um
processo de renovação, afirmou à IPS Adán Hernández, gerente da divisão de café
do Centa. Os produtores semearam por conta própria outros oito milhões,
acrescentou.
Mas uma renovação em grande escala exigiria um
forte investimento governamental para adquirir de viveiros privados os 300
milhões de mudas necessários para semear as 216 manzanas de cafezais de
El Salvador, porém, de todo modo, não existe essa quantidade de semente à
disposição. Em meio a essa situação, sentada diante dos grãos de café,
IslyMembreño só tem uma coisa em mente: como sobreviver com US$ 3 por dia.
Fonte: ENVOLVERDE
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