Crostas
submarinas: tesouro a ser explorado pela ciência.
Com apoio da FAPESP e do NERC, pesquisadores
investigam depósitos de metais na Elevação do Rio Grande e em planícies
abissais ao largo da Ilha da Madeira, no Atlântico Norte. Imagem: Elevação do
Rio Grande/CPRM.
Por Diego Freire, da Agência Fapesp –
A formação rochosa submarina conhecida como
Elevação do Rio Grande, uma cordilheira de 3 mil km² no fundo do oceano Atlântico,
a 1,5 mil quilômetros de distância da costa brasileira, guarda um verdadeiro
tesouro em minerais e elementos químicos cada vez mais escassos na superfície
terrestre – e que a ciência começa a desbravar.
Um grupo de pesquisadores apoiados pela Fapesp e
pelo Natural Environment Research Council (NERC), um dos conselhos de Pesquisa
britânicos, deu início ao projeto Marine ferromanganese deposits – a major resource of E-tech
elements (Marine E-tech), um esforço multidisciplinar de estudo da formação de
depósitos de metais em águas profundas do oceano Atlântico. Além da Elevação do
Rio Grande, na qual os pesquisadores brasileiros se concentrarão, a iniciativa
contará com pesquisas em planícies abissais ao largo da Ilha da Madeira, no
Atlântico Norte.
O projeto foi apresentado na terça-feira (08/12),
na sede da Fapesp, em São Paulo (SP), durante o workshop E-tech Element Submarine
Ferromanganese Crusts Research, que reuniu pesquisadores de instituições
brasileiras, do Reino Unido e dos Estados Unidos envolvidos em estudos
oceanográficos na região.
Para Frederico Brandini, do Instituto Oceanográfico
(IO) da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do Marine E-tech no
Brasil, “o fundo dos oceanos é a nova fronteira de exploração mineral e
biotecnológica, mas o potencial dessa região precisa ser explorado de forma
sustentável”.
“O conhecimento científico tem papel decisivo nisso.
O Brasil possui 8.500 km de costa com uma série de recursos naturais
disponíveis e ainda depende muito de terras raras para desenvolver suas
tecnologias. A Elevação do Rio Grande é uma potencial fonte de recursos, mas
sobre a qual ainda se sabe muito pouco nas ciências oceanográficas e na
mineração, o que inviabiliza o entendimento de suas potencialidades e da
sustentabilidade da sua exploração. As pesquisas serão conduzidas para
encontrar soluções nesse sentido”, destacou.
Dessa forma, os pesquisadores pretendem responder
algumas perguntas que a comunidade científica internacional faz sobre tais
formações em diferentes áreas oceânicas – por exemplo, sobre os motivos que
levaram ao seu surgimento e os meios pelos quais crescem e são mantidas. “É
preciso determinar se a origem desses nódulos é biogênica ou o resultado de
reações químicas que induzem a precipitações metálicas. Bactérias litotróficas
usam energia da oxirredução de elementos químicos para precipitar esses
metais”, exemplificou Brandini.
Tesouros submersos
O trabalho na Elevação do Rio Grande também tentará
elucidar quais composições minerais estão presentes nos nódulos polimetálicos –
concentrações de diferentes metais formadas no fundo do oceano.
“Esses nódulos têm em média 10 centímetros e determinadas
regiões dos oceanos estão repletas deles, a maior parte de ferro e manganês,
mas com outros elementos químicos incorporados e relativamente fáceis de serem
extraídos. Porém, todo esse potencial mineral está a mais de mil metros de
profundidade, podendo chegar a até 5 mil metros, o que exige amplo conhecimento
científico e tecnologias muito específicas”, explicou Brandini.
Entre eles estão subprodutos da extração de metais
comuns necessários ao desenvolvimento de tecnologias para produção de energia
mais limpa e eficiente, que podem ser utilizados em baterias de veículos
elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, entre outras aplicações. São os
elementos e-tech, como o telúrio, o cobalto e o selênio.
“Alguns desses elementos são altamente concentrados
em depósitos no fundo do mar, que constituem o recurso marinho de metal mais
importante para exploração e aproveitamentos futuros. Por exemplo, os maiores
níveis de enriquecimento de telúrio são encontrados nas profundezas dos
oceanos, em crostas de ferro manganês em montanhas submarinas”, disse Paul
Lutsy, da British Gelogical Survey (BGS).
Telúrio é um componente essencial na produção de
células solares, mas o elemento está presente em apenas 0,0000001% da
superfície, o que o torna três vezes mais escasso do que o ouro. Para Lutsy,
“não se trata de uma espécie de corrida do ouro, mas uma opção para o futuro”.
“Ao mesmo tempo em que a população cresce e
aumentam os padrões de consumo de países como os do Bric (grupo formado por
Brasil, Rússia, Índia e China) e da África, o mundo caminha rumo a novas
tecnologias, um cenário que faz crescer a demanda por metais de terras raras
cada vez mais escassos, seja por questões geológicas ou por impedimentos
econômicos e políticos – a China controla mais de 95% da produção mundial de
terras raras. O mundo precisa de alternativas”, afirmou.
“Pedras vivas”
A despeito de todo o potencial econômico da
região, destacou Luigi Jovane, do IO-USP, o foco do projeto não será direcionado
à promoção da atividade mineradora, mas à compreensão dos nódulos do ponto de
vista ambiental.
“Trata-se de estudos oceanográficos para que seja
desvendada a história desses nódulos, que crescem e que são organismos com
propriedades únicas, como se fossem pedras vivas, com composição química muito
particular e sobre os quais ainda pairam perguntas científicas não respondidas.
Para isso é preciso um esforço multidisciplinar, caso deste projeto, envolvendo
pesquisadores de Biologia, Geologia, Física, além da expertise em tecnologia e
da metodologia dos grupos internacionais a ele associados.”
A compreensão sobre como esses organismos se
formaram ao longo do tempo pode ainda fornecer informações sobre o conjunto do
fundo dos oceanos, ampliando o entendimento sobre variações de massa da água,
correntes e temperatura, absorção de CO2 e de matéria orgânica e a vida dos
organismos bentônicos – que vivem no fundo do mar –, entre outras.
As rochas também serão estudadas do ponto de
vista geológico, estudando-se suas propriedades geoquímicas e sua
geomicrobiologia, com pesquisas sobre as bactérias que vivem em cima dessas
estruturas e que, em simbiose, as fazem crescer.
Vivian Pellizari, do IO-USP, falou no workshop
sobre o papel das bactérias litotróficas, que utilizam fontes inorgânicas de
energia, na formação dos nódulos.
“Perfurações já realizadas nessas estruturas
revelaram que a biosfera de sua subsuperfície é generalizada, grande e
geneticamente e geoquimicamente diversificada. Essas comunidades microbianas
profundas desempenham um papel importante nos ciclos globais biogeoquímicos, na
alteração mineral e na produção e destruição de hidrocarbonetos”, destacou.
Também serão estudados o papel de microrganismos
na concentração de elementos de interesse tecnológico, seu ciclos de vida e as
implicações para atividades de bioprocessamento – que utilizam células vivas ou
seus componentes para sintetizar produtos, degradar substâncias e produzir
energia, entre outros objetivos. “Esses estudos também poderão criar oportunidades
para o desenvolvimento de um processo de biomineração para a recuperação de
metais relevantes a partir de nódulos de manganês.”
Para Brandini, “somente a compreensão das forças
ambientais que fazem com que os nódulos metálicos existam ali poderá levar às
melhores formas de explorá-los”.
“A mineração é conhecida como uma atividade de
alto impacto ambiental. Em terra é possível algum controle, apesar de todas as
dificuldades conhecidas – pode-se reflorestar, por exemplo. O ecossistema
marinho é mais frágil e com uma resiliência muito comprometida, que não se
recupera rapidamente. São necessários muitos estudos até que se possa
utilizá-lo para este fim [de mineração]”, ponderou.
Também apresentaram estratégias de pesquisa
multidisciplinares no âmbito do Marine E-Tech Ilson Silveira, Paulo Sumida e
Alexander Turra, do IO-USP, José Angel Alvarez Perez, da Universidade do Vale
do Itajaí (Univali), Bramley Murton, do National Oceanography Centre (NOCS), do
Reino Unido, e Jim Hein, do U.S. Geological Survey, dos Estados Unidos.
Estão previstos quatro cruzeiros científicos com
os pesquisadores participantes do projeto, sendo três expedições de até 30 dias
conduzidas pela equipe brasileira para investigação do ambiente em águas
profundas na Elevação do Rio Grande. Os cruzeiros no Atlântico Sul serão feitos
por meio do navio oceanográfico Alpha Crucis, adquirido pela Fapesp para o
IO-USP em 2012.
O Marine E-Tech é parte do programa Security of
Supply of Minerals Resource (SoS Minerals), lançado pelo Nerc e o Engineering
& Physical Sciences Reseach Sciences Research Council (EPSRC), outro
conselho de Pesquisa do Reino Unido. O projeto tem apoio da Fapesp no âmbito do
acordo de cooperação
entre a instituição e os conselhos de Pesquisa britânicos, firmado em setembro
de 2009.
Fonte: Agência
Fapesp
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