O Rio
Doce morreu com lágrimas, sem berro.
Rejeitos de minério chegam ao mar na foz do Rio
Doce em Regência – ES. Foto: Fred Loureiro.
Por Lúcia Chayb e René Capriles –
A edição de novembro de 2015 da Eco21,
uma das principais publicações sobre meio ambiente e sustentabilidade no
Brasil, traz excelentes textos. Confira abaixo o editorial e o índice!
Editorial
O Rio Doce morreu, lamentou Sebastião Salgado
insuflado de esperança pela recuperação do “seu” rio. Ele disse: “hoje o rio
morreu, ecologicamente. Não existe mais nada, não existe vida no rio; primeiro
morreu toda a fauna, a flora está terminando de morrer nestes dias. Essa
tragédia me atingiu diretamente”. Habituado a registrar nas fotos dramas
humanos e tragédias naturais viu destruída em minutos toda uma obra de décadas
que passou revitalizando as margens do Rio Doce.
A tenacidade do fotógrafo virou um exemplo de
empreendedorismo. Mesmo antes que o Governo e as empresas envolvidas na
tragédia do rompimento da barragem tomassem alguma iniciativa, Salgado já tinha
elaborado um projeto que contempla a regeneração dos quase 900 km de extensão
do rio, o qual possui cerca de 370 mil nascentes. “Nós pretendemos recuperar
todas elas”, afirmou. Por uma coincidência, “quando houve essa catástrofe, é
claro que o único projeto estruturado de recuperação do Rio Doce, das
nascentes, era o nosso”, destacou.
Mas a tragédia do dia 5 de Novembro, em Mariana,
com toda a dimensão da destruição ambiental, aconteceu antes da outra, que
ceifou centenas de vidas na fatídica sexta-feira 13, em Paris, quando a loucura
da intolerância abalou como um tsunami o mundo inteiro. Não foi um massacre
contra um país, uma ideologia ou uma religião, foi a sinalização de que a forma
como a sociedade atual se estruturou está falida.
Não foi por acaso que esse crime aconteceu dias
antes da COP-21 que, significativamente, é a maior conferência jamais realizada
na França depois da reunião para aprovar a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, fato que aconteceu em 1948. Esse ataque, que obrigou o governo francês
e a própria ONU a repensar em quem poderia participar e como, levou a ativista
ambiental Naomi Klein a se perguntar “Quem tem sua segurança garantida a
qualquer custo? A segurança de quem é casualmente sacrificada, apesar de haver
meios para fazer muito melhor? Essas são as questões que estão no fulcro da
crise climática e as respostas são a razão pela qual as Conferências do Clima
terminam tantas vezes em acrimônia e lágrimas”. Alguns analistas afirmam que as
Conferências sobre o Clima já se assemelham às da ONU sobre o Desarmamento:
nunca chegam a conclusão nenhuma.
A crise climática é uma arma de destruição em massa
que afeta toda sociedade. Não é por acaso que o Pentágono, muito além de Obama,
considera a questão climática um problema de segurança nacional, mas os
especuladores da banca internacional veem neste campo um excelente meio de
ganhar dinheiro e uma grande oportunidade de renovar as suas pastas de
créditos.
Uma pesquisa recente da UFRJ revela que os eventos
climáticos extremos atingem 1,1% da população brasileira todos os anos e
custaram até R$ 355 bilhões entre 2002 e 2012. É nada menos que o equivalente a
0,87% do PIB acumulado no período. Na média, o custo anual dos desastres
naturais naquela década foi de R$ 25,2 bilhões.
A catástrofe de Mariana custará alguns bilhões, mas
não foi um desastre natural, foi produto da incompetência das empresas
envolvidas, da ineficaz fiscalização dos poderes públicos, porém pode virar um
bom negócio na etapa pós-rompimento da barragem. Alguns investidores já
enxergam grandes investimentos com vultosos lucros.
Letícia Oliveira, do Movimento dos Atingidos por
Barragens denunciou que “essas mineradoras lucram muito e a gente vê que não
estão investindo na segurança dos seus empreendimentos. A Samarco já teve o
rompimento de um mineroduto, em 2010, o que mostra que existe uma repetição
dessas questões”. Mariana e Paris, duas tragédias anunciadas.
Duas advertências sobre um mundo que deve refletir
profundamente sobre suas responsabilidades para com a sociedade. Carlos
Drummond de Andrade reconforta poetizando sobre o Rio Doce: “Quantas toneladas
exportamos / De ferro? / Quantas lágrimas disfarçamos / Sem berro?”.
Índice
04 Achim Steiner – Papa Francisco, um líder diante
da mudança climática
05 José Eli da Veiga – A que preço emitir carbono?
06 Naomi Klein – As Marchas do Clima são proibidas
na COP-21 de Paris
08 Denis Aguiton – Informe mostra patrocinaores
poluidores por trás da COP-21
10 Emilio La Rovere – O compromisso brasileiro com
a economia de baixo carbono
14 Mauro M. O. Santos – Metas climáticas do Brasil
e falhas de governança
16 Diego Freire – Pesquisadores e lideranças fazem
propostas para a COP-21
18 Andreia Verdélio – Saída para crise é a economia
de baixo carbono
20 Felipe Vieira – Brasil amplia investimentos em
energia renovável
22 Washington Novaes – O solo que desaparece sob
nossos pés
24 Documento – Pelo fim dos agrotóxicos, Pronara
Já!
28 Carlos Minc – A tragédia de Mariana teve alertas
não levados a sério
29 Antônio Anastasia – Reconstruir
30 Maurício Guetta – Da lama ao caos: o País que
não queremos
32 Márcia Brandão Carneiro Leão – Apenas uma
fotografia
34 Oswaldo B. Souza – Comissão do Senado fragiliza
licenciamento após Mariana
35 Tim Hollo – Greenpeace Austrália quer justiça
para as vítimas da BHP
36 Álvaro R. dos Santos – Um caso de
irresponsabilidade na gestão de riscos
37 Edézio T. de Carvalho – Rio Doce, amargo
trânsito
38 PatriciaRibolliFachin – Entrevista com David Zee
40 Cintia Barenho – Do Rio Doce à lama tóxica, as
mulheres resistem
42 Reinaldo Canto – Mariana: essa não é uma
tragédia ambiental
44 Xico Graziano – Aquicultura de verdade
46 João Doria – O resgate da São Paulo limpa e
agradável
48 José Monserrat Filho- EUA aprova Projeto de Lei
para minerar asteróides
50 Marcus Eduardo de Oliveira – Planeta esgotado
**Acesse aqui a edição completa.
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