Sonhos e
pesadelos nos portos amazônicos.
Parte do terminal portuário e logístico da
companhia norte-americana Cargill, na cidade de Santarém,que diminui os barcos
tradicionais da bacia amazônica, nas margens do rio Tapajós, no norte do
Brasil. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS.
Por Fabiana Frayssinet, da IPS –
Santarém, Brasil, 15/12/2015 – Na cidade de
Santarém, no norte do Brasil, confluem complexos portuários considerados
estratégicos pelo governo. Mas, o que para alguns é uma oportunidade de
desenvolvimento, para outros é a transformação irremediável dessa preservada
região da bacia amazônica.
Durante o entardecer em frente ao rio Tapajós, onde
suas águas azuladas se encontram, em Santarém, com as escuras e barrentas do
Amazonas, não é fácil ignorar os silos que marcam o que antes era uma praia
pública com típicas embarcações de passageiros e barcos de pescadores dessa
região do Estado do Pará.
Inaugurado em 2003 como centro de armazenamento,
transbordo e embarque de soja e milho, o porto da companhia agroindustrial
norte-americana Cargill agora é o principal cartão postal desse município de
quase 300 mil habitantes.Os navios cargueiros e os comboios de barcaças
transportando grãos têm como destino o rio Amazonas e depois o Oceano Atlântico
rumo à Europa ou àChina, os maiores mercados para esses produtos básicos do
agronegócio exportador brasileiro.
As autoridades municipais argumentam que esses
complexos portuários fluviais geram emprego e renda por meio de impostos, e
também impulsionam a construção, os serviços, a hotelaria e o abastecimento de
combustível. Mas o sacerdote Edilberto Sena, presidente do Movimento Tapajós
Vivo, discorda.
“A Cargill, para Santarém, chegou como uma
desgraça. Quando eles começaram a construir o porto afirmavam que traria
emprego, e de fato durante sua construção geraram 800 empregos. Mas tão logo
terminaram as obras retiraram todos e agora há, no máximo, 115 ou 160
empregados”, contouSena à IPS.
Com capacidade exportadora de cinco milhões de
toneladas de grãos em sua etapa atual, o porto de Santarém foi uma resposta à
saturação dos portos do sul do país, como o de Santos, no Estado de São Paulo,
e o de Paranaguá, no Estado do Paraná.Esse porto e o terminal de transbordo em
Mirituba (300 quilômetros ao sul de Santarém) também encurtaram distâncias
terrestres e marítimas para a soja do vizinho Estado do Mato Grosso, o maior
produtor do país.
A instalação coube à companhia norte-americana
Bunge, à qual se somaram Cargill e outras transnacionais.“Esses portos tornam o
Brasil mais competitivo”, argumentou à IPS o diretor de Planejamento da
Prefeitura de Santarém, José de Lima. Como exemplo, disse que, em relação ao
porto de Santos, desde Santarém até o porto chinês de Xangai,“a distância
diminui de 24 mil quilômetros para 19.500 quilômetros, e com o trajeto através
do Canal do Panamá o custo cairia de US$ 159 para US$ 147 por tonelada
transportada”.
A partir de 2020, com investimento de
aproximadamente US$ 800 milhões, as transnacionais projetam exportar 20 milhões
de toneladas por ano de grãos através da bacia amazônica.Nelio Aguiar,
secretário de Planejamento de Santarém, destacou a importância estratégica
desses portos para o setor agroexportador. “O Brasil está aumentando seu
produto interno bruto com base no agronegócio, que está sustentando nossa
economia”, apontou à IPS.
A maior parte da carga chega por caminhões, pela
estrada amazônica BR-163, que está sendo reconstruída e que termina nas
instalações portuárias da Cargill. Atualmente, nos períodos de colheita de soja
e milho, chegam cerca de 350 caminhões por dia, e Lima calcula que esse número
subirá para dois mil quando estiverem operacionais outros terminais portuários
que estão sendo projetados para construção no município.
E é isso justamente o que preocupa as organizações
sociais e acadêmicas que lutaram contra a construção do porto. “Como não houve
adaptação da cidade para receber esse fluxo de carga, hoje vemos uma
perturbação e um aumento de acidentes pela intensificação do tráfego de
caminhões”, explicou à IPS a reitora da Universidade Federal do Oeste do Pará,
Raimunda Monteiro.
Pescador carrega sua captura do dia no mercado da
cidade de Santarém, na praia fluvial onde agora dominam os silos do porto, na
confluência dos rios Tajapós e Amazonas, no Estado do Pará, norte do Brasil.
Foto: Gonzalo Gaudenzi/IPS.
Apesar das sucessivas demandas na justiça por uma
alegada ilegalidade, o porto da Cargill foi construído com apoio das
autoridades locais. “Destruiu uma praia fluvial de Santarém e também houve um
conjunto de impactos indiretos, porque serviu como eixo de atração para o
cultivo de soja, que se expandiu pela planície de Santarém. Todos esses
impactos não foram previstos por um estudo ambiental”, pontuou à IPS o advogado
de movimentos sociais Ibis Tapajós.
Para descongestionar o tráfego terrestre, o governo
municipal projeta a construção de novos acessos viários e estacionamentos de
pré-embarque, longe da cidade. Mas outros efeitos ambientais também
preocupam,como a contaminação do rio pelas emissões dos veículos e pelos
fertilizantes químicos que também são transportados por embarcações. “O porto
da Cargill é um exemplo de violação dos direitos socioambientais por parte de
grandes empresas”, afirmou Tapajós.
A construção de pelo menos seis novos terminais
portuários em Santarém está em estudo. Dois ao lado da Cargill e quatro na
região do lago Maicá. O projeto mais avançado nesse lago – atualmente na fase
de obter as autorizações ambientais – é o da privada Empresa Brasileira de
Portos em Santarém (Embraps).“O lago Maicá é uma área de extrema fragilidade
ecológica. Nele começa uma região de 50 quilômetros de um complexo de lagos (ou
canais) que é característico da desembocadura do rio Tapajós e sua confluência
com o rio Amazonas”, destacou Monteiro.
A construção do porto da Embraps é projetada parao
bairro Área Verde e chegará até o lago, em uma zona que inunda durante a estação
chuvosa e fica sem água na seca. Enquanto cartazes já antecipam um “proibido
passar, propriedade particular”, os 480 pescadores do lago temem os impactos
para sua atividade, devido à circulação de navios de carga e porque essa área
seria coberta de terra.
“Praticamente estarão privatizando o lago”,
ressaltou à IPS o presidente da Associação de Moradores do Bairro Pérola de
Maicá, Ronaldo Souza Costa. Dessa região sai 30% do pescado que abastece
Santarém. “Pelo que sabemos, haverá um impacto muito grande em nossa pesca,
principalmente nessa área onde pescamos no inverno. Eles determinarão as áreas
onde não se poderá pescar”, detalhou Raimundo Nonato, administrador do mercado
de Maicá.
A prefeitura de Santarém garante que as instalações
serão em terra firme e que o interesse das empresas não é o lago, mas o rio
Amazonas, onde existe a profundidade necessária para navios de grande calado.
“Toda a operação dos caminhões será feita por esteiras. Não afetará em nada as
águas do lago”, prometeu Aguiar.
Mas, como até agora as comunidades locais não foram
consultadas formalmente sobre este e outros projetos portuários, os temores
multiplicam. “Pelo que sabemos, se os navios se aproximarem da gente, será
complicado para nossos barcos, porque causam ondas muito grandes, e como temos
embarcações pequenas, é perigoso”, enfatizou à IPS a pescadora Telma Almeida.
Depois de descarregar seus pescados, Almeida
desamarra seu barco e se afasta novamente pelas águas do rio Amazonas. Sua
silhueta vai diminuindo quando um grande navio cargueiro faz sombra sobre sua
pequena embarcação.
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário