Refugiados
climáticos superlotam Daca.
Uma rua inundada em Daca. Foto: Getty Images/AFP/M.
Por Sohara Mehroze Shachi*
Daca, Bangladesh, 3/12/2015 – A repetição de
inundações, ciclones e secas em Bangladesh faz com que milhares de refugiados
climáticos se dirijam a Daca, capital deste país vizinho da Índia que está a
ponto do colapso devido às consequências da mudança climática. “Superpovoada”
talvez seja a palavra que mais se associe a esta cidade de baixa altitude, às
margens do rio Buriganga. Com mais de 14 milhões de pessoas em menos de 325
quilômetros quadrados de terra, a drenagem, a gestão de resíduos e a
infraestrutura do transporte de Daca estão à beira do colapso.
Neste contexto, não surpreende que a cidade seja
uma das piores para se viver, segundo classificação feita em 2015 pela Unidade
de Inteligência da revista britânica The Economist. Se nos aprofundarmos
nas razões aparentes dessa classificação – a superpopulação, o alagamento, o
congestionamento –, percebe-se que uma importante causa subjacente são os
níveis insustentáveis de migração interna provocada pelo clima.
Os problemas se concentram ao longo dos 700
quilômetros de costa de Bangladesh. O aumento do nível do mar e os ciclones
aumentam o risco de inundações, enquanto a erosão fluvial e a penetração
marinha seguramente terão um impacto devastador nos 156 milhões de habitantes.
“Nas próximas duas ou três décadas, milhões de
pessoas já não poderão viver nem ganhar seu sustento com a agricultura e a
pesca, como fazem agora”, afirmou Saleemul Huq, pesquisador do Grupo de Mudança
Climática do Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento, com
sede em Londres. Pelo contrário, as secas prolongadas afetam as terras
cultiváveis provocando a erosão do solo e danificando os cultivos que dependem
de padrões previsíveis de chuvas da monção.
O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a
Mudança Climática (IPCC) calcula que o clima deslocará 20 milhões de pessoas em
Bangladesh nos próximos cinco anos. Isso é mais do que as populações somadas de
Los Angeles, Chicago e Nova York, nos Estados Unidos, e motivo de grande
preocupação. Inclusive, muitas das mais de 500 mil pessoas que vão todos os
anos com suas famílias (junto com suas esperanças) para Daca são levadas à
cidade em razão das consequências da mudança climática.
A capital de Bangladesh, que ocupa menos de 1% da
superfície terrestre do país, está longe de ser a terra prometida. A combinação
do explosivo crescimento demográfico e da escassez de terras despachou os
preços de suas moradias e dos aluguéis para as nuvens. E, como a maioria dos
refugiados do clima é pobre, não lhes resta alternativa que não seja somar-se
aos cerca de 3,4 milhões de pessoas que já vivem sem gás e eletricidade em
assentamentos ilegais, lotados e em péssimas condições, mais conhecidos como bosti.
E inclusive em suas novas moradias não podem fugir
dos desastres ambientais que os levaram primeiramente à busca de refúgio nas
frágeis choças que caracterizam as margens dessa cidade junto ao rio. As
inundações são cada vez mais frequentes, e a falta de serviços de água e
saneamento propaga as doenças transmitidas pela água, como diarreia e febre
tifoide.
Mas a saúde e a contaminação não são os únicos
problemas que sofrem os imigrantes climáticos residentes nos bosti.
Rahmat Ali, um habitante de Korail, maior bairro-favela de Daca, foi para a
cidade quando a água salgada do mar invadiu suas terras. O outrora trabalhador
agrícola agora dirige um riquixá, espécie de carruagem à tração humana. “É um
trabalho muito duro por pouco dinheiro. Mas há poucas opções para gente como
nós, que perdemos nossas terras e casas e agora não temos motivo para voltar”,
lamentou.
Agora que os bosti e os refugiados
climáticos são mais comuns na paisagem urbana, os residentes mais endinheirados
se mostram mais indiferentes a essa difícil situação, e chegam a aceitá-la como
algo normal. Essa apatia se reflete na esfera política do país. “As pessoas
migram para as cidades porque a nação não diminui seus riscos”, afirmou Aminul
Islam, integrante do Grupo de Trabalho da Estratégia Nacional para o
Deslocamento, vinculado ao Ministério de Gestão de Desastres.
Embora o país tenha desenvolvido um marco
estratégico sólido para a luta contra a mudança climática – que inclui o Plano
Nacional de Ação para a Adaptação e o Plano de Estratégia e Ação de Bangladesh
para a Mudança Climática –, ainda não foram adotadas políticas que abordem
especificamente o deslocamento interno provocado pelo clima.
Essa é uma falha, segundo Islam. “O país precisa de
uma visão e de um plano de adaptação de longo prazo para limitar os
deslocamentos. Um habitat que resista ao clima, oportunidades de subsistência e
instalações para os vulneráveis reduzirão os incentivos para migrar para as
cidades”, afirmou.
Ainda que Bangladesh reforce seus esforços de
adaptação cem vezes, há um limite do que se pode fazer para proteger a
população. O que o país necessita urgentemente são os esforços de mitigação dos
principais países emissores de dióxido de carbono. Para os milhões de pessoas
que vivem nos países vulneráveis, com Bangladesh, o êxito das negociações da
21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre
a Mudança Climática (CMNUCC), que acontece em Paris, será essencial.
A situação em Daca ilustra como a mudança climática
não é algo que afeta apenas os ursos polares, nem um problema exclusivamente
para as gerações futuras. Muitos temem que, se não forem tomadas medidas
urgentes, a capital de Bangladesh será a precursora de maiores catástrofes
climáticas. Envolverde/IPS.
* Este artigo tem origem no concurso jornalístico
do Pnud sobre mudança climática Voices2Paris e foi desenvolvido graças a Tamsin
Walker e Deutsche Velle.
Fonte: ENVOLVERDE
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