segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Tudo combinado e nada resolvido.
A ministra sul-africana Edna Molewa (esq.) e a embaixadora Nozipho Diseko, representantes do G77 na COP de Paris.

COP21 entra na reta final com proposta de texto que mantém opções para bom ambicioso, mas países repetem velhas posições e ameaçam avanço para conseguir barganhas de última hora.

Por Claudio Angelo, do OC, em Paris –

Em genética, cruzamentos mal feitos levam ao que se chama de “reversão ao estado selvagem”: uma linhagem de planta ou animal em domesticação volta, subitamente, a mostrar características de seus ancestrais. Foi o que se viu na noite desta quarta-feira na COP21, a conferência do clima de Paris: após avanços políticos extraordinários obtidos na segunda e na terça (extraordinários, claro, apenas segundo a métrica peculiar das negociações da ONU), o antepenúltimo dia de COP terminou com uma longa sessão de descarrego na plenária. Ali, cada país manifestou sua insatisfação com a versão do texto de consenso político apresentado horas antes pelo presidente, Laurent Fabius.

Em suas intervenções, os países repetiram praticamente as mesmas posições com as quais haviam chegado a Paris, em especial sobre o tema mais polêmico do encontro, a chamada diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. As negociações avançaram pela madrugada de quinta-feira e uma nova versão do texto era esperada para esta tarde.

A minuta apresentada pelo chanceler francês aos delegados por volta de 15h (meio-dia em Brasília) de ontem era um documento mais enxuto. Nas palavras de um negociador de um país em desenvolvimento, tratava-se de um híbrido, com DNA da presidência francesa e do texto entregue no sábado pelo ADP, o grupo de diplomatas encarregado de moldar o novo acordo.

Caiu de 48 para 29 páginas, 13 delas com a proposta do Acordo de Paris e o restante com um decisão da COP, uma espécie de decreto que orienta a implementação da lei internacional. O número de colchetes, sinais gráficos no texto que denotam desacordo em torno de palavras, frases ou parágrafos, caiu em três quartos: de 940 para 367. O avanço foi tamanho que Fabius sugeriu que uma série de artigos “limpos” no texto fosse imediatamente encaminhada para a revisão jurídica, última etapa antes da batida de martelo que marca a adoção do documento pelos 195 países.

O texto era amplo o suficiente para manter sobre a mesa, sempre entre colchetes, os elementos que dariam ambição ao novo acordo: a menção a 1,5oC como limite máximo de aquecimento global tolerável; a possibilidade de atingir emissão líquida zero no meio do século; a revisão das metas nacionais (INDCs) a cada cinco anos a partir de 2018 ou 2019; e uma aparente solução para o impasse em torno do financiamento, na qual a infame expressão “países em posição de fazê-lo”, ou “Potodoso” – que os países emergentes interpretam como uma casca de banana jogada pelos ricos para fazê-los pagar pelo combate à mudança do clima – fora trocada por uma menção à cooperação voluntária entre países do sul.

“O texto tem as melhores opções para um bom acordo. Mas, para que ele seja mesmo bom, todas essas opções precisam ser mantidas na versão final”, comentou Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.

E é nessa última “edição” do Acordo de Paris que o bicho pega. Ao entregar seu texto, Fabius alertou os delegados de que três temas permaneciam sem consenso: a ambição do acordo, o financiamento e, sempre ela, a diferenciação entre ricos e pobres, que perpassa todo o texto e cuja resolução política está a encargo da ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente).

O nó da diferenciação é tão grande que um diplomata do G77, o bloco dos países em desenvolvimento, chegou a exagerar que “este é um acordo sobre diferenciação, não sobre clima”.

Feitiço do tempo

Após a apresentação da tarde, Fabius convidou as partes a examinar o texto e retornar às 20h com considerações, para então produzir mais uma versão do documento na quinta-feira. Foi convocada uma reunião do chamado Comitê de Paris, o grupo liderado por sete duplas de ministros para tratar dos assuntos espinhosos.

Na plenária, tudo pareceu dar para trás. Embora elogiassem o trabalho da presidência francesa, todos os países expressaram grandes ressalvas em relação ao texto.

“Ele não é corajoso o bastante, nem ambicioso o bastante”, declarou o comissário europeu para a Ação Climática, Miguel Arias Cañete, pouco antes do início da reunião. “Nós não aceitaremos um acordo que não sirva ao seu propósito.” As palavras foram repetidas quase literalmente pela representante da UE na plenária.

A África do Sul, que atualmente detém a presidência rotativa do G77, reclamou de que o texto não dava a dimensão correta da escala e da previsibilidade do financiamento após 2020. A Suíça, em nome do chamado Grupo de Integridade Ambiental, queixou-se do desequilíbrio também no artigo sobre finanças. O Grupo Umbrella, que reúne grandes poluidores desenvolvidos como EUA, Canadá e Austrália, também acusou desquilíbrio – só que achando que os pobres estavam sendo beneficiados. As Maldivas ameaçaram não assinar nenhum acordo que fosse levar seu povo “à extinção”.

O tom geral de todas as intervenções era uma reafirmação das posições de sempre das partes da Convenção do Clima, que há 24 anos emperra a luta contra o aquecimento global e que precisará chegar a um bom termo em 24 horas: os países em desenvolvimento querendo que os ricos assumam o ônus da luta contra a mudança do clima e os ricos querendo rachar a conta com os pobres.

Em parte, trata-se de puro teatro, já que os entendimentos políticos de bastidor são sempre mais avançados do que se deixa transparecer nas manifestações públicas. Em parte, porém, os países demonstram quão difícil é mostrar a tal “flexibilidade” da qual todos falam, mas que ninguém pratica por vontade própria.

Algumas manifestações de países petroleiros beiraram o surrealismo. A Arábia Saudita, por exemplo, disse que a menção a números e datas na visão de longo prazo joga contra a ambição do acordo (quando o exato oposto é verdade). A embaixadora venezuelana Claudia Salerno fez uma pregação defendendo o limite de temperatura de 1,5oC, para concluir pedindo a Fabius que botasse colchetes no artigo que diz que nenhum país poderá apresentar reservas (ou seja, descumpri-lo ao seu bel-prazer argumentando discordância com princípios) ao acordo.

Um raro momento de sanidade na plenária veio de onde menos se esperava: da Rússia, tradicional vilão climático. O representante russo repreendeu seus pares por perderem tempo repetindo os mesmos velhos discursos, e pediu ação: “O mundo está esperando por esse documento. Está esperando há oito anos.” Foi aplaudido.


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