Tudo
combinado e nada resolvido.
A ministra sul-africana Edna Molewa (esq.) e a
embaixadora Nozipho Diseko, representantes do G77 na COP de Paris.
COP21 entra na reta final com proposta de texto que
mantém opções para bom ambicioso, mas países repetem velhas posições e ameaçam
avanço para conseguir barganhas de última hora.
Por Claudio Angelo, do OC, em Paris –
Em genética, cruzamentos mal feitos levam ao que se
chama de “reversão ao estado selvagem”: uma linhagem de planta ou animal em
domesticação volta, subitamente, a mostrar características de seus ancestrais.
Foi o que se viu na noite desta quarta-feira na COP21, a conferência do clima
de Paris: após avanços políticos extraordinários obtidos na segunda e na terça
(extraordinários, claro, apenas segundo a métrica peculiar das negociações da
ONU), o antepenúltimo dia de COP terminou com uma longa sessão de descarrego na
plenária. Ali, cada país manifestou sua insatisfação com a versão do texto de
consenso político apresentado horas antes pelo presidente, Laurent Fabius.
Em suas intervenções, os países repetiram
praticamente as mesmas posições com as quais haviam chegado a Paris, em
especial sobre o tema mais polêmico do encontro, a chamada diferenciação entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento. As negociações avançaram pela
madrugada de quinta-feira e uma nova versão do texto era esperada para esta
tarde.
A minuta apresentada pelo chanceler francês aos
delegados por volta de 15h (meio-dia em Brasília) de ontem era um documento
mais enxuto. Nas palavras de um negociador de um país em desenvolvimento,
tratava-se de um híbrido, com DNA da presidência francesa e do texto entregue
no sábado pelo ADP, o grupo de diplomatas encarregado de moldar o novo acordo.
Caiu de 48 para 29 páginas, 13 delas com a proposta
do Acordo de Paris e o restante com um decisão da COP, uma espécie de decreto
que orienta a implementação da lei internacional. O número de colchetes, sinais
gráficos no texto que denotam desacordo em torno de palavras, frases ou
parágrafos, caiu em três quartos: de 940 para 367. O avanço foi tamanho que
Fabius sugeriu que uma série de artigos “limpos” no texto fosse imediatamente
encaminhada para a revisão jurídica, última etapa antes da batida de martelo
que marca a adoção do documento pelos 195 países.
O texto era amplo o suficiente para manter sobre a
mesa, sempre entre colchetes, os elementos que dariam ambição ao novo acordo: a
menção a 1,5oC como limite máximo de aquecimento global tolerável; a
possibilidade de atingir emissão líquida zero no meio do século; a revisão das
metas nacionais (INDCs) a cada cinco anos a partir de 2018 ou 2019; e uma
aparente solução para o impasse em torno do financiamento, na qual a infame
expressão “países em posição de fazê-lo”, ou “Potodoso” – que os países
emergentes interpretam como uma casca de banana jogada pelos ricos para
fazê-los pagar pelo combate à mudança do clima – fora trocada por uma menção à
cooperação voluntária entre países do sul.
“O texto tem as melhores opções para um bom acordo.
Mas, para que ele seja mesmo bom, todas essas opções precisam ser mantidas na
versão final”, comentou Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do
Clima.
E é nessa última “edição” do Acordo de Paris que o
bicho pega. Ao entregar seu texto, Fabius alertou os delegados de que três
temas permaneciam sem consenso: a ambição do acordo, o financiamento e, sempre
ela, a diferenciação entre ricos e pobres, que perpassa todo o texto e cuja
resolução política está a encargo da ministra Izabella Teixeira (Meio
Ambiente).
O nó da diferenciação é tão grande que um diplomata
do G77, o bloco dos países em desenvolvimento, chegou a exagerar que “este é um
acordo sobre diferenciação, não sobre clima”.
Feitiço do tempo
Após a apresentação da tarde, Fabius convidou as
partes a examinar o texto e retornar às 20h com considerações, para então
produzir mais uma versão do documento na quinta-feira. Foi convocada uma
reunião do chamado Comitê de Paris, o grupo liderado por sete duplas de
ministros para tratar dos assuntos espinhosos.
Na plenária, tudo pareceu dar para trás. Embora
elogiassem o trabalho da presidência francesa, todos os países expressaram
grandes ressalvas em relação ao texto.
“Ele não é corajoso o bastante, nem ambicioso o
bastante”, declarou o comissário europeu para a Ação Climática, Miguel Arias
Cañete, pouco antes do início da reunião. “Nós não aceitaremos um acordo que
não sirva ao seu propósito.” As palavras foram repetidas quase literalmente
pela representante da UE na plenária.
A África do Sul, que atualmente detém a presidência
rotativa do G77, reclamou de que o texto não dava a dimensão correta da escala
e da previsibilidade do financiamento após 2020. A Suíça, em nome do chamado
Grupo de Integridade Ambiental, queixou-se do desequilíbrio também no artigo
sobre finanças. O Grupo Umbrella, que reúne grandes poluidores desenvolvidos
como EUA, Canadá e Austrália, também acusou desquilíbrio – só que achando que
os pobres estavam sendo beneficiados. As Maldivas ameaçaram não assinar nenhum
acordo que fosse levar seu povo “à extinção”.
O tom geral de todas as intervenções era uma
reafirmação das posições de sempre das partes da Convenção do Clima, que há 24
anos emperra a luta contra o aquecimento global e que precisará chegar a um bom
termo em 24 horas: os países em desenvolvimento querendo que os ricos assumam o
ônus da luta contra a mudança do clima e os ricos querendo rachar a conta com
os pobres.
Em parte, trata-se de puro teatro, já que os
entendimentos políticos de bastidor são sempre mais avançados do que se deixa
transparecer nas manifestações públicas. Em parte, porém, os países demonstram
quão difícil é mostrar a tal “flexibilidade” da qual todos falam, mas que
ninguém pratica por vontade própria.
Algumas manifestações de países petroleiros
beiraram o surrealismo. A Arábia Saudita, por exemplo, disse que a menção a
números e datas na visão de longo prazo joga contra a ambição do acordo (quando
o exato oposto é verdade). A embaixadora venezuelana Claudia Salerno fez uma
pregação defendendo o limite de temperatura de 1,5oC, para concluir pedindo a
Fabius que botasse colchetes no artigo que diz que nenhum país poderá
apresentar reservas (ou seja, descumpri-lo ao seu bel-prazer argumentando
discordância com princípios) ao acordo.
Um raro momento de sanidade na plenária veio de
onde menos se esperava: da Rússia, tradicional vilão climático. O representante
russo repreendeu seus pares por perderem tempo repetindo os mesmos velhos
discursos, e pediu ação: “O mundo está esperando por esse documento. Está
esperando há oito anos.” Foi aplaudido.
Fonte: Observatório do Clima
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