terça-feira, 1 de setembro de 2015

Terramérica – Em busca de compromissos contra as ameaças aos oceanos.
Lanchas pesqueiras atravessam o Canal do Chaco, na costa da Ilha Grande de Chiloé, na Região dos Lagos, sul do Chile. Foto: Claudio Riquelme/IPS.

Por Marianela Jarroud*

Santiago, Chile, 10 de agosto de 2015 (Terramérica).- A América Latina deveria assumir uma liderança mundial na adoção de medidas efetivas para proteger os oceanos, ameaçados pela pesca ilegal, pelo impacto da mudança climática e pela contaminação marinha por dejetos plásticos, além da acidificação.

“O mundo inteiro está atrasado na adoção de medidas efetivas para proteger os oceanos e a América Latina não escapa a essa realidade”, afirmou ao Terramérica o diretor-executivo no Chile da organização Oceana, Alex Muñoz. Porém, acrescentou. “esperamos que a região assuma uma liderança nessa matéria, criando grandes áreas marinhas protegidas, eliminando a sobrepesca e adotando melhores sistemas para combater a pesca ilegal e não registrada”.

O ocasião propícia para isso será a segunda conferência internacional Nuestro Oceano, que acontecerá nos dias 5 e 6 de outubro, no porto chileno de Valparaíso, 120 quilômetros a noroeste de Santiago. Nessa oportunidade, 400 representantes governamentais, cientistas, empresários e ativistas ambientais de 90 países deverão “se comprometer a realizar ações concretas para abordar as graves ameaças que afetam o oceano”, disse ao Terramérica o ministro das Relações Exteriores, Heraldo Muñoz. “Os grandes temas globais devem ser abordados de uma perspectiva ampla e inclusiva”, acrescentou o chanceler chileno.

Em matéria oceânica, existe uma governança internacional, cujo pilar é a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, adotada em 1982, e que será completada com um tratado para preservar o alto mar, segundo decidiu em junho a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Porém, segundo o chanceler, “como complemento, nos parece indispensável que existam iniciativas que permitam analisar de forma mais detalhada e direta os esforços que os governos estão fazendo para proteger esse valioso recurso”.

A primeira edição da conferência internacional aconteceu em 2014, em Washington, e impulsionou alianças e iniciativas avaliadas em mais de US$ 800 milhões, destinadas à conservação dos oceanos e a novos compromissos para a proteção de mais de três milhões de quilômetros quadrados de mar. Em Valparaíso, porém, os países participantes informarão sobre os avanços alcançados durante o ano e estabelecerão novos compromissos.

“Essas reuniões geram uma competição muito saudável entre os países, que fazem anúncios que de outra maneira não aconteceriam”, pontuou Muñoz, da Oceana, considerada a maior organização internacional dedicada à pesquisa e à preservação dos oceanos. “Temos poucos anos para deter a deterioração do mar, especialmente da pesca, e, portanto, essas conferências nos ajudam a acelerar as políticas de conservação marinha de impacto global”, acrescentou.

Além disso, afirmou que, a partir da conferência de 2014, “muitos governos se motivaram a criar grandes parques marinhos ou a aderir a acordos de combate à pesca ilegal, como o Acordo das Nações Unidas de Nova York, que ficaram sem ratificação por vários anos.

O especialista se referiu ao acordo das Nações Unidas sobre a conservação e ordenação das populações de peixes transzonais e das populações de peixes altamente migratórios, assinado em 1995, e que desenvolveu nesse âmbito a convenção do mar. O Chile foi um dos países que aderiu a este acordo após a primeira conferência, explicou. Na edição de Valparaíso “esperamos que haja anúncios importantes sobre a criação de novas grandes áreas marinhas protegidas”, pontuou o diretor da Oceana, lembrando que o Chile, como país anfitrião, “deveria dar o exemplo com um parque marinho de grandes proporções no Oceano Pacífico”.

Riqueza ameaçada

Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície terrestre, mas apenas 1% de sua área está protegida. Entre 50% e 80% da vida na Terra se encontra sob a superfície dos oceanos e 97% da água do planeta é salgada, segundo dados da ONU. Os fitoplâncton produzem a metade do oxigênio da atmosfera mediante fotossíntese, e a vasta variedade de produtos com um grande potencial nutricional contribuem para a segurança alimentar mundial.

Um estudo divulgado em abril pelo Fundo Mundial da Natureza (WWF) indica que os oceanos escondem riquezas não aproveitadas no valor de US$ 24 trilhões. Além disso, os oceanos são inspiração para artistas plásticos e poetas, como o chileno Pablo Neruda (1904-1973), prêmio Nobel de Literatura 1971. Em seu poema O Grande Oceano, escreveu: “Se dos teus dons e das tuas destruições, Oceano, as minhas mãos pudesse destinar uma medida, uma fruta, um fermento, escolheria teu repouso distante, as linhas do teu aço, a tua extensão vigiada pelo ar e pela noite, e a energia do teu idioma branco que destroça e derruba as suas colunas na sua própria pureza demolida”.

Entretanto, os oceanos concentram uma das maiores ameaças para os ecossistemas por superexploração, uso indevido e mudança climática, entre outros fatores, alertou o WWF. Desses perigos não está isenta a América Latina, onde se localizam cinco dos 25 países que mais capturam peixes no mundo: Peru, Chile, México, Argentina e Brasil, nessa ordem.
Pescadores artesanais de Duao, na região chilena de Maule. A degradação dos mares e oceanos pode prejudicar os mais de dois milhões de pescadores artesanais ou de pequena escala da América Latina. Foto: Marianela Jarroud/IPS.

Só no Chile, 16 das 33 principais áreas pesqueiras, que definem a extração industrial de cada recurso marinho específico em zonas determinadas da costa, estão em situação crítica pela superexploração, segundo um informe oficial. No caso do Peru, fenômenos climáticos colocam em risco a pesca industrial da anchova, considerada a segunda maior pesca do planeta, depois da realizada pela China.

A pesca ilegal, porém, ameaça algumas espécies de tubarões, como o Triaenodon obesus, que habita os arrecifes das costas do Oceano Pacífico da América Central, além da merluza negra, também chamada de bacalhau austral (Dissostichus eleginoides), e do pepino-do-mar (Holoturoideos). O chanceler Muñoz afirmou que o valor mundial da pesca ilegal chega a US$ 23 bilhões, “quantia bem próxima da movimentada pelo narcotráfico”.

A isso se soma o grave problema de contaminação dos oceanos do planeta por dejetos plásticos. Estima-se que em 2010 foram despejadas oito milhões de toneladas de plástico no mar, que causaram a morte de milhões de aves e animais marinhos. Atualmente, o plástico representa 80% do lixo nos oceanos e nas costas.

E a acidificação dos oceanos é uma das consequências que a mudança climática está causando em nosso planeta e seus efeitos poderiam provocar uma variação nas espécies e quantidades de peixes das proximidades das costas nos próximos anos.

Segundo o chanceler, por tudo isto é necessária a continuidade da conferência, porque existe “a urgência de proteger nossos mares e de revisar os compromissos governamentais dos quais se deve prestar contas, e ao mesmo tempo se comprometer com novas ações”.

Já nessa versão, acrescentou Muñoz, aos quatro temas centrais se somarão o papel das comunidades locais nas ilhas oceânicas, a filantropia a serviço da proteção e da conservação marinha, e um segmento sobre governança, exemplificado no regime de regulamentação do alto mar. Também anunciou que o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, criador da iniciativa, confirmou uma terceira edição da conferência em 2016, novamente em Washington.

* O autor é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.


Fonte: ENVOLVERDE

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