Terramérica
– Em busca de compromissos contra as ameaças aos oceanos.
Lanchas pesqueiras atravessam o Canal do Chaco, na
costa da Ilha Grande de Chiloé, na Região dos Lagos, sul do Chile. Foto:
Claudio Riquelme/IPS.
Por Marianela Jarroud*
Santiago, Chile, 10 de agosto de 2015
(Terramérica).- A América Latina deveria assumir uma liderança mundial na
adoção de medidas efetivas para proteger os oceanos, ameaçados pela pesca
ilegal, pelo impacto da mudança climática e pela contaminação marinha por
dejetos plásticos, além da acidificação.
“O mundo inteiro está atrasado na adoção de medidas
efetivas para proteger os oceanos e a América Latina não escapa a essa
realidade”, afirmou ao Terramérica o diretor-executivo no Chile da organização
Oceana, Alex Muñoz. Porém, acrescentou. “esperamos que a região assuma uma liderança
nessa matéria, criando grandes áreas marinhas protegidas, eliminando a
sobrepesca e adotando melhores sistemas para combater a pesca ilegal e não
registrada”.
O ocasião propícia para isso será a segunda
conferência internacional Nuestro Oceano, que acontecerá nos dias 5 e 6 de
outubro, no porto chileno de Valparaíso, 120 quilômetros a noroeste de
Santiago. Nessa oportunidade, 400 representantes governamentais, cientistas,
empresários e ativistas ambientais de 90 países deverão “se comprometer a realizar
ações concretas para abordar as graves ameaças que afetam o oceano”, disse ao
Terramérica o ministro das Relações Exteriores, Heraldo Muñoz. “Os grandes
temas globais devem ser abordados de uma perspectiva ampla e inclusiva”,
acrescentou o chanceler chileno.
Em matéria oceânica, existe uma governança
internacional, cujo pilar é a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar, adotada em 1982, e que será completada com um tratado para preservar o
alto mar, segundo decidiu em junho a Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU). Porém, segundo o chanceler, “como complemento, nos parece
indispensável que existam iniciativas que permitam analisar de forma mais
detalhada e direta os esforços que os governos estão fazendo para proteger esse
valioso recurso”.
A primeira edição da conferência internacional
aconteceu em 2014, em Washington, e impulsionou alianças e iniciativas
avaliadas em mais de US$ 800 milhões, destinadas à conservação dos oceanos e a
novos compromissos para a proteção de mais de três milhões de quilômetros
quadrados de mar. Em Valparaíso, porém, os países participantes informarão
sobre os avanços alcançados durante o ano e estabelecerão novos compromissos.
“Essas reuniões geram uma competição muito saudável
entre os países, que fazem anúncios que de outra maneira não aconteceriam”,
pontuou Muñoz, da Oceana, considerada a maior organização internacional
dedicada à pesquisa e à preservação dos oceanos. “Temos poucos anos para deter
a deterioração do mar, especialmente da pesca, e, portanto, essas conferências
nos ajudam a acelerar as políticas de conservação marinha de impacto global”,
acrescentou.
Além disso, afirmou que, a partir da conferência de
2014, “muitos governos se motivaram a criar grandes parques marinhos ou a
aderir a acordos de combate à pesca ilegal, como o Acordo das Nações Unidas de
Nova York, que ficaram sem ratificação por vários anos.
O especialista se referiu ao acordo das Nações
Unidas sobre a conservação e ordenação das populações de peixes transzonais e
das populações de peixes altamente migratórios, assinado em 1995, e que
desenvolveu nesse âmbito a convenção do mar. O Chile foi um dos países que
aderiu a este acordo após a primeira conferência, explicou. Na edição de
Valparaíso “esperamos que haja anúncios importantes sobre a criação de novas
grandes áreas marinhas protegidas”, pontuou o diretor da Oceana, lembrando que
o Chile, como país anfitrião, “deveria dar o exemplo com um parque marinho de
grandes proporções no Oceano Pacífico”.
Riqueza ameaçada
Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície
terrestre, mas apenas 1% de sua área está protegida. Entre 50% e 80% da vida na
Terra se encontra sob a superfície dos oceanos e 97% da água do planeta é
salgada, segundo dados da ONU. Os fitoplâncton produzem a metade do oxigênio da
atmosfera mediante fotossíntese, e a vasta variedade de produtos com um grande
potencial nutricional contribuem para a segurança alimentar mundial.
Um estudo divulgado em abril pelo Fundo Mundial da
Natureza (WWF) indica que os oceanos escondem riquezas não aproveitadas no
valor de US$ 24 trilhões. Além disso, os oceanos são inspiração para artistas
plásticos e poetas, como o chileno Pablo Neruda (1904-1973), prêmio Nobel de
Literatura 1971. Em seu poema O Grande Oceano, escreveu: “Se dos teus
dons e das tuas destruições, Oceano, as minhas mãos pudesse destinar uma
medida, uma fruta, um fermento, escolheria teu repouso distante, as linhas do
teu aço, a tua extensão vigiada pelo ar e pela noite, e a energia do teu idioma
branco que destroça e derruba as suas colunas na sua própria pureza demolida”.
Entretanto, os oceanos concentram uma das maiores
ameaças para os ecossistemas por superexploração, uso indevido e mudança
climática, entre outros fatores, alertou o WWF. Desses perigos não está isenta
a América Latina, onde se localizam cinco dos 25 países que mais capturam
peixes no mundo: Peru, Chile, México, Argentina e Brasil, nessa ordem.
Pescadores artesanais de Duao, na região chilena de
Maule. A degradação dos mares e oceanos pode prejudicar os mais de dois milhões
de pescadores artesanais ou de pequena escala da América Latina. Foto:
Marianela Jarroud/IPS.
Só no Chile, 16 das 33 principais áreas pesqueiras,
que definem a extração industrial de cada recurso marinho específico em zonas
determinadas da costa, estão em situação crítica pela superexploração, segundo
um informe oficial. No caso do Peru, fenômenos climáticos colocam em risco a
pesca industrial da anchova, considerada a segunda maior pesca do planeta,
depois da realizada pela China.
A pesca ilegal, porém, ameaça algumas espécies de
tubarões, como o Triaenodon obesus, que habita os arrecifes das costas
do Oceano Pacífico da América Central, além da merluza negra, também chamada de
bacalhau austral (Dissostichus eleginoides), e do pepino-do-mar (Holoturoideos).
O chanceler Muñoz afirmou que o valor mundial da pesca ilegal chega a US$ 23
bilhões, “quantia bem próxima da movimentada pelo narcotráfico”.
A isso se soma o grave problema de contaminação dos
oceanos do planeta por dejetos plásticos. Estima-se que em 2010 foram
despejadas oito milhões de toneladas de plástico no mar, que causaram a morte
de milhões de aves e animais marinhos. Atualmente, o plástico representa 80% do
lixo nos oceanos e nas costas.
E a acidificação dos oceanos é uma das
consequências que a mudança climática está causando em nosso planeta e seus
efeitos poderiam provocar uma variação nas espécies e quantidades de peixes das
proximidades das costas nos próximos anos.
Segundo o chanceler, por tudo isto é necessária a
continuidade da conferência, porque existe “a urgência de proteger nossos mares
e de revisar os compromissos governamentais dos quais se deve prestar contas, e
ao mesmo tempo se comprometer com novas ações”.
Já nessa versão, acrescentou Muñoz, aos quatro
temas centrais se somarão o papel das comunidades locais nas ilhas oceânicas, a
filantropia a serviço da proteção e da conservação marinha, e um segmento sobre
governança, exemplificado no regime de regulamentação do alto mar. Também
anunciou que o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, criador da iniciativa,
confirmou uma terceira edição da conferência em 2016, novamente em Washington.
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de
comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para
o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e
distribuído pela Agência Envolverde.
Fonte: ENVOLVERDE
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