terça-feira, 1 de setembro de 2015

Projetos de lei ameaçam futuro hídrico, climático e a biodiversidade do país.
Cerca de 40 iniciativas do Congresso Nacional que colocam em risco as unidades de conservação e terras indígenas, como o Parque Nacional do Juruena. Foto: © Adriano Gambarini.

Por Jaime Gesisky, do WWF-Brasil – 

O Congresso Nacional retomou as atividades esta semana, e com isso voltam a tramitar pela Câmara e o Senado diversos projetos de lei que colocam em risco o patrimônio natural brasileiro. Mesmo com as evidências sobre o papel das áreas protegidas na manutenção das fontes de água, do equilíbrio climático e manutenção da biodiversidade, os parlamentares insistem em reduzir as áreas protegidas do país.

Entre projetos novos, apensados e aqueles que esperam nos escaninhos das duas casas legislativas, somam-se cerca de 40 iniciativas que diminuem a proteção daquilo que – por lei – deveria ser intocável.

A começar pela Constituição Federal, que diz que o meio ambiente saudável, íntegro e gerador de serviços para a população é um direito de todos e deve ser garantido pelo Estado. Outras tantas leis, decretos e regulamentos completam o que os especialistas chamam de marco legal de proteção da natureza. Entre essas leis está a que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o Snuc.

Entenda o Snuc

Depois de 15 anos de existência ajudando a garantir as Unidades de Conservação (UCs), o Snuc está sob fogo cruzado. Um projeto de lei do deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) quer alterar a lei. A proposta é modificar a metodologia que estabelece as zonas de amortecimento – faixas ao redor das UCs para aumentar a proteção de parques nacionais, reservas extrativistas e estações ecológicas –, além de limitar o tamanho desses espaços para, no máximo, dois mil metros. Hoje a faixa protetiva é determinada conforme o tamanho, a localização e a função das unidades, mas a recomendação geral é que fique em torno de 10 mil metros.

Outro ponto preocupante embutido na proposta é que a zona de amortecimento “não poderá situar-se dentro de zona urbana sob pena de implicar em indenização ao proprietário”. Apesar de reduzir a proteção à natureza, o projeto 1299 recebeu parecer favorável do relator, deputado Josué Bengtson (PTB-PA), na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).

No relatório, ele justifica que “a proposta vem em momento ideal, pois representa maior segurança jurídica e transparência na criação da chamada zona de amortecimento e corredores ecológicos quando da criação da unidade de conservação”.

Desmonte

Bengton é membro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e um dos autores do Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012, que visa regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal – apontando exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas de suas terras tradicionais, em caso de “relevante interesse público da União”. Entre as exceções, está a exploração dos territórios protegidos pela rede do agronegócio, empresas de mineração, além da construção de empreendimentos ligados aos interesses das esferas de governo – federal, estadual e municipal.

Com o argumento de que as faixas de proteção prejudicam a expansão da fronteira agrícola brasileira, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) defende a aprovação do PL 1299. “Precisamos discutir áreas antigas com zonas de 10 quilômetros de proteção. Isso é um transtorno e inviável para o desenvolvimento desse país”, justificou Colatto.

O parlamentar, também ligado à bancada ruralista, lembrou que ele é autor de um projeto que altera a Lei do Snuc (PL 2110/2007) e que exige que as unidades de conservação sejam criadas por lei, limitando em até 500 metros a zona de amortecimento. A proposta de Colatto, apensada ao PL 5477/05, possibilita ainda o uso das áreas particulares localizadas no interior das UCs, enquanto não houver o pagamento da devida indenização.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) apresentou nota técnica contrária a esta proposta. Segundo o órgão ambiental, o PL 1299/15 apresenta argumentos inconsistentes e equivocados quanto ao conceito e aos objetivos de uma zona de amortecimento (ZA) e de criação de uma unidade de conservação. Um ponto questionável é sobre a fixação de forma rígida da ZA, em dois mil metros (2 km) de raio no entorno da UC, sem levar em conta critérios ecológicos, sociais e econômicos.

A Instrução Normativa 5/08 do ICMBio não especifica os tamanhos de zonas de amortecimento, visto que essas devem ser estabelecidas e dimensionadas caso a caso.

Na avaliação do líder do Partido Verde, José Sarney Filho (MA), a proposta não deve ser aprovada da forma que está, uma vez que cada unidade de conservação tem características próprias, não sendo possível a padronização de tamanho e localização das zonas de amortecimento. “Não se pode prejudicar um dos poucos instrumentos de que ainda dispomos para a proteção do meio ambiente para atender a interesses localizados”.

Outro alerta é do deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP), que destaca a importância dos cinturões verdes para o amortecimento de temperatura e proteção dos mananciais hídricos. “Precisamos de mais cobertura florestal para obter água e não impermeabilizar ainda mais as cidades”. Segundo ele, essa proposta vai gerar ainda mais dificuldades para o Brasil, que já sofre com a crise hídrica.

“O que nos preocupa é que estes projetos de lei não vêm sozinhos, a esmo. Parecem estar vinculados a uma estratégia mais ampla para desmontar o SNUC. E isso é inadmissível, pois as áreas protegidas representam benefícios para toda a sociedade e não podem estar sujeitas a interesses setoriais”, adverte Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.

Mina de interesses

Além das leis ordinárias, caminham pelo Congresso propostas que querem alterar a Constituição Federal. É o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), que retira do Executivo e coloca nas mãos dos deputados e senadores o poder de criar Unidades de Conservação e Terras Indígenas – mesmo considerando que o Parlamento não tem a capacidade técnica dos órgãos públicos que têm esta missão.

Os formuladores do novo Código da Mineração, em vias de ser votado na Câmara dos Deputados, querem embutir no texto a possibilidade de minerar em unidades de conservação de proteção integral, sob o argumento – pouco factível na prática – de que essas áreas seriam compensadas em outras de mesmo valor ambiental.

Na prática, o que se vê são os interesses dos próprios parlamentares, que recebem da indústria da mineração o financiamento de suas campanhas.

Segundo a publicação “Quem é quem nas discussões do Novo Código da Mineração”, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o deputado Leonardo Quintão (PMDB/MG), relator na Comissão Especial que cuida do texto do novo código minerário, teve sua campanha financiada por empresas do setor mineral como a Arcelor Mittal Inox Brasil, Ecosteel Indústria de Beneficiamento Ltda, Gerdau Comercial de Aços S/A, LGA Mineração e Siderurgia Ltda e Usiminas Mecânica S/A. A receita total declarada foi de cerca de R$ 2 milhões com quase 20% doado pelas indústrias de mineração.

* Com informações do Portal de Políticas Socioambientais.


Fonte: WWF Brasil

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