Projetos
de lei ameaçam futuro hídrico, climático e a biodiversidade do país.
Cerca de 40 iniciativas do Congresso Nacional que colocam
em risco as unidades de conservação e terras indígenas, como o Parque Nacional
do Juruena. Foto: © Adriano Gambarini.
Por Jaime Gesisky, do WWF-Brasil –
O Congresso Nacional retomou as atividades esta
semana, e com isso voltam a tramitar pela Câmara e o Senado diversos projetos
de lei que colocam em risco o patrimônio natural brasileiro. Mesmo com as
evidências sobre o papel das áreas protegidas na manutenção das fontes de água,
do equilíbrio climático e manutenção da biodiversidade, os parlamentares
insistem em reduzir as áreas protegidas do país.
Entre projetos novos, apensados e aqueles que
esperam nos escaninhos das duas casas legislativas, somam-se cerca de 40
iniciativas que diminuem a proteção daquilo que – por lei – deveria ser
intocável.
A começar pela Constituição Federal, que diz que o
meio ambiente saudável, íntegro e gerador de serviços para a população é um
direito de todos e deve ser garantido pelo Estado. Outras tantas leis, decretos
e regulamentos completam o que os especialistas chamam de marco legal de
proteção da natureza. Entre essas leis está a que criou o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, o Snuc.
Entenda o Snuc
Depois de 15 anos de existência ajudando a garantir
as Unidades de Conservação (UCs), o Snuc está sob fogo cruzado. Um projeto de
lei do deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) quer alterar a lei. A proposta é
modificar a metodologia que estabelece as zonas de amortecimento – faixas ao
redor das UCs para aumentar a proteção de parques nacionais, reservas
extrativistas e estações ecológicas –, além de limitar o tamanho desses espaços
para, no máximo, dois mil metros. Hoje a faixa protetiva é determinada conforme
o tamanho, a localização e a função das unidades, mas a recomendação geral é
que fique em torno de 10 mil metros.
Outro ponto preocupante embutido na proposta é que
a zona de amortecimento “não poderá situar-se dentro de zona urbana sob pena de
implicar em indenização ao proprietário”. Apesar de reduzir a proteção à
natureza, o projeto 1299 recebeu parecer favorável do relator, deputado Josué
Bengtson (PTB-PA), na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(CMADS).
No relatório, ele justifica que “a proposta vem em
momento ideal, pois representa maior segurança jurídica e transparência na
criação da chamada zona de amortecimento e corredores ecológicos quando da
criação da unidade de conservação”.
Desmonte
Bengton é membro da Frente Parlamentar da
Agropecuária (FPA), e um dos autores do Projeto de Lei Complementar (PLP)
227/2012, que visa regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal –
apontando exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas de suas terras
tradicionais, em caso de “relevante interesse público da União”. Entre as
exceções, está a exploração dos territórios protegidos pela rede do agronegócio,
empresas de mineração, além da construção de empreendimentos ligados aos
interesses das esferas de governo – federal, estadual e municipal.
Com o argumento de que as faixas de proteção
prejudicam a expansão da fronteira agrícola brasileira, o deputado Valdir
Colatto (PMDB-SC) defende a aprovação do PL 1299. “Precisamos discutir áreas
antigas com zonas de 10 quilômetros de proteção. Isso é um transtorno e
inviável para o desenvolvimento desse país”, justificou Colatto.
O parlamentar, também ligado à bancada ruralista,
lembrou que ele é autor de um projeto que altera a Lei do Snuc (PL 2110/2007) e
que exige que as unidades de conservação sejam criadas por lei, limitando em
até 500 metros a zona de amortecimento. A proposta de Colatto, apensada ao PL
5477/05, possibilita ainda o uso das áreas particulares localizadas no interior
das UCs, enquanto não houver o pagamento da devida indenização.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) apresentou nota técnica contrária a esta proposta.
Segundo o órgão ambiental, o PL 1299/15 apresenta argumentos inconsistentes e
equivocados quanto ao conceito e aos objetivos de uma zona de amortecimento
(ZA) e de criação de uma unidade de conservação. Um ponto questionável é sobre
a fixação de forma rígida da ZA, em dois mil metros (2 km) de raio no entorno
da UC, sem levar em conta critérios ecológicos, sociais e econômicos.
A Instrução Normativa 5/08 do ICMBio não especifica
os tamanhos de zonas de amortecimento, visto que essas devem ser estabelecidas
e dimensionadas caso a caso.
Na avaliação do líder do Partido Verde, José Sarney
Filho (MA), a proposta não deve ser aprovada da forma que está, uma vez que
cada unidade de conservação tem características próprias, não sendo possível a
padronização de tamanho e localização das zonas de amortecimento. “Não se pode
prejudicar um dos poucos instrumentos de que ainda dispomos para a proteção do
meio ambiente para atender a interesses localizados”.
Outro alerta é do deputado Ricardo Tripoli
(PSDB/SP), que destaca a importância dos cinturões verdes para o amortecimento
de temperatura e proteção dos mananciais hídricos. “Precisamos de mais
cobertura florestal para obter água e não impermeabilizar ainda mais as
cidades”. Segundo ele, essa proposta vai gerar ainda mais dificuldades para o
Brasil, que já sofre com a crise hídrica.
“O que nos preocupa é que estes projetos de lei não
vêm sozinhos, a esmo. Parecem estar vinculados a uma estratégia mais ampla para
desmontar o SNUC. E isso é inadmissível, pois as áreas protegidas representam
benefícios para toda a sociedade e não podem estar sujeitas a interesses
setoriais”, adverte Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do
WWF-Brasil.
Mina de interesses
Além das leis ordinárias, caminham pelo Congresso
propostas que querem alterar a Constituição Federal. É o caso da Proposta de
Emenda Constitucional (PEC 215), que retira do Executivo e coloca nas mãos dos
deputados e senadores o poder de criar Unidades de Conservação e Terras
Indígenas – mesmo considerando que o Parlamento não tem a capacidade técnica
dos órgãos públicos que têm esta missão.
Os formuladores do novo Código da Mineração, em
vias de ser votado na Câmara dos Deputados, querem embutir no texto a
possibilidade de minerar em unidades de conservação de proteção integral, sob o
argumento – pouco factível na prática – de que essas áreas seriam compensadas
em outras de mesmo valor ambiental.
Na prática, o que se vê são os interesses dos
próprios parlamentares, que recebem da indústria da mineração o financiamento
de suas campanhas.
Segundo a publicação “Quem é quem nas discussões do
Novo Código da Mineração”, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (Ibase), o deputado Leonardo Quintão (PMDB/MG), relator na Comissão
Especial que cuida do texto do novo código minerário, teve sua campanha
financiada por empresas do setor mineral como a Arcelor Mittal Inox Brasil,
Ecosteel Indústria de Beneficiamento Ltda, Gerdau Comercial de Aços S/A, LGA
Mineração e Siderurgia Ltda e Usiminas Mecânica S/A. A receita total declarada
foi de cerca de R$ 2 milhões com quase 20% doado pelas indústrias de mineração.
* Com informações do Portal de Políticas
Socioambientais.
Fonte: WWF Brasil
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