Seca une
olhar de fotógrafos e cientistas.
Por Júlio Ottoboni –
Serra da Mantiqueira. Foto: Ricardo Martins.
Por Júlio Ottoboni –
A visão do observador leigo e do cientista para os
problemas da água começaram a se complementar. O fim da garoa em São Paulo, dos
riachos serranos da Mantiqueira e dos nevoeiros na Vale do Paraíba são
alterações no clima que passaram da percepção popular para a busca de seu
entendimento. Algo que pesquisadores têm alertado a sociedade em geral nos
últimos 15 anos, embora sem alcançar a atenção necessária para transformar a
informação em ações concretas.
Essa nova fase de percepção do atual cenário
climatológico, dois fotógrafos de natureza com reconhecimento nacional – entre
centenas de fotógrafos amadores e até mesmo profissionais engajados em
registrar o meio ambiente – identificaram situações que ligadas às mudanças
climáticas emblemáticas e que se tornaram praticamente ícones de suas
localidades.
A Serra da Mantiqueira, assim como os reservatórios
de água de São Paulo, está perdendo seu volume hídrico rapidamente. O Inverno
seco e quente, como o previsto pelos meteorologistas, agravou de vez o quadro
de crise hídrica, que tende a se perpetuar pela avaliação dos pesquisadores.
Não há previsão de chuvas para os próximos dias e ainda é impossível se prever
o comportamento do clima na primavera.
O fotógrafo de natureza, Ricardo Martins, voltou ao
maciço que separa os Estados de São Paulo e Minas Gerais e ficou espantado com
o que viu. Há um ano, quando produzia seu livro Amantikir já havia identificado
que as nascentes estavam praticamente secas. As águas que brotam na serra são
as grandes responsáveis pelo abastecimento da represa do Jaguari e as
existentes do Vale do Paraíba paulista, mineiro e parte do fluminense.
“A situação praticamente não mudou, continua em
estado de tragédia ambiental. Temos que possa haver um incêndio na mata
existente por ela estar muito seca. Vi a cachoeira do Encontro, em São Bento do
Sapucaí, o nível de água mais baixo que vi, ela deve estar com um volume 90%
menor do que o normal”,comentou Martins.
Serra da Mantiqueira. Foto: Ricardo Martins.
O mesmo caso acontece com a cachoeira da Pedreira,
também na região, ela está atualmente com cerca de 30% a menos do que seu
volume normal. Outra cachoeira famosa na região, a do Chico Bento, em
Guaratinguetá (SP), no bairro do Gomeral, também sofre com a seca. Onde havia
água cristalina e em abundância, hoje são apenas filetes ou estão totalmente
sem qualquer curso de água.
A cientista do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), Maria Paulete Pereira Martins, alerta que choveu muito pouco
nos anos de 2014 e agora, em 2015. Para a pesquisadora a seca é preocupante e é
um cenário que precisa de urgente intervenção na restauração do meio ambiente
natural para ser minimizado. “Nunca deixamos de ter um risco de agravamento
desta crise hídrica”, observou.
A bacia do Rio Paraíba do Sul abastece a região
metropolitana do Rio de Janeiro e várias cidades importantes em seu percurso,
como Resende (RJ), Volta Redonda (RJ) e a própria capital. Isso impactaria
diretamente nas obras para as Olimpíadas.
Um colapso hídrico no sistema do Paraíba do Sul,
que era previsto já no ano passado por pesquisadores para setembro deste ano,
parece ter sensibilizado pouco as autoridades e boa parte da população, que
retomou antigos hábitos como lavar calçadas, carros entre outros tipos de
desperdício.
Mar de nuvem – Um dos fenômenos naturais mais belos e raros
está desaparecendo do cenário urbano de São José dos Campos (SP). Nos dias mais
frios de inverno a região do Banhado, uma enorme depressão de mais de 5,4
milhões de m², fica sob uma imensa nuvem. O que dá a nítida impressão de
existir um mar no local. Mas com o aumento das ilhas de calor, a mudança no
regime dos ventos de superfície, somada a seca e a encurtamento do inverno
pelas mudanças climáticas pode ter decretado o fim ao espetáculo.
A pesquisadora, Maria Paulete, que já atuou em
programas de águas atmosféricas e de poluição urbana, pede que haja uma atenção
especial para a velocidade destas mudanças e suas consequências, em muitos
casos sequer projetadas. “Não sei se podemos ainda falar que está acabando o
nevoeiro, mas que a intensidade e a frequência dele diminuíram bastante”,
observou a cientista.
Ela explica que a seca dos últimos anos, inclusive
deste, tem sido crucial para a diminuição da névoa intensa nos últimos outonos
e invernos. Entretanto ainda não há estudos sistematizados sobre o fenômeno,
por ser algo ainda pouco observado do plano científico. Na própria Via Dutra,
que na década de 80 foi cenário de um dos maiores engavetamentos envolvendo
carros e caminhões, em Jacareí (SP) por causa da intensidade de névoa, deixou
de ter o fenômeno natural ao longo de seus 450 quilômetros de extensão.
O nevoeiro também conhecido pelo termo inglês fog,
que também acontecia no outono, é formado pelo resfriamento da superfície que
condensa o vapor d’água existente na atmosfera. Desta maneira se forma a névoa
próximo ao chão. Essas imensas nuvens, geralmente densas, são típicas da região
como a do Banhado e de áreas baixas, como várzeas,com alta concentração de
umidade.
Mar de Neblina. Foto: Adenir Britto.
Com a inversão térmica, o ar frio fica preso nessas
depressões enquanto o ar quente se posiciona acima, deixando o tempo limpo
sobre o bolsão de nuvem.
O jornalista e fotógrafo profissional, Adenir
Britto, acompanha há três décadas o nevoeiro do Banhado e já sente dificuldades
imensas para registrar uma imagem do evento. Ele acompanhou a explosão
urbana de São José dos Campos, inclusive nos entornos da depressão geológica
que até meados dos anos 60 enchia de água e controlava todo o clima da região
central da cidade.
Atualmente, a barreira formada pela cordilheira de
prédios impede a chegada das brisas mais úmidas até o local. Outro aspecto é a
degradação do meio ambiente natural, com a supressão de árvores de grande porte
e o aterramento das áreas de várzeas e córregos. Britto não esconde sua
preocupação com o futuro do que chama de ‘cartão postal’ do município.
“O Banhado sempre foi o lugar preferido para
registrar meus trabalhos. Toda sua extensão se transforma num estúdio ou mesmo
um palco onde somos todos os espectadores de suas belezas. É com certeza o
maior símbolo que a cidade possui”, comenta.
Seu olhar acostumado aos mais diversos cenários o
fez ficar extasiado quando se deparou a primeira vez, em 1979, com o fenômeno.
Ele se lembra de ter chegado de madrugada e ver a imensa nuvem estacionada na
altura da Avenida São José. Algo que se assemelhava a um mar ou um lago,
coberto de neblina. E ficou deslumbrado, ainda mais quando soube que no local
existia apenas uma imensa depressão no relevo.
A região do Banhado é agora alvo de uma disputa
política imensa entre prefeitura e ambientalistas e moradores do local. A
administração pretende construir sobre o antigo leito da ferrovia que passava
por dentro da depressão, margeando seu contorno, para abrir pistas para escoar
o trânsito de carros do centro da cidade para a zona oeste e sul.
“Não vejo mais com tanta frequência aqueles dias
ensolarados que terminavam em um lindo crepúsculo e nem vejo mais aquele mar de
neblina, como era antigamente. Tive dificuldades para achar um dia perfeito
para a produçãode minhas últimas fotos de neblina. Com certeza esse fenômeno
está cada vez mais raro”, lamentou o fotógrafo.
Delfim alerta – O ex-ministro da economia, Antônio Delfim Netto,
fez um sério alerta aos militares e ao governo brasileiro no começo de agosto,
na sede do Comando Militar do Sudeste, sediado em São Paulo. E pediu
investimentos no setor militar para defender o patrimônio natural do Brasil.
“As pessoas levam essa questão da defesa um pouco
na brincadeira e se esquecem de que o Brasil tem tudo que os outros querem. Nós
temos que ter a capacidade de dissuasão antes de queiram tomar a água da
gente”, declarou. “A tendência do governo, não é na verdade dos economistas do
governo, que se pode deixar a defesa para depois. O Brasil exporta água, temos
os dois líquidos fantásticos, petróleo e água. Temos que ter o mínimo de defesa
dissuasiva”, comentou o ex-ministro.
Sua fala, no entanto, voltou a abordar o perigo de
não se ter um país aparelhado para um confronto que ofenda sua soberania e
mesmo uma invasão externa. Delfim disse que é totalmente ultrapassado o
argumento que inexistem riscos para o Brasil, que é um país sem conflitos,
ataques a sua soberania e território ou possibilidades de conflito armado. “A
prioridade da indústria de defesa é um pouco maior do que pensam os ingênuos”,
ressaltou.
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós
graduado em jornalismo científico. Tem 30 anos de profissão, atuou na AE,
Estadão, GZM, JB entre outros veículos. Tem diversos cursos na área de meio
ambiente, tema ao qual se dedica atualmente.
Fonte: ENVOLVERDE
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