“Devemos
deixar tudo e nos concentrar na água”.
O “homem da água da Índia”, Rajendra Singh, esteve
por 35 anos recuperando massas de água e levando-a a diferentes povoados em
diferentes partes do território indiano. Foto: Stella Paul/IPS.
Por Stella Paul, da IPS –
Estocolmo, Suécia, 10/9/2015 – No mundo há mais de
748 milhões de pessoas sem água potável, o equivalente a mais do que o dobro da
população dos Estados Unidos. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU)
indicam que 1,8 bilhão de pessoas, ou seja, 500 milhões a mais do que a
população da China, bebem água contaminada com matéria fecal. E morrem dois
milhões de pessoas por ano por falta de acesso a água.
Segundo o último informe Desenvolvimento dos
Recursos Hídricos no Mundo 2015: Água Para um Mundo Sustentável, a demanda
poderia crescer 55% até 2050, devido, principalmente, ao setor manufatureiro.
Em um contexto em que a comunidade internacional passa do marco de erradicação
da pobreza, contemplado nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), para
uma agenda de desenvolvimento sustentável mais ambiciosa, a questão da água se
torna mais crucial do que nunca.
Entre o barulho das autoridades perdidas em debates
intermináveis e o grande número de pessoas que sofrem secas, têm sede e padecem
doenças transmitidas pela água contaminada, há fontes que dizem que cerca de
cinco mil meninos e meninas morrem diariamente por essa causa, e que algumas
vezes conseguem se fazer ouvir lançando luz a um dos problemas mais complexos e
urgentes do mundo.
Uma delas é Rajendra Singh, ganhador do Prêmio da
Água de Estocolmo, também conhecido como Prêmio Nobel da Água, por seus 35 anos
de compromisso com a conservação e a gestão do recurso. Singh foi apelidado de
“o homem da água da Índia” e lhe é atribuída a recuperação de uma ancestral
técnica para coletar a água da chuva, que deu nova vida a vários rios e levou
água limpa aos encanamentos de 1.200 povoados de seu Estado natal de Rajasthan,
no nordeste indiano.
Com seus caudalosos rios e seus inumeráveis
tributários, que constituem um dos sistemas de água doce mais complexos do
mundo, a Índia oferece um excelente estudo de caso em matéria de gestão
hídrica. Aproximadamente 150 milhões de pessoas nesse país de 1,2 bilhão de
habitantes vivem sem acesso a água potável, o que agrava a pobreza e apresenta
sérias questões em matéria de energia, degradação ambiental e desenvolvimento
sustentável.
Por ocasião da Semana Mundial da Água 2015 (de 23 a
28 de agosto), em Estocolmo, a IPS conversou com Singh sobre o futuro desse
recurso escasso e incrivelmente apreciado.
IPS: O senhor sempre diz “não precisamos de novas
políticas, mas de ação para a água”. A que se refere?
RAJENDRA SINGH: Na Índia não faltam políticas nem ações, há muitas
leis sobre conservação, uso e gestão do recurso. Mas essas políticas e ações
não são executadas de forma adequada, e por isso não há medidas concretas.
Precisamos realizar trabalhos descentralizados claros sobre a gestão hídrica
com um enfoque comunitário. E o trabalho do governo nesse tipo de gestão é
muito importante: oferecer recursos adequados às comunidades e criar um
ambiente que facilite a ação. Deve haver ações conjuntas entre governo e
comunidade para administrar o recurso. Necessitamos de quatro coisas para isso:
conhecimentos sobre a água, a conservação, a gestão e o uso eficiente do recurso.
IPS: O senhor disse que o governo deve criar um ambiente
propício e fornecer os recursos para a ação. Costuma-se associar “recursos” com
“dinheiro”, que procede do setor privado. Como responde a isso?
RS: A mudança nunca procede do setor privado. Para uma
mudança verdadeira, precisamos do governo e da comunidade. Se o setor
corporativo faz tudo, então, onde está a democracia? Em Rajasthan temos muitas
empresas, mas também temos um parlamento da água. Mantemos os direitos
comunitários ali. Conservamos um ambiente democrático. As pessoas se mobilizam.
Quando a sociedade de mobiliza, os que a roubam têm de fugir. As corporações
estão aqui para ficar, mas é importante que não saqueiem as pessoas e não
contaminem o sistema.
IPS: Entramos na era dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS). Em matéria de água, o que o governo deve fazer de diferente
em relação ao que fez na vigência dos ODM?
RS: Vida, fonte de renda e dignidade, os três estão
vinculados à água. Na época dos ODS devemos dar a maior prioridade à água.
Devemos deixar tudo por um momento e só nos concentrarmos nela. Não devemos
enveredar em projetos, indicadores e no enfoque de marco lógico, mas nos
mantermos concentrados no trabalho atual. Há uma enorme invasão sobre os corpos
de água. Para evitar isso devemos identificá-los, demarcá-los e notificar tudo.
Em muitos casos, devido à erosão, a água tem muito sedimento, e como não possui
um título claro, o lobby imobiliário avança sobre as massas de água. A
intrusão sobre o rio é um problema que existe na Índia, Paquistão, Nepal,
Bangladesh e outras regiões. A pobreza na região (da Ásia) é o resultado de uma
crise hídrica, porque se altera os direitos das pessoas. Se os respeitarmos,
poderemos conseguir que a região inteira tenha um acesso adequado ao recurso.
Por exemplo, a Lei Nacional de Garantia de Emprego Rural (de 2005) foi
concebida para reviver e redesenhar o sistema hídrico do país. O então ministro
da Agricultura, Raghunath Singh, nos visitou, viu meu trabalho e decidiu
desenhar um programa dentro do qual foi possível tomar medidas a respeito.
IPS: O senhor participou da junta da Missão Limpemos o
Ganges (o terceiro rio mais comprido da Índia). Poderá ser recuperado algum
dia?
RS: É difícil, mas não impossível. Porém, o governo só
se relaciona com engenheiros, técnicos, etc., não com filhos e filhas do
Ganges, as pessoas. Se realmente incorporar as pessoas na missão, demorará no
máximo dez anos para recuperá-lo. De fato, qualquer dos rios do país pode se
recuperado em dez a quinze anos. Necessitamos da vontade política do governo e
da participação das pessoas comuns. Sou uma fonte de esperança. Nunca a perco.
Recupero o que foi danificado, essa é minha filosofia de vida.
Fonte: ENVOLVERDE
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