NARCOS:
uma lição de como (não) combater o tráfico.
Por Henrique Saibro
A série “Narcos” confirma dois fatos: o talento
incontestável de Wagner Moura, que, na América Latina, concorre apenas com o
argentino Ricardo Darín, e o fracasso da política de guerra às drogas. Abaixo
será explicado o porquê da segunda afirmativa, pois, quanto à primeira, basta
assistir a série.
Tudo começou com Reagan, ex-presidente dos EUA, que
em 1980 iniciou uma extensa iniciativa de marketing para chegar à eleição, cujo
slogan consistia em acabar com as drogas – just say no to drugs.
A ideia, de cunho repressivo, cujo objetivo era “o
caminho da salvação da juventude”, foi motivo de pressão dos norte-americanos
para que os outros países a implantassem com o mesmo rigor (ou maior) – pressão
essa tão grande que levou o ex-presidente FHC, quando de seu mandato, desistir
da tentativa de descriminalizar o uso da maconha, aos moldes do já estipulado
por Portugal – por coação do ex-presidente Clinton.
Em 1998 o prédio da ONU em NY sediou um encontro
com todos os países-membros e todos chegaram à mesma conclusão: eliminar
totalmente as drogas do Planeta Terra em 10 anos.
Pois não é que os 10 anos se passaram em 2008 e o
resultado dessa política ofensiva é uma das maiores catástrofes da história da
humanidade. Para se ter uma noção de tamanho fracasso, após a declaração
oficial de guerra às drogas, o consumo de todas elas aumentou assustadoramente:
o da maconha aumentou 8,5%; o da cocaína 25%; o da heroína e outros opiáceos
34,5% (BURGIERMAN, 2011). No Brasil, onde antes meninos cheiravam cola, hoje
fumam crack, óxi ou merla. A guerra contra as drogas dicotomicamente aumenta o
consumo de entorpecentes – e quanto mais perigosa a droga, maior o seu uso.
Ironicamente, como sátiras do destino, atualmente
FHC admite o erro de ter aceitado a pressão do Clinton – que herdou a política
fracassada de Reagen – para combater, como se guerra fosse, as drogas. A
propósito, o próprio Clinton hoje levanta a mesma bandeira de FHC, assim como o
secretário de Estado do governo Reagan e o ex-secretário geral da ONU – disponível
no relatório War on Drugs.
Creio que seja ingenuidade dizer que a solução para
acabar com o tráfico é simplesmente não consumir a droga. O que financia o
tráfico não é o usuário, senão a própria proibição – até porque ele apenas
existe em razão de o mercado não ser legalizado. Coibir o uso de substância
entorpecente é afrontar a história da humanidade, que desde seus primórdios,
por razões ainda não definidas, busca alterar o seu estado de consciência – no
mundo temos 210 milhões de usuários de drogas ilícitas, dos quais 165 milhões
usam somente maconha (BURGIERMAN, 2011).
O que talvez a população não entenda é que
legalizar não é sinônimo de incentivar. As experiências hodiernas uruguaias e
norte-americanas estão mostrando-se fantásticas. A mudança é cultural. E se a
legalização não presta para diminuir o consumo – que, diga-se de passagem, não
é o principal foco, senão combater o tráfico –, o que dizer da proibição?
A grande qualidade e quantidade de armamento que as
organizações do tráfico possuem só se mostram uma realidade em razão do
faturamento astronômico oriundo justamente da traficância – segundo o
Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), o tráfico
fatura, anualmente, a marca de US$ 320 bilhões. Narcos
demonstra perfeitamente a fortuna que os traficantes da Colômbia,
principalmente Escobar, auferiam com a venda de cocaína – Escobar chegou a
faturar cerca de 30 bilhões de dólares por ano. Quanto mais a repressão
endurece, mais violentos os traficantes se tornam, mais armas são compradas nos
EUA e mais nocivas e abundantes as drogas ficam.
Combater o tráfico de forma austera e pouco
estratégica (sem inteligência) é inútil. Se a polícia domina uma boca de fumo,
assistirá a boca concorrente prosperar. É um eterno jogo de perde e ganha.
Também podemos ver isso com clareza em Narcos. A Colômbia, após ter gasto
dezenas de bilhões de dólares no combate ao Cartel de Medellín, observou o
Cartel de Cáli surgindo mais forte e ainda mais bilionário em face do
enfraquecimento da concorrência.
Se o tráfico, por si só, traz violência, proibir e
criminalizar os produtos entorpecentes por ele vendidos piora ainda mais a
situação. No México, em face do alto poderio dos traficantes, a corrupção
dominou o governo. O que antes era um cartel que controlava o tráfico em paz,
Cuidad Juárez, na fronteira com os EUA, agora é a cidade mais violenta do
mundo. De 2006 para ca,
a guerra contra o narcotráfico virou guerra civil – mais de 40 mil pessoas
morreram no país. Para se ter uma noção de tamanha violência, a expectativa de
vida de um promotor público em Tijuana em 1996 era semelhante à de um operador
de metralhadora nos aviões da Segunda Guerra (BURGIERMAN, 2011).
Esse sistema de repressão enriquece os piores
criminosos. É o exemplo de Escobar: se não tivesse tanto dinheiro oriundo do
tráfico, não teria cometido seus crimes cinematográficos – p. Ex.: em 27 de
novembro de 1989, quando suspeitou que o presidenciável colombiano César
Augusto Gaviria Trujillo, que apoiava a extradição de traficantes aos EUA,
estaria no Boieng 727 da Avianca, mandou explodi-lo com 107 pessoas dentro.
Todos passageiros morreram, menos Trujillo que estava em um avião particular.
Aliás, Escobar já havia assassinado no mesmo ano o candidato presidencial Luiz
Carlos Galán – justamente por ser a favor de sua extradição aos EUA.
Muitos questionam e julgam, com sobras de
moralismo, os integrantes de facções criminosas que lucram com o tráfico de
drogas. Todavia, limitam a discussão ao maniqueísmo de rotular cidadãos como de
bem e outros como “vagabundos” e “bandidos”. Ok. Não devemos desmerecer pessoas
humildes que auferem sua renda com trabalho honesto. Mas não é este o ponto
nevrálgico da discussão.
Poucos pensam numa análise econômica do crime como
Gary BECKER (ver o genial artigo publicado aqui no
canal pela colega e amiga Adriane da Fonseca Pires). O tráfico é que nem uma
empresa que paga melhor – há mais pessoas dispostas a trabalhar nela; uma
empresa que tem muito dinheiro, pode pagar um salário de até 100 vezes mais do
que a realidade do mercado. Você leitor, aceitaria um salário de R$ 20.000
mensais para ser informante do tráfico? Talvez não. Mas e o gari do seu bairro?
Segundo as explicações do economista Peter Reuter,
numa cadeia em que folhas de coca são compradas a 50 centavos na América do Sul
e uma grama de cocaína é vendida em uma esquina americana por 100 dólares, há
uma margem de 99,50 dólares em cada grama de cocaína! Como o custo mostra-se
insignificante, todos os envolvidos no processo de traficância podem ser muito
bem remunerados – o mesmo economista refere que um piloto de avião pode receber
500 mil dólares para fazer UM ÚNICO VOO transportando 250 kg de cocaína. Essa
quantia corresponde a apenas 2% do preço final (REUTER, 2010).
O livro “Economia sem truques” foi indicado a mim
por um brilhante economista e amigo de infância, Bruno Job Paganin, para o
estudo sobre um olhar econômico bastante pragmático sobre o tráfico de drogas.
Os autores sustentam que a variável-chave para o lucro da traficância é a
“dicotomia legal versus ilegal” – “e não o bem comercializado em si”.
Daí a conclusão de que a “liberação do comércio de entorpecentes terminaria com
a profissão do traficante”, tendo em vista que o know how de um líder do
tráfico seria muito menos relevante “para o sucesso em um mercado legalizado de
drogas do que os conhecimentos de um executivo de uma grande empresa”
(GONÇALVES; GUIMARÃES, 2008).
Não se empolgue com a alta tecnologia da polícia
atual. Mesmo com helicópteros e camionetes blindadas, apenas 5% da droga que
chega à fronteira é apreendida (BURGIERMAN, 2011). Também não se iluda com as
megaoperações midiáticas noticiando grandes apreensões de drogas. Em primeiro
lugar porque o custo dessas operações é astronômico; em segundo lugar porque a
despesa ao traficante decorrente dessas apreensões é como se fosse um pequeno
imposto que paga para operar – muito mais baixo do que se cobra para uma
indústria legítima.
Vamos bolar uma pequena pergunta que resume todo o
imbróglio polícia vs traficante: qual a diferença entre a polícia reforçar a
segurança dos bancos, buscando diminuir os assaltos nessas instituições, e
aumentar a fiscalização nas bocas de fumo para fins de repressão ao tráfico?
Na primeira medida, de fato, é provável que ocorra
uma redução nos crimes de roubo praticados contra bancos. Na segunda hipótese,
se as autoridades aumentarem o policiamento em zonas de traficância, além de
não coibir o consumo, os vendedores darão risada e aumentarão o preço da droga
– obtendo incrivelmente mais lucro.
Você entende, agora, o poder econômico do tráfico
de drogas e a fortuna que os verdadeiros traficantes possuem? E compreende,
também, o porquê de jovens aceitarem trabalhar no mercado ilícito em detrimento
de um labor legítimo – que lhe renderá, no máximo, um pouco mais de um salário
mínimo?
Mas não paramos por aqui. Continuamos no próximo
capítulo, digo, artigo!
Fonte: Canal Ciências Criminais
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