No ritmo
atual uma montanha de lixo irá nos soterrar.
Hoje em média cada brasileiro gera 1,062 quilos de
lixo por dia. Fernando Frazão/ Agência Brasil.
Pesquisa revela que a produção de resíduos aumentou
29% em 11 anos no país e para reverter à situação um bom exemplo vem da nossa
Amazônia.
Por Reinaldo Canto*
Diferente da nossa economia, que apresenta
desaceleração, o que não para de crescer é a capacidade nacional de gerar cada
dia mais lixo. Foi o que concluiu a nova pesquisa divulgada pela Abrelpe –
Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.
Segundo os dados levantados pela entidade em cerca
de 400 municípios nos quais residem quase 92 milhões de pessoas, de 2003 a 2014
a quantidade de resíduos produzidos pelos brasileiros foi cinco vezes superior
ao aumento populacional do período que foi de apenas 6%. Hoje em média cada
pessoa gera 1,062 quilos de lixo por dia!
Os formuladores da pesquisa afirmam que essa é a
primeira e mais abrangente feita sobre a situação dos resíduos no Brasil, após
a entrada em vigor da PNRS – a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010.
Desde então pouca coisa prevista na lei foi efetivamente implementada, entre
elas, um aumento na reciclagem da ordem de 7,2%. Quando a lei passou a valer,
apenas 57,6% das cidades brasileiras tinham coleta seletiva, agora esse número
saltou para 64,8% dos municípios que reciclam seus resíduos. Um avanço, sem
dúvida, bem tímido!
Mas as boas notícias praticamente param por aí! No
ano passado apenas 58,4% de um total de 78,6 milhões de toneladas de resíduos
coletados tiveram destinação adequada, ou seja, foram ao menos encaminhados
para aterros sanitários, locais apropriados e preparados para receber esses
materiais. Outros 41% foram parar em lixões ou aterros controlados, lugares
inadequados e que oferecem riscos à saúde das pessoas, ao meio ambiente e podem
trazer sérias e irreversíveis consequências como a contaminação do solo e do
lençol freático, entre outros.
Exemplo na Amazônia
Recentemente tive a oportunidade de conhecer uma
realidade que dá uma medida de quanto à falta de uma ação mais efetiva para a
implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos deverá agravar um quadro
que já pode ser considerado dramático.
À convite da empresa Tetra Pak, visitei
experiências de coleta seletiva em comunidades ribeirinhas que fazem parte da
Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Negro em Manaus, no estado do Amazonas.
O projeto desenvolvido em parceria com a FAS –
Fundação Amazonas Sustentável tem o objetivo de reduzir os impactos causados
pelo lançamento de resíduos que tradicionalmente eram jogados no Rio Negro ou
enterrados e até mesmo queimados.
Quando a realidade dessas comunidades estava
ligada, basicamente, ao descarte de material orgânico, ou seja, restos de
alimentos, cascas de frutas e madeira, o próprio ambiente possuía condições
razoáveis de absorção. A partir do momento em que as comunidades passam a
consumir cada vez mais produtos descartáveis e alimentos industrializados
embalados, entre outros, a situação muda completamente. Jogar no rio materiais
como, plásticos, metais e até mesmo pilhas e baterias, altamente tóxicos e
poluentes trás terríveis consequências para as pessoas e o meio ambiente
amazônico.
Algumas comunidades como a Três Unidos que fica às
margens do Rio Cuieiras felizmente começam a entender os perigos do descarte
indiscriminado desses materiais. O Centro de Triagem lá localizado recebe
embalagens diversas e por meio de uma prensa entregue pela Tetra Pak, todo o
material é compactado e depois enviado à Manaus para uma destinação correta.
Alunos de outras 19 comunidades se dirigem
diariamente para estudar no Núcleo de Conservação e Sustentabilidade Assy
Manana, onde estudam e são estimulados a enviar os resíduos de suas comunidades
para serem prensadas no centro de triagem da Três Unidos. No ano passado cerca
de 1,5 tonelada de resíduos passaram pelo local e neste ano são esperadas a
coleta de duas toneladas de materiais recicláveis.
Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente da
Tetra Pak explica que o fornecimento dos materiais adequados para a construção
do centro de triagem e os equipamentos compatíveis com as necessidades locais
representam importantes apoios para a preservação ambiental, mas ressalta,
“toda a mão de obra é local e os resultados só aparecem se as pessoas estiverem
envolvidas com o projeto”.
“Aqui na Amazônia as dificuldades para um processo
como esse são bem maiores do que em São Paulo, por exemplo, por causa das
questões logísticas da região”, afirma Virgílio Viana, engenheiro florestal e
superintendente geral da FAS. Para ele, esses enormes desafios requerem uma
conscientização ainda maior. A educação, o convencimento e o posterior
engajamento das pessoas são as bases necessárias para o sucesso no trabalho de
reciclagem.
Mesmo com a expansão do projeto previsto para
atingir mais comunidades, ainda será pequeno diante de outras centenas de
aglomerados humanos residentes na nossa Amazônia que, neste momento, estão
jogando nos rios uma quantidade imensa de materiais poluentes e contaminantes.
Por essa razão, os esforços precisam envolver seriamente mais atores da
sociedade manauara e dos outros estados da região e de todo o Brasil. Só para
se ter uma ideia, a geração de resíduos apenas em Manaus é superior a 1,5
milhão de toneladas anuais. De 2005 a 2012 houve um incremento de 38% na
quantidade de resíduos produzidos pela capital do Amazonas, segundo a
Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos da cidade.
Como refletiu o cacique tuxaua Valdemir Triukuxuri,
um dos líderes da comunidade Três Unidos, de acordo com a tradição indígena,
tudo que é importante deve estar na frente, a vista de todos. Foi por essa
razão que o Centro de Triagem possui localização privilegiada bem na frente da
comunidade. “Índio considera um monumento, porque é bom para a saúde de todos”.
Pois bem são essas alternativas que nos restam:
colocar o problema na frente para que todos possam ver e agir, parar de
protelar indefinidamente os pontos principais previstos em lei como o fim dos
lixões e o aumento da capacidade de reciclagem em todo o país ou só assistir o
problema crescer perigosamente. Nesse último caso, o que o futuro nos reserva,
se continuarmos a empurrar com a barriga a implantação da Política Nacional de
Resíduos Sólidos? Será mesmo uma imensa e vergonhosa montanha de lixo que não
mais poderá ser escondida.
* Reinaldo Canto é jornalista especializado
em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência
Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de
televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil,
coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e
colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da
Envolverde, colunista de Carta Capital e assessor de imprensa e consultor da
ONG Iniciativa Verde.
Fonte: Carta Capital
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