Desvalorização
põe luz no fim do túnel.
Silos de armazenagem de soja em Lucas do Rio Verde,
município do centro do Brasil grande produtor e exportador desse grão, que
junto com o ferro encabeça as vendas para a China. As exportações primárias
foram um fator da sobrevalorização cambiária que alimentou ao desindustrialização
do país. Foto: Mario Osava/IPS.
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 21/9/2015 – Vários
economistas veem uma pequena luz no túnel da crise brasileira, que não indica o
final desse túnel, mas mostra um caminho de recuperação da atual combinação de
prolongada recessão, ajuste fiscal, inflação e altas taxas de juros, junto com
desemprego crescente. A desvalorização do real, em mais de 50% nos últimos 12
meses, já se reflete na redução das importações e na tímida recuperação das
exportações industriais, além da queda das viagens e dos gastos internacionais
dos turistas brasileiros.
Dessa forma, abre-se uma possibilidade de
interromper a forte desindustrialização que afeta o Brasil pelo menos desde a
década passada, e de iniciar uma recuperação do setor, reduzido pela
supervalorização cambiária desde o Plano Real, adotado em 1994 para controlar
uma inflação alta e persistente, e criar a nova moeda brasileira. Desde então,
manter o real supervalorizado foi um instrumento usado para conter a inflação,
mediante a importação de bens baratos que substituíam a produção interna e
diminuíam seus preços pela competição.
A principal vítima foi a indústria nacional, diante
de uma invasão de manufaturas chinesas a preços imbatíveis. Agora o processo se
inverte. “O primeiro efeito positivo é a substituição de importações, que já
começou. Depois poderão aumentar as exportações da parte industrial que
sobreviveu”, afirmou Luis Eduardo Assis, professor da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central.
“É o único fator com que podemos contar agora para
uma pequena recuperação econômica, não há outro foco de dinamismo na economia
do Brasil atualmente”, apontou Assis à IPS, recordando a queda do consumo
devido à recessão e o desemprego e que os investimentos serão o último o último
fator a melhorar, diante das incertezas econômicas e políticas.
Mas muitas indústrias não sobreviveram ao longo
período de supervalorização cambiária. Outras mudaram seu processo de produção,
importando muitos insumos e componentes, agregando muito pouco valor e operando
mais com revendedoras. “Custará muito tempo restabelecer as cadeias produtivas
nacionais, em contraste com os anos 1980, quando uma maxidesvalorização
impulsionava uma rápida recuperação. Dessa vez, a desarticulação foi muito
profunda”, destacou o Assis.
“No passado, o tema cambiário salvava, era a porta
para superar uma contração. Agora não, porque a indústria brasileira se afastou
demais do comércio exterior e não se recupera mercados e relações de um dia
para outro, para ampliar exportações”, pontuou à IPS Julio de Almeida,
consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). A
mudança foi muito desfavorável para as manufaturas por tempo demasiado,
enquanto os produtos primários, minerais e agrícolas ampliaram suas
exportações, agravando a supervalorização do real nas duas últimas décadas.
Há muito tempo a indústria vive em crise,
especialmente no Estado de São Paulo, que em 1995 concentrava 48,7% do setor e
em 2012 viu esse número cair para 40,3%, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). A produção industrial desse Estado de julho
deste ano caiu 12% em relação a igual período de 2014. O setor de bens de
capital registrou em julho produção 27,8% inferior à de 12 meses antes, segundo
dados do IBGE analisados pelo Iedi.
“Trata-se de uma redução brutal, que ameaça dizimar
essa indústria estratégica se não houver uma rápida reação”, alertou Almeida,
também professor na Universidade Estadual de Campinas. As esperanças
despertadas pela desvalorização cambiária ainda contrastam com a realidade
atual da indústria. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) espera, para
este ano, uma contração de 3,4% no produto do setor. Analistas de várias
consultorias são mais pessimistas e preveem queda de 6,2%.
Processos similares de desindustrialização,
considerada precoce por ocorrer em países ainda em desenvolvimento, como os
latino-americanos, já foram registrados na Argentina, pela adoção de políticas
de supervalorização cambiária nas décadas de 1970 e 1990. A fixação por meio de
lei da paridade entre dólar e peso, para conter a inflação, também levou o país
ao colapso econômico em 2001 e a restrições no acesso ao crédito internacional
que perduram até hoje.
“A ‘argentinização’ não ameaça o Brasil no momento,
porque temos uma economia mais diversificada, que continua tendo o
décimo-primeiro parque industrial do mundo, embora com participação muito
inferior à de décadas passadas”, explicou Almeida. Além disso, o Brasil não
enfrenta dificuldades em contas externas. Obteve um crescente superávit
comercial este ano, embora mais por redução de importações, devido à recessão
econômica e à desvalorização cambiária, do que pelo aumento das exportações.
Entrada da fábrica da Alunorte, produtora de
alumina, a base da indústria do alumínio, cuja produção caiu no Brasil devido
aos altos custos, especialmente da energia elétrica. Foto: Mario Osava/IPS.
Com a competitividade parcialmente recuperada
graças ao câmbio, a indústria nacional já substitui importações, principalmente
de bens de consumo popular, como vestuário e calçados. Em produtos mais
sofisticados, a batalha será mais lenta, porque a indústria brasileira se
atrasou tecnologicamente devido a esse processo de desindustrialização. Será
necessário um esforço de recuperação e o governo pode perder uma oportunidade
se retirar da indústria a reintegração, como anunciado.
Trata-se da devolução de impostos cobrados e que as
empresas não recuperam ao exportar, como ocorre em outros países. É um fator
adicional de competitividade, que o governo não considera necessário após a
forte desvalorização cambial. Mas retomar o crescimento econômico exige apostar
em algumas atividades como passo inicial, e as exportações são uma boa aposta,
recomendou Almeida.
Segundo este economista, alguns estímulos podem ser
cruciais nesse momento de crise e falta de confiança na economia e no governo
brasileiro. Outras dificuldades se somam ao desmantelamento das cadeias
produtivas da indústria, acrescentou. A América do Sul, que “foi um fator do
crescimento da indústria brasileira como importante mercado para suas
manufaturas, também vive uma desaceleração econômica e a consequente redução da
demanda”, indicou.
“A indústria também sofre os efeitos de todos os
eventos negativos, como, por exemplo, o escândalo da Petrobras, que afetou as
grandes construtoras brasileiras, cujas obras no exterior fomentam exportações
industriais de cimento, equipamentos, máquinas e componentes e muitos outros
bens”, lamentou Almeida. Além disso, também é prejudicada pela escassez de
crédito internacional, como ocorre atualmente. Em contrapartida, a recuperação
industrial distribui efeitos positivos a todos os setores, ressaltou.
A desvalorização cambiária foi um dos fatores do
sucesso econômico do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), cujo
crescimento se atribui, em geral, aos elevados preços das matérias-primas, que
beneficiaram as exportações brasileiras de produtos minerais e agrícolas. Lula
iniciou sua presidência com o empuxe de grandes desvalorizações do real em
1999, promovidas por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, e também
durante 2002, quando seu previsível triunfo nas urnas gerou pânico no mercado,
que então o temia como líder esquerdista.
Até 2008, as exportações brasileiras de manufaturas
acompanharam o crescimento das vendas de matérias-primas. A indústria nacional,
além de se beneficiar pela depreciação do real, agora sofre uma competição
menos desenvolvedora da China, cujos custos já não são tão baixos, e o mesmo
acontece com sua moeda.
Fonte: ENVOLVERDE
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