sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Desvalorização põe luz no fim do túnel.
Silos de armazenagem de soja em Lucas do Rio Verde, município do centro do Brasil grande produtor e exportador desse grão, que junto com o ferro encabeça as vendas para a China. As exportações primárias foram um fator da sobrevalorização cambiária que alimentou ao desindustrialização do país. Foto: Mario Osava/IPS.

Por Mario Osava, da IPS –

Rio de Janeiro, Brasil, 21/9/2015 – Vários economistas veem uma pequena luz no túnel da crise brasileira, que não indica o final desse túnel, mas mostra um caminho de recuperação da atual combinação de prolongada recessão, ajuste fiscal, inflação e altas taxas de juros, junto com desemprego crescente. A desvalorização do real, em mais de 50% nos últimos 12 meses, já se reflete na redução das importações e na tímida recuperação das exportações industriais, além da queda das viagens e dos gastos internacionais dos turistas brasileiros.

Dessa forma, abre-se uma possibilidade de interromper a forte desindustrialização que afeta o Brasil pelo menos desde a década passada, e de iniciar uma recuperação do setor, reduzido pela supervalorização cambiária desde o Plano Real, adotado em 1994 para controlar uma inflação alta e persistente, e criar a nova moeda brasileira. Desde então, manter o real supervalorizado foi um instrumento usado para conter a inflação, mediante a importação de bens baratos que substituíam a produção interna e diminuíam seus preços pela competição.

A principal vítima foi a indústria nacional, diante de uma invasão de manufaturas chinesas a preços imbatíveis. Agora o processo se inverte. “O primeiro efeito positivo é a substituição de importações, que já começou. Depois poderão aumentar as exportações da parte industrial que sobreviveu”, afirmou Luis Eduardo Assis, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central.

“É o único fator com que podemos contar agora para uma pequena recuperação econômica, não há outro foco de dinamismo na economia do Brasil atualmente”, apontou Assis à IPS, recordando a queda do consumo devido à recessão e o desemprego e que os investimentos serão o último o último fator a melhorar, diante das incertezas econômicas e políticas.

Mas muitas indústrias não sobreviveram ao longo período de supervalorização cambiária. Outras mudaram seu processo de produção, importando muitos insumos e componentes, agregando muito pouco valor e operando mais com revendedoras. “Custará muito tempo restabelecer as cadeias produtivas nacionais, em contraste com os anos 1980, quando uma maxidesvalorização impulsionava uma rápida recuperação. Dessa vez, a desarticulação foi muito profunda”, destacou o Assis.

“No passado, o tema cambiário salvava, era a porta para superar uma contração. Agora não, porque a indústria brasileira se afastou demais do comércio exterior e não se recupera mercados e relações de um dia para outro, para ampliar exportações”, pontuou à IPS Julio de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). A mudança foi muito desfavorável para as manufaturas por tempo demasiado, enquanto os produtos primários, minerais e agrícolas ampliaram suas exportações, agravando a supervalorização do real nas duas últimas décadas.

Há muito tempo a indústria vive em crise, especialmente no Estado de São Paulo, que em 1995 concentrava 48,7% do setor e em 2012 viu esse número cair para 40,3%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A produção industrial desse Estado de julho deste ano caiu 12% em relação a igual período de 2014. O setor de bens de capital registrou em julho produção 27,8% inferior à de 12 meses antes, segundo dados do IBGE analisados pelo Iedi.

“Trata-se de uma redução brutal, que ameaça dizimar essa indústria estratégica se não houver uma rápida reação”, alertou Almeida, também professor na Universidade Estadual de Campinas. As esperanças despertadas pela desvalorização cambiária ainda contrastam com a realidade atual da indústria. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) espera, para este ano, uma contração de 3,4% no produto do setor. Analistas de várias consultorias são mais pessimistas e preveem queda de 6,2%.

Processos similares de desindustrialização, considerada precoce por ocorrer em países ainda em desenvolvimento, como os latino-americanos, já foram registrados na Argentina, pela adoção de políticas de supervalorização cambiária nas décadas de 1970 e 1990. A fixação por meio de lei da paridade entre dólar e peso, para conter a inflação, também levou o país ao colapso econômico em 2001 e a restrições no acesso ao crédito internacional que perduram até hoje.

“A ‘argentinização’ não ameaça o Brasil no momento, porque temos uma economia mais diversificada, que continua tendo o décimo-primeiro parque industrial do mundo, embora com participação muito inferior à de décadas passadas”, explicou Almeida. Além disso, o Brasil não enfrenta dificuldades em contas externas. Obteve um crescente superávit comercial este ano, embora mais por redução de importações, devido à recessão econômica e à desvalorização cambiária, do que pelo aumento das exportações.
Entrada da fábrica da Alunorte, produtora de alumina, a base da indústria do alumínio, cuja produção caiu no Brasil devido aos altos custos, especialmente da energia elétrica. Foto: Mario Osava/IPS.

Com a competitividade parcialmente recuperada graças ao câmbio, a indústria nacional já substitui importações, principalmente de bens de consumo popular, como vestuário e calçados. Em produtos mais sofisticados, a batalha será mais lenta, porque a indústria brasileira se atrasou tecnologicamente devido a esse processo de desindustrialização. Será necessário um esforço de recuperação e o governo pode perder uma oportunidade se retirar da indústria a reintegração, como anunciado.

Trata-se da devolução de impostos cobrados e que as empresas não recuperam ao exportar, como ocorre em outros países. É um fator adicional de competitividade, que o governo não considera necessário após a forte desvalorização cambial. Mas retomar o crescimento econômico exige apostar em algumas atividades como passo inicial, e as exportações são uma boa aposta, recomendou Almeida.

Segundo este economista, alguns estímulos podem ser cruciais nesse momento de crise e falta de confiança na economia e no governo brasileiro. Outras dificuldades se somam ao desmantelamento das cadeias produtivas da indústria, acrescentou. A América do Sul, que “foi um fator do crescimento da indústria brasileira como importante mercado para suas manufaturas, também vive uma desaceleração econômica e a consequente redução da demanda”, indicou.

“A indústria também sofre os efeitos de todos os eventos negativos, como, por exemplo, o escândalo da Petrobras, que afetou as grandes construtoras brasileiras, cujas obras no exterior fomentam exportações industriais de cimento, equipamentos, máquinas e componentes e muitos outros bens”, lamentou Almeida. Além disso, também é prejudicada pela escassez de crédito internacional, como ocorre atualmente. Em contrapartida, a recuperação industrial distribui efeitos positivos a todos os setores, ressaltou.

A desvalorização cambiária foi um dos fatores do sucesso econômico do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), cujo crescimento se atribui, em geral, aos elevados preços das matérias-primas, que beneficiaram as exportações brasileiras de produtos minerais e agrícolas. Lula iniciou sua presidência com o empuxe de grandes desvalorizações do real em 1999, promovidas por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, e também durante 2002, quando seu previsível triunfo nas urnas gerou pânico no mercado, que então o temia como líder esquerdista.

Até 2008, as exportações brasileiras de manufaturas acompanharam o crescimento das vendas de matérias-primas. A indústria nacional, além de se beneficiar pela depreciação do real, agora sofre uma competição menos desenvolvedora da China, cujos custos já não são tão baixos, e o mesmo acontece com sua moeda.


Fonte: ENVOLVERDE

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