Crianças
africanas vítimas da miséria.
As crianças da África continuam sendo as principais
vítimas da miséria no continente. Foto: Jeffrey Moyo/IPS.
Por Jeffrey Moyo, da IPS –
Harare, Zimbábue, 28/8/2015 – “A pobreza se
converteu em parte de mim”, afirmou Aminata Kabangele, originária da República
Democrática do Congo. “Aprendi a viver com a realidade de que ninguém se
preocupa por mim”, acrescentou. Esta adolescente de 13 anos, que fugiu de seu
país depois que toda sua família foi assassinada por rebeldes armados e vive no
acampamento de Tongogara, em Chipinge, na fronteira oriental do Zimbábue,
contou à IPS que não tem outra opção a não ser se conformar com seu destino de
pobreza.
O primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM), com os quais se comprometeram os governos do mundo em 2000, era
o de erradicar a pobreza extrema e a fome até 2015, mas a realidade é que
milhões de africanos sobrevivem na miséria e que suas meninas e seus meninos
são as principais vítimas. “Em qualquer país da África que se olhe, as crianças
são as que sofrem a pobreza e muitas ficam órfãs”, ressaltou à IPS Melody
Nhemachena, trabalhadora social independente no Zimbábue.
Com base em um informe do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), de 2003, o Banco Mundial estima que cerca de 400
milhões de crianças menores de 17 anos viviam em condições de extrema pobreza
no mundo, a maioria delas na África e na Ásia. Defensores dos direitos humanos
dizem que a crescente pobreza que sofrem as famílias africanas também é
responsável pelo fato de aproximadamente 200 mil menores – segundo estimativas
da Organização das Nações Unidas (ONU) – acabarem escravizados a cada ano.
“Muitas famílias vivem em uma pobreza abjeta na
África e se veem obrigadas a entregar seus filhos em troca de comida, para
pessoas que supostamente os empregarão ou cuidarão deles, mas não costuma ser
assim e acabam realizando trabalhos forçados e ganhando quase nada”, explicou à
IPS Amukusana Kalenga, defensora dos direitos da infância em Zâmbia. A África
ocidental é uma das regiões deste continente onde o trabalho escravo moderno
também afeta os menores de idade.
Para muitas famílias de Benin, um dos países mais
pobres do mundo, “se alguém se oferece para levar as crianças, é quase um
alívio”, segundo Mike Sehil, que viajou à África ocidental pela organização
humanitária britânica Anti-Slavery International para fotografar menores
escravos ou em casamento forçado.
A rede mundial de sindicatos, professores e
organizações da sociedade civil Global March Against Child Labour (Marcha
Global Contra o Trabalho Infantil), informou que um estudo de 2010 concluiu que
“a arrepiante quantidade de 1,8 milhão de crianças de cinco a 17 anos trabalham
em fazendas de cacau na Costa do Marfim e em Gana, com sequelas para seu
bem-estar físico, emocional, cognitivo e moral”.
“O tráfico de menores é real”, destacou Mélanie
Mbadinga Mtsanga, diretora geral de Assuntos Sociais do Gabão, em uma
conferência sobre prevenção ao tráfico infantil realizada na cidade de Pointe
Noire, no Congo, em 2012. “O Gabão, por exemplo, é considerado um Eldorado e
concentra muitos imigrantes da África ocidental que traficam menores”,
acrescentou. Esse país é um importante lugar de destino e trânsito de mulheres
e menores submetidos a trabalho forçado e tráfico sexual, segundo o relatório
sobre tráfico de pessoas de 2011 do Departamento de Estado norte-americano.
Na Nigéria, o país mais povoado da África, um
estudo sobre pobreza infantil concluiu que mais de 70% das crianças não foram
registradas ao nascerem, enquanto mais de 30% sofrem grave carência educional.
Segundo o Unicef, na Nigéria, cerca de 4,7 milhões de meninos e meninas em
idade escolar não vão à escola.
“Algumas dessas crianças, entre as quais há as de
apenas 13 anos, servem em grupos terroristas como o Boko Haram e frequentemente
participam de operações suicidas ou espionagem”, detalhou à IPS a nigeriana
Hillary Akingbade, especialista independente em gestão de conflitos. “As
crianças costumam terminar como escravas sexuais, enquanto outras são
sequestradas ou recrutadas à força, e outras, ainda, se unem por desespero,
acreditando que os grupos armados são sua melhor opção para sobreviver”,
acrescentou.
Akingbade também apontou a realidade de pobreza em
que vivem os menores na República Centro-Africana, onde se estima que entre
seis mil e dez mil crianças se integraram a grupos armados após o começo da
cruel guerra civil, em dezembro de 2012, segundo a organização Save the
Children. A violência se disseminou nesse país quando o rebelde grupo muçulmano
Séléka assumiu o controle da capital, Bangui, em março de 2013, o que gerou uma
reação violenta das milícias cristãs.
Um informe da Save the Children, de 2013, indica
que na República Centro-Africana os grupos armados recrutam menores de apenas
oito anos, alguns obrigados a integrar suas fileiras e outros empurrados pela
pobreza imperante.
No ano passado, a ONU denunciou que o recrutamento
de menores no contexto da guerra civil do Sudão do Sul era “enorme” e estimou
que havia 11 mil meninos e meninas tanto em fileiras rebeldes como governamentais,
alguns deles tendo se unido de forma voluntária, enquanto outros foram
obrigados por seus pais, sempre com a esperança de melhorar sua situação
econômica.
Enquanto isso, no acampamento de refugiados de
Tongogara, no Zimbábue, Kabangele está resignada. “Caí na pior pobreza desde
que cheguei aqui com outros congolenses que fugiam e, para muitas crianças do
acampamento como eu, a pobreza está na ordem do dia”, lamentou.
Fonte: ENVOLVERDE
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