Lei
florestal zeraria desmate na Amazônia.
Foto: André Villas Bôas/ISA.
Estudo do Inpe que subsidiará meta de Paris indica
que desmatamento zero na floresta é viável, mas prevê emissões de 240 milhões
de toneladas de gás carbônico por uso da terra em 2030.
Claudio Angelo, do OC –
Pelo menos na Amazônia, o desmatamento zero em 2030
não só é possível, como é a consequência natural do cumprimento efetivo do
Código Florestal. A conclusão é de um estudo do Inpe, encomendado pelo
Ministério do Meio Ambiente e entregue à ministra Izabella Teixeira. Ele vai
subsidiar a INDC, sigla pela qual é conhecido o plano que o Brasil deverá
apresentar à ONU no fim desta semana para o acordo do clima de Paris.
O estudo projeta a evolução do uso da terra no
Brasil entre 2000 e 2050 a partir de um modelo computacional que simula fatores
como o comportamento dos mercados de commodities e diversos cenários de
cumprimento da lei de florestas.
Uma de suas conclusões é que, se o código for
seguido à risca, inclusive no que tange à restauração florestal, a quantidade
de florestas na Amazônia deve cair até 323 milhões de hectares em 2020 e
aumentar em 5 milhões de hectares na década seguinte, estabilizando-se em 328
milhões de hectares a partir de 2030.
“Isso indica que o Código Florestal, por si só, é
capaz de produzir um efeito de ‘desmatamento zero’ na Amazônia”, afirma o
relatório, que deve ser disponibilizado na internet nos próximos
dias.
Mesmo assim, o cerrado teria perdas significativas
de vegetação nativa, entre áreas florestadas e de campos naturais e vegetação
rala. Só para a agricultura o bioma perderia 35 milhões de hectares, o
equivalente a uma Alemanha. E a caatinga perderia 40% de sua vegetação – em
todos os cenários, é o único bioma no qual o desmatamento não se estabilizaria
após 2050.
Além disso, como a recomposição de uma floresta
desmatada precisa de muito mais área do que o que foi perdido para compensar as
emissões de carbono, mesmo com a estabilização do desmatamento líquido na
Amazônia, o país ainda chegaria a 2030 emitindo cerca de 240 milhões de
toneladas de CO2 por mudança de uso da terra. Há uma possibilidade de essa
cifra estar na INDC brasileira.
O novo estudo faz parte do projeto Redd-Pac (Centro
de Avaliação de Políticas de Redd+), financiado pelo governo alemão e com
participação de centros de pesquisa do Brasil e da África. Ele foi coordenado
por Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e um dos pais do sistema de
monitoramento do desmatamento em tempo real, o Deter.
Ele utiliza um modelo computacional alemão chamado
Globiom, adaptado ao Brasil por um grupo do Inpe e do Ipea. Ele assume que,
onde houver disponibilidade de terra, demanda e condições econômicas e
logísticas, haverá conversão de vegetação nativa para a produção. “É um modelo
neoliberal”, brinca Câmara.
A essa base econômica estritamente racional foram
sobrepostos mapas de vegetação e dados como projeção de população e tamanho do
rebanho bovino no país. Em seguida, executadas simulações de várias situações
de aplicação do Código Florestal: a lei tal qual ela existe, a lei sem anistia
à recomposição da reserva legal em propriedades de até quatro módulos fiscais
(400 hectares) e a lei sem a chamada cota de reserva ambiental, ou CRA.
A anistia à recomposição de reserva legal foi uma
das principais bandeiras da bancada ruralista para mudar a lei de florestas. A
alegação era que a exigência de repor áreas desmatadas ilegalmente até 2008
inviabilizaria a maior parte das propriedades rurais do Brasil. O expediente,
porém, está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (o estudo do Inpe é
chama-o pelo nome, “anistia”, termo que o governo rejeita).
A CRA é um instrumento de flexibilização do código,
pelo qual um proprietário que tenha desmatado além do permitido em sua fazenda
pode compensar esse desmatamento comprando cotas para que outros fazendeiros no
mesmo bioma preservem além do exigido pela lei.
O Globiom mostra que a CRA pode ter um efeito
perverso, em especial na caatinga e no cerrado: se for adotada sem políticas
adicionais, ela pode desestimular a recuperação de 2 milhões de hectares apenas
neste último. Na Amazônia isso pode adquirir proporções dramáticas caso mais de
20% das terras devolutas do Estado do Amazonas sejam entregues a proprietários
privados. “Ninguém precisaria reflorestar nada”, diz Gilberto Câmara.
Segundo as projeções do Globiom, sem anistia e sem
CRA a recuperação de florestas poderia ser significativa: quase 30 milhões de
hectares, mais do que o dobro dos 12 milhões de hectares que Dilma Rousseff se
comprometeu a recuperar, na declaração conjunta com os Estados Unidos. Num
cenário com CRA apenas para a agricultura (não para a pecuária), essa área cai
para 21 milhões de hectares – mesmo assim, mais do que o Brasil se comprometeu
a fazer, o que indica que, pelo menos no modelo, há espaço para mais ambição
também aqui.
INDC
Se as emissões do desmatamento ainda estarão na
casa das 240 milhões de toneladas de CO2 em 2030, mais conservadora ainda é a
projeção do Globiom para a agropecuária: nesse setor, que hoje responde por um
terço das emissões brasileiras, as emissões em 2030 seriam de 465 milhões de
toneladas – cerca de 15% a mais do que em 2010.
O modelo prevê que a área de pastagens terá pouco
crescimento no Brasil nas próximas décadas. As emissões não caem, porém, porque
não se considerou que o tamanho do rebanho ou a eficiência da pecuária vão
sofrer mudanças significativas – a emissão de metano por cabeça de boi, por
exemplo, não mudaria nos cenários considerados. Também não se considerou uma
expansão relevante do plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que se propõe a
recuperar pastagens degradadas e fixar carbono no solo.
Câmara admite que é possível ousar mais nesse
setor. “O nosso modelo é de fato conservador com a dieta animal e admito que
pode haver uma redução adicional de pastagens. Mas tenho de rodar o modelo com
as condições que eu tenho.”
Noves fora, a crer nos resultados do estudo do
Inpe, as emissões brasileiras de uso da terra e agricultura somariam o
equivalente a 705 milhões de toneladas de CO2.
Isso daria margem ao crescimento das emissões em
outro setor onde o governo considera mais difícil mexer: o de energia, que
passaria a dominar a curva de emissões do Brasil.
Segundo projeções feitas por Câmara (que não estão
incluídas no estudo do Redd-Pac), em 2030 esse setor emitiria 568 milhões de
toneladas (aumento de 55% em relação a 2010). Somando-se isso a processos
industriais (148 milhões de toneladas de CO2) e resíduos (81 milhões de
toneladas), no total, o país chegaria a 2030 emitindo cerca de 1,5 bilhão de
toneladas de CO2 equivalente – mais ou menos o que já emite hoje.
A meta de chegar a 2030 mantendo os níveis de
emissão de 2013 seria politicamente palatável na negociação internacional. O
Brasil poderá alegar que é um país “em desenvolvimento no âmbito da Convenção
do Clima”, ou seja, suas metas não poderiam ter o mesmo rigor das dos países
desenvolvidos – que, de resto, excluindo a União Europeia, têm apresentado
INDCs muito pouco ambiciosas. Poderá também dizer, como a ministra Izabella
Teixeira (Meio Ambiente) não se cansa de lembrar, que fez mais do que a maioria
dos outros países para cortar emissões, reduzindo o desmatamento.
Por fim, o Brasil teria nos outros emergentes
parceiros ideais na baixa ambição: a China apresentou um plano que prevê
aumento brutal nas suas emissões e um “pico” ao redor de 2030; a Índia flerta
com uma meta relativa – de reduzir a intensidade de carbono de sua economia; e
a África do Sul, cuja INDC está em consulta pública, prevê um aumento de
emissões até 2030 e um declínio somente a partir de 2036.
Fonte: Observatório do Clima
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