segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Lei florestal zeraria desmate na Amazônia.
Foto: André Villas Bôas/ISA.

Estudo do Inpe que subsidiará meta de Paris indica que desmatamento zero na floresta é viável, mas prevê emissões de 240 milhões de toneladas de gás carbônico por uso da terra em 2030.

Claudio Angelo, do OC –

Pelo menos na Amazônia, o desmatamento zero em 2030 não só é possível, como é a consequência natural do cumprimento efetivo do Código Florestal. A conclusão é de um estudo do Inpe, encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente e entregue à ministra Izabella Teixeira. Ele vai subsidiar a INDC, sigla pela qual é conhecido o plano que o Brasil deverá apresentar à ONU no fim desta semana para o acordo do clima de Paris.

O estudo projeta a evolução do uso da terra no Brasil entre 2000 e 2050 a partir de um modelo computacional que simula fatores como o comportamento dos mercados de commodities e diversos cenários de cumprimento da lei de florestas.

Uma de suas conclusões é que, se o código for seguido à risca, inclusive no que tange à restauração florestal, a quantidade de florestas na Amazônia deve cair até 323 milhões de hectares em 2020 e aumentar em 5 milhões de hectares na década seguinte, estabilizando-se em 328 milhões de hectares a partir de 2030.

“Isso indica que o Código Florestal, por si só, é capaz de produzir um efeito de ‘desmatamento zero’ na Amazônia”, afirma o relatório, que deve ser disponibilizado na internet nos próximos dias.

Mesmo assim, o cerrado teria perdas significativas de vegetação nativa, entre áreas florestadas e de campos naturais e vegetação rala. Só para a agricultura o bioma perderia 35 milhões de hectares, o equivalente a uma Alemanha. E a caatinga perderia 40% de sua vegetação – em todos os cenários, é o único bioma no qual o desmatamento não se estabilizaria após 2050.

Além disso, como a recomposição de uma floresta desmatada precisa de muito mais área do que o que foi perdido para compensar as emissões de carbono, mesmo com a estabilização do desmatamento líquido na Amazônia, o país ainda chegaria a 2030 emitindo cerca de 240 milhões de toneladas de CO2 por mudança de uso da terra. Há uma possibilidade de essa cifra estar na INDC brasileira.

O novo estudo faz parte do projeto Redd-Pac (Centro de Avaliação de Políticas de Redd+), financiado pelo governo alemão e com participação de centros de pesquisa do Brasil e da África. Ele foi coordenado por Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e um dos pais do sistema de monitoramento do desmatamento em tempo real, o Deter.

Ele utiliza um modelo computacional alemão chamado Globiom, adaptado ao Brasil por um grupo do Inpe e do Ipea. Ele assume que, onde houver disponibilidade de terra, demanda e condições econômicas e logísticas, haverá conversão de vegetação nativa para a produção. “É um modelo neoliberal”, brinca Câmara.

A essa base econômica estritamente racional foram sobrepostos mapas de vegetação e dados como projeção de população e tamanho do rebanho bovino no país. Em seguida, executadas simulações de várias situações de aplicação do Código Florestal: a lei tal qual ela existe, a lei sem anistia à recomposição da reserva legal em propriedades de até quatro módulos fiscais (400 hectares) e a lei sem a chamada cota de reserva ambiental, ou CRA.

A anistia à recomposição de reserva legal foi uma das principais bandeiras da bancada ruralista para mudar a lei de florestas. A alegação era que a exigência de repor áreas desmatadas ilegalmente até 2008 inviabilizaria a maior parte das propriedades rurais do Brasil. O expediente, porém, está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (o estudo do Inpe é chama-o pelo nome, “anistia”, termo que o governo rejeita).

A CRA é um instrumento de flexibilização do código, pelo qual um proprietário que tenha desmatado além do permitido em sua fazenda pode compensar esse desmatamento comprando cotas para que outros fazendeiros no mesmo bioma preservem além do exigido pela lei.

O Globiom mostra que a CRA pode ter um efeito perverso, em especial na caatinga e no cerrado: se for adotada sem políticas adicionais, ela pode desestimular a recuperação de 2 milhões de hectares apenas neste último. Na Amazônia isso pode adquirir proporções dramáticas caso mais de 20% das terras devolutas do Estado do Amazonas sejam entregues a proprietários privados. “Ninguém precisaria reflorestar nada”, diz Gilberto Câmara.

Segundo as projeções do Globiom, sem anistia e sem CRA a recuperação de florestas poderia ser significativa: quase 30 milhões de hectares, mais do que o dobro dos 12 milhões de hectares que Dilma Rousseff se comprometeu a recuperar, na declaração conjunta com os Estados Unidos. Num cenário com CRA apenas para a agricultura (não para a pecuária), essa área cai para 21 milhões de hectares – mesmo assim, mais do que o Brasil se comprometeu a fazer, o que indica que, pelo menos no modelo, há espaço para mais ambição também aqui.

INDC

Se as emissões do desmatamento ainda estarão na casa das 240 milhões de toneladas de CO2 em 2030, mais conservadora ainda é a projeção do Globiom para a agropecuária: nesse setor, que hoje responde por um terço das emissões brasileiras, as emissões em 2030 seriam de 465 milhões de toneladas – cerca de 15% a mais do que em 2010.

O modelo prevê que a área de pastagens terá pouco crescimento no Brasil nas próximas décadas. As emissões não caem, porém, porque não se considerou que o tamanho do rebanho ou a eficiência da pecuária vão sofrer mudanças significativas – a emissão de metano por cabeça de boi, por exemplo, não mudaria nos cenários considerados. Também não se considerou uma expansão relevante do plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que se propõe a recuperar pastagens degradadas e fixar carbono no solo.

Câmara admite que é possível ousar mais nesse setor. “O nosso modelo é de fato conservador com a dieta animal e admito que pode haver uma redução adicional de pastagens. Mas tenho de rodar o modelo com as condições que eu tenho.”

Noves fora, a crer nos resultados do estudo do Inpe, as emissões brasileiras de uso da terra e agricultura somariam o equivalente a 705 milhões de toneladas de CO2.

Isso daria margem ao crescimento das emissões em outro setor onde o governo considera mais difícil mexer: o de energia, que passaria a dominar a curva de emissões do Brasil.

Segundo projeções feitas por Câmara (que não estão incluídas no estudo do Redd-Pac), em 2030 esse setor emitiria 568 milhões de toneladas (aumento de 55% em relação a 2010). Somando-se isso a processos industriais (148 milhões de toneladas de CO2) e resíduos (81 milhões de toneladas), no total, o país chegaria a 2030 emitindo cerca de 1,5 bilhão de toneladas de CO2 equivalente – mais ou menos o que já emite hoje.

A meta de chegar a 2030 mantendo os níveis de emissão de 2013 seria politicamente palatável na negociação internacional. O Brasil poderá alegar que é um país “em desenvolvimento no âmbito da Convenção do Clima”, ou seja, suas metas não poderiam ter o mesmo rigor das dos países desenvolvidos – que, de resto, excluindo a União Europeia, têm apresentado INDCs muito pouco ambiciosas. Poderá também dizer, como a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) não se cansa de lembrar, que fez mais do que a maioria dos outros países para cortar emissões, reduzindo o desmatamento.

Por fim, o Brasil teria nos outros emergentes parceiros ideais na baixa ambição: a China apresentou um plano que prevê aumento brutal nas suas emissões e um “pico” ao redor de 2030; a Índia flerta com uma meta relativa – de reduzir a intensidade de carbono de sua economia; e a África do Sul, cuja INDC está em consulta pública, prevê um aumento de emissões até 2030 e um declínio somente a partir de 2036.


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