Mudanças
climáticas causam alterações no comportamento de beija-flores.
O aumento da temperatura causa a diminuição da taxa
metabólica de beija-flores. Foto: Wikimedia Commons.
Por Elton Alisson, da Agência Fapesp –
As mudanças climáticas podem causar a diminuição da
atividade de voo de beija-flores e, consequentemente, da polinização de
vegetais por esse grupo de aves.
A constatação é de um estudo realizado por
pesquisadores da Universidade de Taubaté (Unitau), em colaboração com colegas
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Escola de Engenharia de
Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP) e da University of Toronto
Scarborough, do Canadá, durante o Projeto Temático “Assessment of impacts and
vulnerability to climate change in Brazil and strategies for adaptation option”,
realizado com apoio da FAPESP no âmbito de um acordo com o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Observamos que o aumento da temperatura causa a
diminuição da taxa metabólica de beija-flores [a quantidade de oxigênio
consumido necessário para produzir energia]. Com isso, cai a frequência de
batimentos de asa das aves e, consequentemente, elas passam a voar menos e
diminuem a procura por néctar em flores”, disse Maria Cecília Barbosa de
Toledo, professora do Departamento de Biologia da Unitau e coordenadora do
projeto, à Agência FAPESP.
Os pesquisadores estudaram oito espécies de
beija-flor encontradas em diferentes níveis de altitude no Vale do Paraíba, no
interior de São Paulo.
Duas das espécies são de baixa altitude – o
beija-flor rajado (Ramphodon naevius) e o topetinho-verde (Lophornis chalybeus)
–, outras duas são de alta altitude – o beija-flor de topete (Stephanoxis
lalandi) e o beija-flor de papo branco (Leucochloris albicollis) –, três
ocorrem ao longo de todo o gradiente elevacional do Vale do Paraíba – o
beija-flor de fronte violeta (Thalurania glaucopis), beija-flor rubi
(Clytolaema rubricauda) e beija-flor de garganta verde (Amazilia fimbriata) – e
a última – o beija-flor preto (Florisuga fusca) – é migratória.
O grupo de aves foi escolhido porque apresenta uma
alta taxa metabólica, relacionada com fatores ambientais, como temperatura e
altitude.
“Estimávamos que as mudanças climáticas poderiam
causar grandes impactos em espécies de beija-flor e que, por isso, podiam ser
usadas como bioindicadoras”, disse Toledo.
A fim de simular os efeitos das variações
climáticas nesses animais, os pesquisadores usaram como referência o gradiente
climático altitudinal da região montanhosa do Vale do Paraíba, que varia de
três metros – como os das cidades de Ubatuba e Caraguatatuba – a 1,8 mil metros
de altitude, como o da cidade de Campos do Jordão.
Nessas regiões, com diferentes níveis de elevação
altitudinal e temperatura variável entre 10 e 30 ºC, eles avaliaram a taxa
metabólica em campo de beija-flores rubi (Clytolaema rubricauda) – uma das três
espécies de beija-flor que ocorrem ao longo de todo o gradiente altitudinal do
Vale do Paraíba.
Para isso, usaram um sistema em que o beija-flor é
capturado e colocado dentro de uma câmara com um alimentador, no alto do
recinto – composto por um tubo plástico contendo uma solução de sacarose a 20%
–, e um poleiro que serve de balança para indicar o peso do animal.
Para conseguir se alimentar da solução de sacarose,
a ave precisava pairar no ar e inserir a cabeça dentro do tubo de plástico do
alimentador, que funciona como uma máscara respiratória, com passagem de 2,5
mil mililitros (ml) de ar por minuto.
Ao pairar no ar e inserir a cabeça na máscara
respiratória, os pesquisadores conseguiam analisar a temperatura, além do
volume de oxigênio consumido e o total de dióxido de carbono produzido pela ave
durante o voo pairado.
Dessa forma, conseguiram estimar as taxas
metabólicas dos pássaros em diferentes temperaturas ao longo do gradiente
altitudinal do Vale do Paraíba.
“Esse sistema possibilita avaliarmos a taxa
metabólica de beija-flores em atividade, que é o dado mais importante para
mensurarmos os efeitos das mudanças climáticas no metabolismo dessas aves”,
explicou Toledo.
Menos voo
Uma das constatações dos experimentos foi que o
aumento da temperatura diminui a taxa metabólica do beija-flor rubi.
A taxa metabólica da ave foi maior em uma faixa de
temperatura mais amena, entre 20.1 e 25 ºC, e menor sob temperaturas mais
altas, entre 25.1 e 30 ºC, indicaram os experimentos.
Nessa faixa de temperatura mais elevada, o pássaro
tende a diminuir a frequência de batimento de asas, procura mais sombra para
permanecer em repouso e voa menos para manter seu metabolismo e diminuir o
gasto energético, explicou Toledo.
“Essa mudança de comportamento pode causar a
diminuição da polinização de vegetais por essas aves”, estimou a pesquisadora.
“Os beija-flores passam a visitar menos as flores silvestres em busca de néctar
e, consequentemente, deixam de transportar pólen de uma flor para outra”,
estimou a pesquisadora.
Algumas espécies de beija-flor possuem preferências
climáticas, apontou o estudo.
O beija-flor rubi, por exemplo, apresenta maior
ocorrência no Vale do Paraíba em regiões com temperatura na faixa de 20 º a 25
ºC, e não “dá as caras” em regiões de baixa altitude durante o verão, quando a
temperatura média atinge 28 ºC, disse Toledo.
“Se a temperatura aumentar, elevando a média das
terras altas, provavelmente os beija-flores tentarão acompanhar essa mudança”,
estimou a pesquisadora.
“Observamos durante o estudo que os beija-flores
apresentam variações morfométricas em função da altitude, tais como massa,
comprimento e área da asa, comprimento do bico e comprimento total. Mas ainda
não sabemos se poderão sofrer mudanças morfométricas rápidas a tempo de se
adaptarem às mudanças climáticas”, disse Toledo.
O aumento da temperatura, contudo, não representa
um fator limitante para a sobrevivência dos beija-flores, uma vez que esse
grupo de aves possui alta resistência térmica.
A temperatura corpórea dos beija-flores é em torno
de 40 ºC. Dessa forma, a ave é capaz de suportar de forma confortável uma
temperatura ambiente em torno de 38 ºC – considerada bastante alta –, explicou
Toledo.
“Os beija-flores só conseguem manter esse estresse
térmico por muito tempo, entretanto, se houver energia disponível, que é o
néctar das flores. E isso representa um ponto de preocupação”, ponderou.
Um estudo realizado por pesquisadores da Escola de
Engenharia de Lorena, da USP, no âmbito do projeto, identificou que a
quantidade de energia disponibilizada pelas plantas para os beija-flores na
região do Vale do Paraíba varia de acordo com a elevação.
Algumas espécies de plantas visitadas por
beija-flores em regiões de terras altas, como Campos do Jordão, possuem néctar
com maior teor de sacarose – o açúcar preferido pela ave – do que em regiões de
terras baixas, como Ubatuba, apontou o estudo.
“Nossa preocupação é se as plantas visitadas pelos
beija-flores serão capazes de ajustar suas concentrações de néctar em tempo de
acompanhar as mudanças climáticas e continuarem fornecendo energia para essas
aves”, ressaltou Toledo.
Fonte: Agência Fapesp
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