Cenários
para a educação em 2032.
Exercício coletivo de análise aponta
possíveis caminhos para a educação básica brasileira e estimula o debate
público sobre o tema.Por Marina Lopes, do Porvir –
Como será a educação brasileira nos próximos 17
anos? O que deve ser feito para construir o futuro que desejamos? Em um
contexto de pós-aprovação do PNE (Plano Nacional de Educação), diferentes
profissionais ligados à educação se reuniram para criar um documento reflexivo
que apresenta Cenários
Transformadores para a Educação Básica no Brasil.
Sem a pretensão de trazer previsões ou expressar
desejos, o documento mostra quatro possíveis caminhos para a educação em 2032,
ano que marca o centenário do manifesto dos pioneiros da educação nova.
Para a construção dos cenários, foram ouvidos 71
representantes de organizações da sociedade civil, movimentos sociais,
governos, formadores de opinião, organizações internacionais, institutos e
fundações empresariais, sindicatos, professores, gestores, pais, estudantes e
acadêmicos. Também foram realizadas três oficinas presenciais com a
participação de 40 pessoas que dialogaram com o material produzido a partir das
entrevistas.
Os atores envolvidos foram mapeados e mobilizados
por um grupo convocador, composto pela Ação Educativa, Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), GIFE
(Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, Instituto Reos), Todos Pela
Educação e Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).
Os possíveis caminhos para a educação foram
apontados a partir de uma metodologia do Reos Partners, já utilizada
internacionalmente em outros contextos complexos, como a transição do apartheid
na África do Sul e o pós-guerra na Guatemala. De acordo com Christel Scholten,
diretora-gerente do Reos, a construção de cenários ajuda as pessoas a pensarem
sobre o futuro de uma forma mais leve do que apenas uma análise acadêmica.
A metodologia seguiu um processo rigoroso de
identificar os principais temas, definir um horizonte de tempo suficiente para
as mudanças, mapear as forças que agem sobre cada contexto e classificar o seu
impacto. A partir daí, configuravam-se diferentes cenários, que eram agrupados
seguindo critérios de serem relevantes, desafiadores, plausíveis e claros.
“Foi um processo rico porque buscou trazer
diferentes vozes do debate educacional”, explica Denise Carreira, coordenadora
da área de educação da Ação Educativa. De acordo com ela, a intenção do
documento é oferecer subsídios para estimular o debate público de qualidade
sobre o tema.
“No Brasil, ainda lidamos com uma agenda
educacional que já deveria ter sido cumprida no século passado. Isso nos faz
voltar os olhos, quase sempre, para o urgente e não para o importante. O
exercício de pensar nos desdobramentos da educação nas próximas décadas ajuda a
refletir sobre as políticas necessárias hoje para garantir a educação que
queremos no futuro”, defende Maria Lucia Meirelles Reis, diretora
administrativo-financeira do movimento Todos pela Educação.
Diferentes cenários
Todos os cenários possuem nomes que fazem
referência a pássaros brasileiros: Canário-da-Terra, Beija-Flor,
Falcão-Peregrino e Tico-Tico. “Cada um deles aponta aspectos positivos e
negativos, e traz junto muitas consequências”, afirma Andre Degenszajn,
secretário-geral do GIFE.
“Os cenários estão fortemente vinculados à ideia
do Plano Nacional de Educação”, diz Daniel Cara, coordenador geral da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação. No primeiro cenário, o Canário-da-Terra,
o sistema educacional brasileiro passa por mudanças importantes. Com quase
todas as metas do PNE cumpridas, o país caminha com políticas públicas
construídas e negociadas com a participação da sociedade civil. O Estado assume
um papel fundamental e estratégico para garantia do direito à educação e a
cultura de descontinuidade das políticas educacionais é rompida. Embora sejam
dados alguns saltos de qualidade, a escola segue em formato tradicional, mas
com algumas experiências inovadoras.
Com reformas profundas no sistema, o Cenário
Beija-Flor, o segundo apresentado no documento, traz um forte estímulo
à inovação. Com base em experiências bem-sucedidas no país e no exterior,
acontecem mudanças sociais, tecnológicas e ambientais. Há um equilíbrio na
relação público-privada. A concepção de educação é pautada por princípios de equidade,
justiça social e sustentabilidade socioambiental, estimulando que as escolas
desenvolvam experimentações e aprofundem a relação com a comunidade.
“O cenário Beija-Flor olha muito o pedagógico.
Busca pensar em novas referências”, afirma Denise. Esse cenário incentiva a
participação e o controle social de vários sujeitos da comunidade escolar, além
de conviver com diferentes modelos, incluindo comunidades de aprendizagem,
territórios de cooperação e experiências de educação popular.
O grande desafio desse cenário, de acordo com
Andre Degenszajn, do GIFE, é conferir escala para as inovações. “Ele tende a
valorizar muito experiências locais e específicas, mas universalizar isso traz
desafios que o cenário não dá conta”, analisa. Para conseguir escalar as
inovações e experiências, Denise Carreira sugere que esse cenário precisa estar
ancorado em políticas públicas estatais e não-estatais.
O cenário Falcão-Peregrin é
marcado por uma forte influência da iniciativa privada. O Estado mantém o seu
papel de provedor, regulador, avaliador e financiador, mas deixa de se responsabilizar
pela oferta educacional. Existem avanços quantitativos, mas pouca melhora na
qualidade. A educação se volta para a formação de mão de obra qualificada e
especializada para trabalhar no mercado.
“Junto com uma perspectiva entendida
de uma forma geral como muito negativa, nessa relação público e privado, ele
também traz questões que são importantes para a reflexão da educação hoje”,
comenta o secretário-geral do GIFE, ao mencionar o impulso ao uso de novas
tecnologias e a preocupação com mensuração e indicadores.
Diante de uma fragmentação das agendas e atuação
dos movimentos sociais, o cenário Tico-Tico traz mais do
mesmo, ou seja, não apresenta muitos avanços . Existe pouca vontade política
para reduzir as desigualdades, gerando a manutenção das políticas sociais
compensatórias. A educação é massificada e a escola formal tem quase nenhuma
inovação. Segundo Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
este cenário representa um modelo gerencial, que não traz a articulação de
atores e nem desejo social. “O cenário quatro [Tico-Tico] é a continuidade de
um projeto pouco modificado, que já está posto hoje”, diz.
Concretização dos cenários
De acordo com Maria Lucia Meirelles Reis,
diretora administrativo-financeira do movimento Todos pela Educação, o que vai
determinar a concretização de cada um dos cenários são as escolhas que o país
está fazendo e fará para os próximos anos.
Para Daniel Cara, hoje estamos mais próximos do
cenário Falcão-Peregrino e Tico-Tico. Segundo ele, o caminho para superar esses
cenários passa pela implementação do Plano Nacional de Educação. “ A fronteira
para impactar no futuro da educação é o país começar a levar a sério as leis
que aprova”, defende.
“Ele [o documento] pode servir como ferramenta
para a reflexão e planejamento para mostrar quando um estado, secretaria, organização
ou outro ator está seguindo para uma determinada direção. Isso pode ajudar a
pensarem sobre ações e decisões que estão tomando hoje”, explica Christel
Scholten, do Reos.
Segundo Cleuza Repulho, ex-presidente da Undime,
a atuação dos governos e a participação da sociedade civil são elementos
decisivos para a concretização de cada um dos cenários. “A gente tem um papel
importante e cada um com a sua entidade precisa dar conta da sua parte, e não
achar que o governo sozinho resolve os problemas.”Convite para
discussão.
Sem a pretensão de apresentar respostas ou
indicar um cenário ideal, o documento traz a proposta de que as pessoas
reflitam sobre os cenários e organizem rodas de conversa. O material completo
está disponível no site: http://cenarioseducacao2032.org.br/.
Fonte: Porvir
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