O futuro
tem sabor de chocolate.
As mãos de Idalia Ramón cuidam das castanhas de
cacau produzidas no povoado de Caluco, ocidente de El Salvador. As mulheres
protagonizam a transformação do cacau em chocolate, em um processo ecológico
que ganha força neste país centro-americano, graças ao projeto nacional Aliança
Cacau, destinado a resgatar seu esquecido cultivo e melhorar o futuro de dez
mil famílias camponesas. Foto: Edgardo Ayala/IPS.
Por Edgardo Ayala, da IPS –
Caluco e Mercedes Umaña, El Salvador, 21/8/2015 –
Com a pasta de chocolate recém-saída de um moinho de nixtamal, Idalia Ramón e
outra dezena de mulheres salvadorenhas pegam porções do produto, as pesam e
modelam em forma de estrela, retângulo ou sino, antes de as embalar e deixá-las
prontas para a venda.
“É uma fonte de trabalho completamente nova para
nós. Não sabíamos nada de cacau, nem de chocolate”, contou Ramón à IPS. Antes,
esta viúva de 38 anos, a duras penas, sustentava seus três filhos, de 11, 13 e
15 anos, fazendo tortilhas, as massas espalmadas de farinha de milho, básicas
na dieta da Mesoamérica.
Ramón é uma das mulheres que participam da
elaboração de chocolate em Caluco, povoado de dez mil habitantes do
departamento de Sonsonate, um projeto que se integrou a um esforço nacional
para resgatar o cultivo do cacau. “Agora tenho renda extra, podemos ver as
vantagens que o cacau dá às comunidades”, comemorou Ramón.
Essas mulheres trabalham no chamado “centro de
processamento”, que conseguiram montar com muito trabalho, para transformar
artesanalmente as castanhas de cacau em tabletes de chocolate orgânico, um
processo no qual suas mãos são a principal ferramenta.
O esforço para reviver o cultivo se aglutinou desde
dezembro na Aliança Cacau El Salvador, da qual participam cooperativas e
agricultores e agricultoras de várias regiões do país, bem como mulheres que se
tornaram especialistas na elaboração do chocolate artesanal.
Quatro das mulheres que elaboram chocolate no
centro de processamento comunitário de Caluco, ocidente de El Salvador,
verificam a massa recém-saída de seu moinho de nixtamal, antes de preparar os
tabletes e as figuras variadas de chocolate orgânico. Elas passaram a integrar
o projeto Aliança Cacau, com o qual se busca reviver no país um cultivo
abandonado depois de ter sido primordial em sua história e sua cultura. Foto:
Edgardo Ayala/IPS.
A pasta que sai de um pequeno moinho de nixtamal
(moenda de milho e outros grãos depois cozidos ou torrados), acontece de várias
formas, geralmente em tabletes redondos. Dissolvidos em água fervente, se
convertem em uma das bebidas preferidas dos salvadorenhos.
A Aliança Cacau pretende, nos próximos cinco anos,
gerar renda para dez mil famílias produtoras de cacau, em 87 municípios do
país, com o plantio de dez mil hectares desse cultivo. Espera-se criar cerca de
27 mil empregos diretos e indiretos. “O projeto está nos ajudando a superar a
difícil situação econômica e a aumentar a produção, de modo a melhorar a
renda”, explicou à IPS outra produtora, María Alas, de 33 anos, sem parar de
elaborar figuras de chocolate.
A Aliança Cacau conta com o aporte de US$ 25
milhões, sendo US$ 20 milhões da Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional (Usaid) e da também norte-americana Fundação
Howard G. Buffet, e o restante de setores locais.
Na época pré-colombiana, o cacau era utilizado
nesse país como moeda de troca, e durante o período colonial serviu para pagar
tributos à Coroa espanhola. O cultivo de cacau praticamente desapareceu do que
hoje é El Salvador após uma série de pragas, mas a popularidade da bebida de
chocolate se manteve e para sua elaboração até agora o cacau era importado dos
vizinhos Honduras e Nicarágua.
“Por um lado, trata-se do resgate ancestral de um
produto enraizado em nossa cultura e, por outro, de obter um desenvolvimento
econômico e social para nossas comunidades”, afirmou à IPS a diretora da Casa
da Cultura de Caluco, María de los Ángeles Escobar. A aposta em reviver o cacau
foi concebida como uma alternativa para paliar os efeitos negativos que a
ferrugem do café (Puccina graminis) causou em 21% dos cultivos
cafeeiros, segundo estimativas oficiais, diminuindo os empregos e a renda dos
camponeses.
Em El Salvador, 38% de seus 6,2 milhões de
habitantes vivem na área rural, boa parte em situação socioeconômica
vulnerável, agravada pelo impacto da ferrugem e da seca provocada pelo fenômeno
El Niño nos cultivos de milho e feijão, que afetou 400 mil pequenos produtores.
No ocidente do país, além de Caluco outros quatro
municípios de Sonsonate se integraram ao projeto: San Antonio del Monte,
Nahuilingo, Izalco e Nahuizalco, em uma área com forte presença de população
indígena. Os produtores das cinco localidades, incluídas as mulheres
processadoras, formaram a Associação Cooperativa de Produção Agropecuária Cacau
Los Izalcos, para participarem juntos de toda a cadeia produtiva.
Produtores de cacau, a maioria mulheres, durante
capacitação sobre adubo orgânico, com o qual enriquecerão os solos de suas
áreas de cultivo, em San Simón, município de Mercedes Umaña, no departamento
oriental de Usulután, no Sri Lanka. Foto: Edgardo Ayala/IPS.
A cooperativa já soma 111 hectares de cacaueiros
plantados. Como estes requerem sombra para se desenvolver, os agricultores
aproveitaram para plantá-los junto com árvores frutíferas e que fornecem
madeira. A Aliança Cacau dedicou os primeiros meses do projeto a semear e
cuidar das sementes nos viveiros, e agora os produtores começam a plantar em
suas propriedades. Passarão três anos até que os cacaueiros comecem a dar frutos.
Mas em Caluco já se elabora o chocolate, porque no
município havia produtores dedicados ao cacau, que usavam o centro de
processamento, completando a produção com cacau importado. De fato, Caluco foi
um histórico assentamento do povo pilpil, cujo cacau fez a fama durante a época
colonial.
“Esperamos que no próximo ano estejamos em melhor
nível de produção. Ainda é pouca, porque a coisa está apenas começando”,
apontou à IPS a vice-presidente da cooperativa, Raquel Santos. Quando a
produção da cooperativa Los Izalcos estiver em seu apogeu, a Associação
pretende produzir cerca de 500 quilos mensais de cacau, acrescentou.
Embora no momento só esteja sendo elaborado
chocolate artesanal, os sócios da cooperativa planejam produzir, no futuro,
barras de chocolate em nível mais industrial, mas isso dependerá do êxito que
tiverem com este primeiro esforço. Desde a fundação da cooperativa, se busca
que as mulheres tenham uma participação decisiva no desenvolvimento cacaueiro
da região.
O Comitê Local de Cacau de Caluco agrupa 29
agricultores e 25 mulheres processadoras. Possuem um viveiro e já desenvolveram
o primeiro centro de armazenagem que receberá a produção da região.
No viveiro
também se ensina aos estudantes da escola local as técnicas do cultivo e a
importância que tem em sua história, cultura e, a partir de agora, em sua
economia.
Miriam Bermúdez, uma das camponesas que com maior
entusiasmo, uniu-se ao projeto para plantar cacau em San Simón, diante do
Viveiro La Colmena, onde são preparadas os 25 mil cacacueiros que serão
plantadas em 25 hectares dos participantes da iniciativa desse assentamento do
município de Mercedes Umaña, ocidente de El Salvador. Foto: Edgardo Ayala/IPS.
Do outro lado do país, no departamento de Usulután,
Miriam Bermúdez, de 52 anos, é uma das mais entusiastas participantes do
projeto comunitário do Viveiro La Colmena, tanto que convenceu outros moradores
de sua vila, San Simón, no município de Mercedes Umaña, a se integrarem à
Aliança Cacau.
“Eu bebia chocolate sem nem mesmo conhecer a árvore
de onde provinha, e agora aprendi muitas coisas sobre o processo de produção”,
contou Bermúdez à IPS, durante uma pausa na capacitação que ela e outro grupo
de camponeses e camponesas recebiam sobre adubos orgânicos, que, livres de
pesticidas, nutrirão os solos dos cacaueiros.
O viveiro abriga 25 mil plantas, suficientes para
cobrir 25 hectares das terras dos agricultores da área. Também conta com um
sistema de irrigação para não ser afetado pelas secas cíclicas. Enquanto não
chega o momento de plantar as mudas, os agricultores de Mercedes Umaña definem
quais espécies de fruta e madeira vão cultivar para que ofereçam sombra aos
cacaueiros. Essas árvores também vão gerar renda, ou já estão gerando, se as
terras contavam com elas antes.
Bermúdez, em sua área de 0,7 hectares, plantou
banana, além de legumes e hortaliças, para garantir sua segurança alimentar.
“Quando passa o caminhão que vende verduras, nunca compro, porque pego tudo da
minha horta”, contou orgulhosa. Sua neta, Esmeralda, de 16 anos, decidiu seguir
seus passos e participa ativamente dos trabalhos que envolvem a produção de
cacau em sua comunidade. “Gosto muito de aprender coisas que não sabia, como
preparar a terra ou fazer adubo orgânico”, disse à jovem à IPS, ao final da
capacitação.
Em Usulután, além de Mercedes Umaña, a promoção do
cultivo de cacau se estendeu às localidades de Jiquilisco, San Dionisio,
Jucuarán, Jucuapa, California, Alegría, Berlín e Nueva Granada. Em cada
município há um viveiro de cacaueiros cuidados por 25 famílias.
Outro componente importante da Aliança Cacau é que
o produto final seja de qualidade e orgânico, para impulsionar o
desenvolvimento sustentável. O fato de semear cacaueiros já é uma atividade
ecológica, pois as árvores em seu esplendor se convertem em florestas. “É muito
importante o produtor saber manejar ecologicamente sua plantação, pelo bem do
ambiente, e também porque o produto tem maior valor”, destacou à IPS a assessora
do projeto, Griselda Alvarenga.
* Esta reportagem integra uma série concebida em
colaboração com Ecosocialist Horizons.
Fonte: ENVOLVERDE
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