segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O futuro tem sabor de chocolate.
As mãos de Idalia Ramón cuidam das castanhas de cacau produzidas no povoado de Caluco, ocidente de El Salvador. As mulheres protagonizam a transformação do cacau em chocolate, em um processo ecológico que ganha força neste país centro-americano, graças ao projeto nacional Aliança Cacau, destinado a resgatar seu esquecido cultivo e melhorar o futuro de dez mil famílias camponesas. Foto: Edgardo Ayala/IPS.

Por Edgardo Ayala, da IPS – 

Caluco e Mercedes Umaña, El Salvador, 21/8/2015 – Com a pasta de chocolate recém-saída de um moinho de nixtamal, Idalia Ramón e outra dezena de mulheres salvadorenhas pegam porções do produto, as pesam e modelam em forma de estrela, retângulo ou sino, antes de as embalar e deixá-las prontas para a venda.

“É uma fonte de trabalho completamente nova para nós. Não sabíamos nada de cacau, nem de chocolate”, contou Ramón à IPS. Antes, esta viúva de 38 anos, a duras penas, sustentava seus três filhos, de 11, 13 e 15 anos, fazendo tortilhas, as massas espalmadas de farinha de milho, básicas na dieta da Mesoamérica.

Ramón é uma das mulheres que participam da elaboração de chocolate em Caluco, povoado de dez mil habitantes do departamento de Sonsonate, um projeto que se integrou a um esforço nacional para resgatar o cultivo do cacau. “Agora tenho renda extra, podemos ver as vantagens que o cacau dá às comunidades”, comemorou Ramón.

Essas mulheres trabalham no chamado “centro de processamento”, que conseguiram montar com muito trabalho, para transformar artesanalmente as castanhas de cacau em tabletes de chocolate orgânico, um processo no qual suas mãos são a principal ferramenta.

O esforço para reviver o cultivo se aglutinou desde dezembro na Aliança Cacau El Salvador, da qual participam cooperativas e agricultores e agricultoras de várias regiões do país, bem como mulheres que se tornaram especialistas na elaboração do chocolate artesanal.
Quatro das mulheres que elaboram chocolate no centro de processamento comunitário de Caluco, ocidente de El Salvador, verificam a massa recém-saída de seu moinho de nixtamal, antes de preparar os tabletes e as figuras variadas de chocolate orgânico. Elas passaram a integrar o projeto Aliança Cacau, com o qual se busca reviver no país um cultivo abandonado depois de ter sido primordial em sua história e sua cultura. Foto: Edgardo Ayala/IPS.

A pasta que sai de um pequeno moinho de nixtamal (moenda de milho e outros grãos depois cozidos ou torrados), acontece de várias formas, geralmente em tabletes redondos. Dissolvidos em água fervente, se convertem em uma das bebidas preferidas dos salvadorenhos.

A Aliança Cacau pretende, nos próximos cinco anos, gerar renda para dez mil famílias produtoras de cacau, em 87 municípios do país, com o plantio de dez mil hectares desse cultivo. Espera-se criar cerca de 27 mil empregos diretos e indiretos. “O projeto está nos ajudando a superar a difícil situação econômica e a aumentar a produção, de modo a melhorar a renda”, explicou à IPS outra produtora, María Alas, de 33 anos, sem parar de elaborar figuras de chocolate.

A Aliança Cacau conta com o aporte de US$ 25 milhões, sendo US$ 20 milhões da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e da também norte-americana Fundação Howard G. Buffet, e o restante de setores locais.

Na época pré-colombiana, o cacau era utilizado nesse país como moeda de troca, e durante o período colonial serviu para pagar tributos à Coroa espanhola. O cultivo de cacau praticamente desapareceu do que hoje é El Salvador após uma série de pragas, mas a popularidade da bebida de chocolate se manteve e para sua elaboração até agora o cacau era importado dos vizinhos Honduras e Nicarágua.

“Por um lado, trata-se do resgate ancestral de um produto enraizado em nossa cultura e, por outro, de obter um desenvolvimento econômico e social para nossas comunidades”, afirmou à IPS a diretora da Casa da Cultura de Caluco, María de los Ángeles Escobar. A aposta em reviver o cacau foi concebida como uma alternativa para paliar os efeitos negativos que a ferrugem do café (Puccina graminis) causou em 21% dos cultivos cafeeiros, segundo estimativas oficiais, diminuindo os empregos e a renda dos camponeses.

Em El Salvador, 38% de seus 6,2 milhões de habitantes vivem na área rural, boa parte em situação socioeconômica vulnerável, agravada pelo impacto da ferrugem e da seca provocada pelo fenômeno El Niño nos cultivos de milho e feijão, que afetou 400 mil pequenos produtores.

No ocidente do país, além de Caluco outros quatro municípios de Sonsonate se integraram ao projeto: San Antonio del Monte, Nahuilingo, Izalco e Nahuizalco, em uma área com forte presença de população indígena. Os produtores das cinco localidades, incluídas as mulheres processadoras, formaram a Associação Cooperativa de Produção Agropecuária Cacau Los Izalcos, para participarem juntos de toda a cadeia produtiva.
Produtores de cacau, a maioria mulheres, durante capacitação sobre adubo orgânico, com o qual enriquecerão os solos de suas áreas de cultivo, em San Simón, município de Mercedes Umaña, no departamento oriental de Usulután, no Sri Lanka. Foto: Edgardo Ayala/IPS.

A cooperativa já soma 111 hectares de cacaueiros plantados. Como estes requerem sombra para se desenvolver, os agricultores aproveitaram para plantá-los junto com árvores frutíferas e que fornecem madeira. A Aliança Cacau dedicou os primeiros meses do projeto a semear e cuidar das sementes nos viveiros, e agora os produtores começam a plantar em suas propriedades. Passarão três anos até que os cacaueiros comecem a dar frutos.

Mas em Caluco já se elabora o chocolate, porque no município havia produtores dedicados ao cacau, que usavam o centro de processamento, completando a produção com cacau importado. De fato, Caluco foi um histórico assentamento do povo pilpil, cujo cacau fez a fama durante a época colonial.

“Esperamos que no próximo ano estejamos em melhor nível de produção. Ainda é pouca, porque a coisa está apenas começando”, apontou à IPS a vice-presidente da cooperativa, Raquel Santos. Quando a produção da cooperativa Los Izalcos estiver em seu apogeu, a Associação pretende produzir cerca de 500 quilos mensais de cacau, acrescentou.

Embora no momento só esteja sendo elaborado chocolate artesanal, os sócios da cooperativa planejam produzir, no futuro, barras de chocolate em nível mais industrial, mas isso dependerá do êxito que tiverem com este primeiro esforço. Desde a fundação da cooperativa, se busca que as mulheres tenham uma participação decisiva no desenvolvimento cacaueiro da região.

O Comitê Local de Cacau de Caluco agrupa 29 agricultores e 25 mulheres processadoras. Possuem um viveiro e já desenvolveram o primeiro centro de armazenagem que receberá a produção da região. 

No viveiro também se ensina aos estudantes da escola local as técnicas do cultivo e a importância que tem em sua história, cultura e, a partir de agora, em sua economia.
Miriam Bermúdez, uma das camponesas que com maior entusiasmo, uniu-se ao projeto para plantar cacau em San Simón, diante do Viveiro La Colmena, onde são preparadas os 25 mil cacacueiros que serão plantadas em 25 hectares dos participantes da iniciativa desse assentamento do município de Mercedes Umaña, ocidente de El Salvador. Foto: Edgardo Ayala/IPS.

Do outro lado do país, no departamento de Usulután, Miriam Bermúdez, de 52 anos, é uma das mais entusiastas participantes do projeto comunitário do Viveiro La Colmena, tanto que convenceu outros moradores de sua vila, San Simón, no município de Mercedes Umaña, a se integrarem à Aliança Cacau.

“Eu bebia chocolate sem nem mesmo conhecer a árvore de onde provinha, e agora aprendi muitas coisas sobre o processo de produção”, contou Bermúdez à IPS, durante uma pausa na capacitação que ela e outro grupo de camponeses e camponesas recebiam sobre adubos orgânicos, que, livres de pesticidas, nutrirão os solos dos cacaueiros.

O viveiro abriga 25 mil plantas, suficientes para cobrir 25 hectares das terras dos agricultores da área. Também conta com um sistema de irrigação para não ser afetado pelas secas cíclicas. Enquanto não chega o momento de plantar as mudas, os agricultores de Mercedes Umaña definem quais espécies de fruta e madeira vão cultivar para que ofereçam sombra aos cacaueiros. Essas árvores também vão gerar renda, ou já estão gerando, se as terras contavam com elas antes.

Bermúdez, em sua área de 0,7 hectares, plantou banana, além de legumes e hortaliças, para garantir sua segurança alimentar. “Quando passa o caminhão que vende verduras, nunca compro, porque pego tudo da minha horta”, contou orgulhosa. Sua neta, Esmeralda, de 16 anos, decidiu seguir seus passos e participa ativamente dos trabalhos que envolvem a produção de cacau em sua comunidade. “Gosto muito de aprender coisas que não sabia, como preparar a terra ou fazer adubo orgânico”, disse à jovem à IPS, ao final da capacitação.

Em Usulután, além de Mercedes Umaña, a promoção do cultivo de cacau se estendeu às localidades de Jiquilisco, San Dionisio, Jucuarán, Jucuapa, California, Alegría, Berlín e Nueva Granada. Em cada município há um viveiro de cacaueiros cuidados por 25 famílias.

Outro componente importante da Aliança Cacau é que o produto final seja de qualidade e orgânico, para impulsionar o desenvolvimento sustentável. O fato de semear cacaueiros já é uma atividade ecológica, pois as árvores em seu esplendor se convertem em florestas. “É muito importante o produtor saber manejar ecologicamente sua plantação, pelo bem do ambiente, e também porque o produto tem maior valor”, destacou à IPS a assessora do projeto, Griselda Alvarenga.

* Esta reportagem integra uma série concebida em colaboração com Ecosocialist Horizons.


Fonte: ENVOLVERDE

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