Megaprojetos exigem desenvolvimento local.
A estação de tratamento de água de Altamira,
praticamente inativa, porque o encanamento, instalado há dez meses nas ruas
desta cidade de 140 mil habitantes, não foram conectados aos imóveis. Altamira
fica a 50 quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia brasileira.
Foto: Mario Osava/IPS.
Por Mario Osava, da IPS –
Altamira, Brasil, 31/8/2015 – Para o megaprojeto de
Belo Monte chegaram muito tarde, mas algumas atuações poderiam melhorar a
imagem das centrais hidrelétricas que aproveitam os rios amazônicos do Brasil,
convertendo-as em um fator de desenvolvimento local efetivo. Em construção
desde 2011 no rio Xingu, Belo Monte destina recursos sem precedentes para
compensar e mitigar seus impactos, no chamado Projeto Básico Ambiental (PBA),
com orçamento de US$ 900 milhões, pelo câmbio atual com o real.
A isso se soma um Plano de Desenvolvimento Regional
Sustentável (PDRS), com verba de US$ 140 milhões, destinados a impulsionar
políticas públicas e melhorar a vida de toda a população da área de influência
da central de energia, que compreende 11 municípios do Estado do Pará.O total
desses recursos corresponde a 12,8% do custo da gigantesca obra no Médio Xingu,
um dos grandes afluentes do rio Amazonas.
Se fosse feita uma distribuição por pessoa,
caberiam US$ 2.500 para cada um dos pouco mais de 400 mil habitantes locais. Os
números apresentados pela empresa concessionária de Belo Monte, a Norte
Energia, não silenciam as queixas e denúncias que, embora originadas por
pequenos grupos, minam a reputação das hidrelétricas como melhor solução
energética para este país sedento de eletricidade.
“A lentidão com que a empresa executa as ações
compensatórias é inversa à velocidade que imprime às obras da hidrelétrica”,
criticou o Fórum de Defesa de Altamira, que reúne 22 organizações contrárias ao
megaprojeto. O atraso mais visível afeta o saneamento da cidade, a principal da
região, que concentra um terço de sua população. Instalados há dez meses, a
rede de esgoto e as tubulações de água continuam inúteis, deixando parcialmente
ociosas também as usinas de tratamento de água potável e de esgoto.
Isso ocorre porque não foi feita a ligação com as
residências e os comércios, uma tarefa em demorada negociação entre a Norte
Energia, a prefeitura e a empresa de saneamento do Pará, mesmo depois que a
companhia se mostrou disposta a assumir seu custo, aumentado pela deterioração
das tubulações.“Além disso, ficou fora a drenagem pluvial, pois a prefeitura
não a incluiu entre as condições exigidas para que a empresa possa operar a
hidrelétrica”, lamentou à IPS o coordenador da Fundação Viver, Produzir e
Preservar, João Batista Pereira. É uma carência destrutiva para as cidades
amazônicas, que recebem chuvas frequentes e torrenciais.
Componente de uma das 18 turbinas que vão gerar
eletricidade na unidade principal da central de Belo Monte, pronto para ser
instalado na gigantesca obra na Amazônia brasileira. Foto: Mario Osava/IPS.
As obras e serviços incluídos no PBA respondem às
exigências do Instituo Brasileiro do Meio Ambiente, a autoridade nacional do
setor, cujo descumprimento pode paralisar o projeto. Mas são regras sujeitas a
flexibilizações e interpretações variadas, conforme demonstram experiências
recentes.Pereira é um dos dirigentes do PDRS, um programa “democrático e
participativo”, no qual os investimentos são decididos por um Comitê Gestor de
15 membros da sociedade e 15 membros dos governos municipal, estadual e
federal.
Os projetos podem ser apresentados por qualquer
organização local que opere nos quatro eixos do plano: regularização da terra e
de assuntos ambientais, infraestrutura, produção sustentável e inclusão social.
Esses eixos e alguns projetos que já financia, como a fábrica de chocolate
Cacauway, que processa a recente produção de cacau, distinguem o PDRS do PBA,
que responde às necessidades imediatas de pessoas afetadas, como indígenas,
pescadores ou famílias deslocadas pela construção da represa.
As ações do PBA foram definidas pelo estudo de
impacto ambiental, prévio à licitação da central e elaborado por pesquisadores.
Os hospitais e clínicas buscam compensar os municípios pelo aumento da demanda
de serviços de saúde, enquantoforam construídas 4.100 moradias para acolher as
famílias desalojadas. As respostas a essas necessidades imediatas acontecem sem
um planejamento integral ou duradouro. Existe apenas um responsável pela
execução, a concessionária, embora sejam tarefas estatais. “É natural a
confusão entre o público e o privado”, afirmou à IPS o diretor da área socioambiental
da Norte Energia, José Anchieta.
O atraso em programas compensatórios, conforme
críticas do Fórum de Defesa de Altamira, gerou caos. Na realidade, muitas
dessas atuações deveriam ter acontecido antes da construção da hidrelétrica. Os
hospitais e ambulatórios foram entregues pela Norte Energia agora, no final da
obra, mas quando foram mais necessários foi há dois anos, durante o maior fluxo
de trabalhadores e população flutuante na região. O mesmo aconteceu com as
escolas e obras de urbanização.
Essa falta de sincronia teve ares de tragédia na
questão indígena. Não foi feito o fortalecimento institucional da proteção à
população originária, mas o contrário, e a presença local da Fundação Nacional
do Indígena (Funai) se enfraqueceu durante as obras de Belo Monte. Acentuou-se
a ausência do Estado.
Entre 2010 e 2012, foi adotado um “plano de
emergência” que distribuiu alimentos industrializados e outros bens às aldeias
indígenas. Isso provocou uma mudança abrupta de hábitos, à qual é atribuído um
grande aumento da desnutrição e mortalidade infantil entre suas populações, que
só recentemente começaram a receber moradias, escolas e insumos para retomada
da produção agrícola.
Ponte em construção em uma estrada à entrada da
cidade de Altamira, na Amazônia brasileira. O atraso na obra impede a
reurbanização das partes baixas da cidade, que serão parcialmente inundadas
pela represa da hidrelétrica de Belo Monte. Foto: Mario Osava/IPS.
O horizonte temporário também afasta o PDRS do PBA,
que deveria terminar antes da formação das represas, prevista para o final
deste ano. O PDRS tem prazo de ação de 20 anos. Além disso, trata-se de “um
importante ambiente de debates, definição de projetos e redefinição de
políticas públicas, que deveria ser perene, transformado em um instituto ou
fundação”, destacou Pereira, para defender a “adoção de sua gestão democrática
por outras agências de fomento”.
O tema preocupa o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), que financia 78% do custo da construção de Belo
Monte. Além de ter uma equipe acompanhando o PDRS, promoveu um estudo para
ordenar seus projetos e suas ideias em uma Carteira de Iniciativas e em uma
Agenda do Desenvolvimento Territorial (ADT) do Xingu.Esse esforço de
planejamento e fomento de um verdadeiro desenvolvimento acontece quando já é
difícil neutralizar os efeitos negativos, que dificultam a construção de novas
hidrelétricas Amazônia adentro, mesmo prometendo uma ADT prévia.
Além disso, Belo Monte realçou, também por motivos
claramente energéticos, os dilemas e desafios da geração elétrica, dramatizados
atualmente por uma forte seca em grande parte do Brasil.Belo Monte, segunda
maior hidrelétrica brasileira em potência e a terceira do mundo, com 11.233
megawatts, agravará as quedas cíclicas da hidroeletricidade no segundo semestre
de cada ano, quando estiver plenamente operacional a partir de 2019.
Isso porque o rio Xingu apresenta a maior variação
estacional em seu fluxo. De 19.816 metros cúbicos por segundo em abril, mês de
maior cheia, baixa para 1.065 metros cúbicos em setembro, no extremo da
estiagem, como média entre1931 e 2003, segundo dados da Eletrobras, principal
empresa do setor.
Provavelmente não exista um rio pior para receber
centrais de passagem, cujas represas não acumulam água para os meses secos.
Belo Monte representará 12% do total de geração hídrica do país, por isso o
efeito desse desnível será enorme, ampliando a demanda por centrais térmicas,
mais contaminantes e caras.A alternativa teria sido uma represa 2,5 vezes
maior, inundando duas terras indígenas, algo vedado pela Constituição brasileira.
Outra pode ser a construção de quatro a seis centrais rio acima, para
regularizar o fluxo do Xingu, como incluía o projeto original da década de
1980, deixado de lado pelas reações contrárias.
Fonte: ENVOLVERDE
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