Portas
abertas à geotermia na América do Sul.
Parte do campo de gêiseres de El Tatio, na região de Antofagasta, norte do
Chile. A energia geotérmica nasce do calor interno da Terra e a força gerada
pelo vapor é usada para mover uma turbina capaz de movimentar um gerador
elétrico. Foto: Marianela Jarroud/IPS.
Por Marianela Jarroud, da IPS –
Ollagüe, Chile, 26/8/2015 – O Chile, um território
cheio de vulcões e gêiseres, iniciou a construção da primeira usina geotérmica
da América do Sul, um projeto que busca ser a porta de entrada desse tipo de
geração de energia no país, cuja matriz energética é composta majoritariamente
por combustíveis fósseis.
O projeto da Central Geotérmica Cerro Pabellón tem
“uma importância gigantesca” para o Estado chileno, que há mais de 40 anos
“iniciou a exploração e perfuração para fins de geotermia”, sem que até agora
se concretizasse um projeto, explicou à IPS o gerente geral da estatal Empresa
Nacional do Petróleo (Enap), Marcelo Tokman.
Localizada no município rural de Ollagüe, 1.377
quilômetros ao norte de Santiago, em pleno altiplano andino, na região de
Antofagasta, Cerro Pabellón “não será apenas a primeira usina geotérmica do
Chile e da América do Sul, mas também a primeira do mundo a ser construída a
4.500 metros de altitude”, acrescentou Tokman.
A usina, propriedade da empresa italiana Enel Green
Power (51%) e da Enap (49%), é composta de duas unidades com capacidade
instalada bruta durante a primeira fase de 24 megawatts (MW) cada uma, mas com
a vantagem de poder gerar de forma contínua. Essa capacidade se iguala em
termos de geração anual a uma central fotovoltaica ou eólica de 200 MW.
A previsão é que a primeira etapa entre em operação
no primeiro trimestre de 2017 e um ano depois sejam incorporados outros 24 MW.
Mas estima-se que a usina possa gerar cerca de 100 MW no médio prazo, em uma
instalação que ocupará 136 hectares. Tokman afirmou que, uma vez em operação,
Cerro Pabellón será capaz de produzir cerca de 340 gigawatts (GW)/hora por ano,
que irão para o sistema interligado nacional e que são equivalentes às
necessidades de consumo de aproximadamente 154 mil famílias chilenas, em um
país de 17,6 milhões de pessoas.
Além disso, evita-se a emissão anual de mais de 155
mil toneladas de dióxido de carbono, ao reduzir o consumo de combustíveis
fósseis, destacou o gerente da Enap. Na fase de exploração foram investidos US$
60 milhões e estima-se que serão investidos mais US$ 320 milhões, destinados em
parte à construção de uma linha de transmissão elétrica de 73 quilômetros.
O deserto de Atacama, o mais árido do mundo, acolhe
parte importante do potencial geotérmico do Chile e é o local da primeira usina
sul-americana para aproveitar essa energia. Foto: Marianela Jarroud/IPS.
A energia geotérmica é produzida pelo calor interno
da Terra, que se concentra no subsolo em lugares conhecidos como depósitos
geotermais, que produzem energia limpa de forma indefinida. Essa energia
calórica é transmitida para a superfície e a força gerada pelo vapor é
aproveitada para impulsionar um turbina capaz de movimentar um gerador
elétrico.
As Filipinas possuem três das dez maiores centrais
geotérmicas do mundo, seguida por Estados Unidos e Indonésia com duas cada,
Itália, México e Islândia com uma cada. O Chile, segundo estudos, é um dos
países com maior potencial geotérmico na América Latina. Seu território longo e
estreito se estende por 4.270 quilômetros sobre as faldas da Cordilheira dos
Antes, a maior cadeia vulcânica da Terra. O país também faz parte do Cinturão
de Fogo do Pacífico.
Para os ambientalistas, a geotermia é uma forma de
geração de relativo baixo impacto, desde que sejam respeitados parâmetros de
escala e localização. “A geotermia é uma energia renovável não convencional, na
medida em que tem pertinência territorial e cultural. A energia por si só não
garante sua sustentabilidade social e ambiental”, apontou à IPS o engenheiro de
geodésia Lucio Cuenca, diretor do Observatório Latino-Americano de Conflitos
Ambientais, com sede em Santiago. Respeitando esses parâmetros, a geotermia “é
uma ótima alternativa energética” para o país, acrescentou.
No caso de Cerro Pabellón, as comunidades próximas
pertencem à reserva natural de Alto El Loa, formada pelas aldeias e comunidades
de Caspana, Ayquina, Turi, Chiu Chiu, Cupo, Valle de Lasana, Taira e Ollagüe,
que, em conjunto, pouco superam os mil habitantes, na maioria indígenas de
atacamenhos e quéchuas.
O Conselho de Povos Originários de Alto El Loa
conseguiu que a Enap e a Enel assinassem um grupo de convênios com essa
representação indígena para a implantação de projetos de desenvolvimento social
para essas comunidades, em compensação pelo impacto do projeto, especialmente
da linha de transmissão. Para os moradores de Alto El Loa, espalhados em
lugares distantes em meio ao deserto de Atacama, se o projeto for sustentável e
beneficiar sua comunidade, é positivo.
Entretanto, alertam para sua preocupação a respeito
de suas tradições. “Gostaria que houvesse maior ajuda e, se isso serve,
bem-vindo seja. Às vezes nos sentimos um pouco abandonados e isolados”, contou
à IPS a atacamenha Luisa Terán, da comunidade de Caspana. “Mas deve ser com
respeito às nossas tradições e isso é o que mais exigem nossos avós”,
acrescentou.
Outros, porém, rejeitam o projeto por considerá-lo
“antinatural” e “violento” para o habitat da região.
“Se alguém causa dano à
Terra, de alguma forma esta vai cobrar. Não se pode perfurar quilômetros para
baixo e nada acontecer”, pontuou à IPS o guia turístico Víctor Arque, de San
Pedro de Atacama, povoado do altiplano a cerca de 290 quilômetros de Ollagüe.
Amanhecer entre os vapores dos gêiseres de El
Tatio, norte do Chile, onde se começa a tirar proveito dessa energia limpa e
infinita com a construção da Central Geotérmica Cerro Pabellón, no município
rural de Ollagüe. Foto: Marianela Jarroud/IPS.
O Chile foi um país pioneiro no estudo do potencial
geotérmico. A primeira exploração foi realizada em 1907, em El Tatio, um campo
de gêiseres a 200 quilômetros de Cerro Pabellón e 4.300 metros de altitude. É o
terceiro do mundo, após um nos Estados Unidos e outro na Rússia. Em 1931, foram
perfurados dois poços nessa área e, no final da década de 1960, o governo
realizou explorações mais sistemáticas, posteriormente abandonadas.
Em 2008, a companhia Geotérmica do Norte, do consórcio
energético italiano Enel, iniciou uma exploração na Quebrada do Zoquete, a
poucos quilômetros de El Tatio, utilizando os equipamentos ali instalados. Em
setembro do ano seguinte, uma coluna de vapor de água de 60 metros de altura se
levantou de um dos poços onde a empresa extraía e reinjetava fluidos
geotérmicos. Essa anomalia, provocada pela falha de uma das válvulas, durou
mais de três semanas e levou o governo a revogar a permissão.
Tokman, então ministro da Energia, recordou o
episódio. “Felizmente se tomou a precaução de exigir para esse projeto
diferentes instrumentos de medição para garantir que o reservatório-fonte fosse
mais profundo e diferente do de El Tatio”, afirmou.
Para Cuenca, o erro foi “ter reiniciado um programa
de geotermia no Chile fazendo tudo o que não deveria ser feito, isto é,
intervir em um lugar onde há comunidades indígenas, que têm alto apreço
turístico e econômico, só com a finalidade de aproveitar a infraestrutura que
já estava instalada.
Contudo, os especialistas alertam que a geotermia
não é nenhuma panaceia para resolver o déficit de energia do Chile, pois, se há
algo que o país aprendeu, é que é preciso ter uma matriz diversificada.
Mas, se
for confirmado o potencial que o Chile apresenta, Cerro Pabellón poderia abrir as
portas para um desenvolvimento maior da geotermia, não apenas no país, mas
também na América do Sul.
Avanços sul-americanos
O Brasil tem as duas maiores reservas subterrâneas
de água doce do mundo: o Aquífero Guarani e Alter do Chão, mas sem potencial geotérmico,
segundo um estudo de 1984 atualmente em reavaliação. Dentro de um acordo com a
Alemanha para buscar fontes alternativas de energia, está incluída a geotermia.
São seis os países latino-americanos que integram o
Cinturão de Fogo do Pacífico, um cordão vulcânico com territórios virgens para
a exploração da geotermia: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
Em 1988, a Argentina construiu Copahue I, uma
central geotérmica experimental de capital japonês, que fornecia 0,67 MW e
ficou inoperante. Atualmente, entre seus projetos energéticos está a construção
da central geotérmica Copahue II, nas termas de Copahue, na província de
Neuquén, que geraria 100 MW.
No Peru, um estudo preliminar da Agência
Internacional de Cooperação do Japão e do Ministério de Minas e Energia
revelou, em 2013, que o país tem um potencial geotérmico de três mil MW/hora.
Mas até agora não há projetos de usinas geotérmicas.
Em fevereiro, o presidente da Bolívia, Evo Morales,
anunciou que, a partir de 2019, o país exportará eletricidade para seus
vizinhos, procedente da Usina Geotérmica Laguna Colorada. O projeto, financiado
pelo Japão, tem duas etapas, cada uma de 50 MW.
Fonte: ENVOLVERDE
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