Ribeirinhos de Rio Madeira (RO)
estão sob maior risco de exposição ao mercúrio.
Por Isabela Schincariol
O
organismo humano conta com um sistema capaz de proteger nosso corpo da ação de
radicais livres, que são moléculas produzidas durante o processo de respiração
aeróbica, ou no metabolismo de substâncias químicas, e que podem causar danos
celulares. O excesso de produção dessas moléculas causa o estresse oxidativo:
um desequilíbrio estre espécies oxidantes e antioxidantes. As consequências
desse desequilíbrio têm diversos efeitos, desde o envelhecimento precoce até a
manifestação de certos tipos de câncer.
Uma
pesquisa da ENSP sobre a exposição humana ao mercúrio (Hg) apontou que
populações ribeirinhas com dietas ricas em peixe estão sob maior risco de
exposição à essa substância química tóxica, que está associada ao processo de
estresse oxidativo.
O estudo
analisou crianças e adolescentes em três comunidades em Rondônia, na área de
influência do rio Madeira, e os biomarcadores de exposição em ribeirinhos se
mostraram elevados, o que representa maior risco de alterações no
desenvolvimento cognitivos dessas crianças e adolescentes. O Hg na região
amazônica é um problema ambiental que pode influenciar a saúde dos habitantes
da localidade. Seja de origem natural ou passivo dos garimpos de ouro das
últimas décadas, ele deve ser monitorado, permitindo um acompanhamento dos
níveis no ambiente e na saúde da população.
O foco
desta pesquisa foram populações ribeirinhas infantojuvenis localizadas no rio
Madeira, em Rondônia. Das três comunidades estudadas – Belmont (ribeirinha
urbano), Nacional (urbana) e Cuniã (ribeirinha isolada) –, a última foi a que
apresentou os mais elevados níveis de contaminação por Hg. O estudo,
desenvolvido pelo aluno de mestrado em Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP,
Leandro Vargas Barreto de Carvalho, demonstrou que os níveis de Hg no sangue e
no cabelo desses moradores da comunidade Cuniã estão acima dos valores de
referência da Organização Mundial de Saúde (OMS) para populações não expostas
ambientalmente ao mercúrio.
O aluno
comentou que a região amazônica possui atualmente grandes empreendimentos na
área de produção e geração de energia hidrelétrica. O rio Madeira conta com
duas usinas: Santo Antônio e Jirau – que estão em construção, e suas
instalações ficam próximas a capital do estado, Porto Velho. Estas obras têm impactos
positivos, como geração de empregos, renda e energia, mas há também impactos
socioambientais e na saúde que podem alterar a qualidade de vida e o perfil de
morbimortalidade do povo local.
Conforme
já mencionado, a região amazônica possui solos naturalmente ricos em Hg, no
entanto, a construção de lagos para hidrelétricas e o alagamento de grandes
áreas por barragens pode mobilizá-lo, aumentando a disponibilidade deste metal
nos sistemas aquáticos em sua forma orgânica mais tóxica: o metilmercúrio (MeHg).
Essa substância é biomagnificada na cadeia alimentar atingindo maiores
concentrações em peixes carnívoros, sendo esses a principal fonte de proteína
de comunidades ribeirinhas.
O seu
trabalho – intitulado Avaliação dos níveis de estresse oxidativo induzido
por exposição ao mercúrio em população ribeirinha infantojuvenil do Rio Madeira
(RO) e orientado pela pesquisadora do Departamento de Endemias Samuel
Pessoa da ENSP, Sandra de Souza Hacon -, evidenciou que a comunidade ribeirinha
isolada de Cuniã tem maiores níveis de mercúrio em sangue (Hg-S) e mercúrio em
cabelo (Hg-C), quando comparados com comunidades urbanas, da cidade de Porto
Velho (RO). “Os níveis de Hg aumentaram conforme aumentou a frequência de
consumo de peixes, possivelmente contaminados com esse metal”, detalhou
Leandro.
A
exposição ao mercúrio leva à alterações metabólicas que desencadeiam o processo
conhecido como estresse oxidativo, que é um resultado do desequilíbrio entre o
sistema pró e antioxidante, com predomínio dos oxidantes, gerando dano celular.
Este dano está relacionado ao aparecimento de diversos tipos de doenças
neurodegenerativas, do coração, disfunções cognitivas e câncer”, ressaltou o
aluno.
De acordo
com Leandro, a utilização de biomarcadores de efeito do estresse oxidativo pode
trazer um importante panorama de alterações metabólicas precoces relacionadas a
uma situação de exposição ambiental ou ocupacional. Porém, disse ele, esse tipo
de estudo sempre deve ser feito utilizando também biomarcadores de dose interna
específicos, para que associações possam ser feitas com maior validade estatística
e confiabilidade. Outra questão destacada por ele é que fatores de influência
não específicos para o estresse oxidativo devem ser estudados, para que não
interfiram nos resultados encontrados.
Leandro,
que integra o Laboratório de Toxicologia do Centro de Estudo em Saúde do
Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP (Cesteh), comentou que a proposta desta
pesquisa foi chamar atenção para os desdobramentos sobre a saúde humana e
ambiental que os grandes empreendimentos podem trazer. “Hidrelétricas são uma
fonte de energia limpa e renovável, mas o nosso modelo de desenvolvimento faz
com que estes grandes projetos sejam concebidos e executados de uma forma
incompleta, onde riscos à saúde humana e ambiental não sejam adequadamente
dimensionados em etapas de planejamento”, alertou.
O
trabalho do aluno faz parte do projeto Inova ENSP 2013-2015 Avaliação de
Impacto à Saúde: A construção de uma ferramenta para a gestão socioambiental de
projetos de desenvolvimento na Amazônia. Para seu desenvolvimento, selecionou-se
como alvo crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, devido ao fato de ser um
grupo pouco estudado e com maior impacto sobre a saúde quando exposto ao
metilmercúrio (MeHg).
A
pesquisa contou com a colaboração das Secretarias de Saúde e Educação de Porto
Velho, que aceitaram o desenvolvimento do estudo nas escolas selecionadas e,
posteriormente, com seus professores. O trabalho contou ainda com a
participação do Laboratório de Absorção Atômica da PUC-Rio, nas análises de Hg
em sangue e cabelo.
O foco na
população infantojuvenil se deu porque, segundo Leandro, crianças e
adolescentes apresentam um metabolismo diferenciado de adultos. “Sua
vulnerabilidade a exposições ambientais é aumentada em situações em que
questões sociais estão envolvidas, como é o caso dos ribeirinhos.
Estes tendem
a nascer e crescer numa mesma região, com dietas baseadas em peixes como
principal fonte proteica, que podem estar contaminados com Hg. A saúde e
educação nestas regiões é fraca. Com isso, problemas de saúde relacionados às
exposições ambientais e seus desdobramentos no desenvolvimento e aprendizado
infantil são de difícil detecção.
Com seu
trabalho, Leandro defendeu que comunidades ribeirinhas isoladas estão sob maior
risco de exposição ao mercúrio, consequentemente, têm maiores riscos de
alterações no desenvolvimento cognitivo. “O Ministério da Saúde não tem um
programa de vigilância voltado para estas populações. E este trabalho mostra a
importância do desenvolvimento de estratégias políticas que contemplem questões
de saúde ambiental e saúde infantil locais, como programas de monitoramento da
exposição”, justificou ele.
*Foto de
capa: Agência Pública
Fonte: EcoDebate
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