Rede de Sementes do Xingu formaliza a sua produção.
Por Danilo Ignacio Urzedo, do ISA –
Lei de sementes e mudas é aplicada como
estratégia para a gestão da qualidade e garante a adequação legal da iniciativa.
Os debates e ações em torno da conservação e restauração
da biodiversidade tem esbarrado em um gargalo legal. Trata-se da lei de
sementes e mudas que torna obrigatória uma série de procedimentos e
documentações para a venda de sementes e mudas no Brasil. Se por um lado, a lei
se propõe a aplicar um sistema nacional de controle de qualidade de sementes e
mudas com fiscalização, por outro, escancara as limitações para colocar tais
exigências em prática, considerando a realidade das iniciativas e comunidades
rurais. Esses cenários controversos trazem uma importante questão: como
conseguir sementes e mudas legalizadas para a recuperação de áreas degradadas
no Brasil?
A Rede de Sementes do Xingu incorporou a questão
em sua atuação para estudar e propor um plano estratégico de adequação para que
as sementes possam ser utilizadas. Para além de cumprir puramente as exigências
burocráticas, a Rede partiu do princípio de que a melhor opção seria adequar-se
à lei, o que traria ganhos efetivos na qualidade da produção e na gestão da
iniciativa.
A adequação legal é um trabalho que exige tempo e
formação, já que os seus reflexos incidem na gestão de toda a cadeia de
produção de sementes. Há alguns anos, as questões legais estavam mais distantes
das atividades e do trabalho dos coletores. Com a lei de sementes e mudas o cenário
se alterou.
Um levantamento realizado em 2012, sinalizou que
por mais que os coletores da Rede avaliassem como importante a existência de um
sistema nacional para controlar a qualidade, eles não conheciam a lei e suas
implicações na prática.
Hoje a Associação conquistou a sua inscrição no
Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem).
“É inédito uma associação
comunitária se credenciar para produzir sementes de acordo com a legislação
vigente. Esse resultado é fruto da construção participativa, passo a passo.
Espero que essa conquista possa encorajar outras iniciativas Brasil afora a
seguir o mesmo caminho”, avalia Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa
Xingu.
O tema qualidade de sementes tem ocupado espaços
e atividades no cotidiano da Rede, sendo tratado em oficinas e encontros com a
participação dos coletores e técnicos. Assim, foi construído um caminho
participativo para a adequação legal, o que representa que a legalização das
sementes é apenas um dos resultados de um processo maior voltado continuamente
para a qualidade. Nesse caminho, muitas parcerias têm fortalecido essas
proposições, caso do Laboratório Qualidade de Sementes da Universidade Estadual
de Mato Grosso (Unemat), com o qual a Rede atua conjuntamente realizando os
testes de qualidade dos lotes de sementes.
Além de atuar na legalização das sementes, a Rede
também tem sido propositiva contribuindo com reformulações e adaptações da
legislação. Nesse sentido, tem participado de comissões sobre o tema para
respaldar com dados práticos as novas proposições. Isso é de fundamental
importância, já que as atividades de produção de sementes florestais são de
base familiar e comunitária, o que torna prioritário unir a dimensão social e
econômica das comunidades rurais nos requisitos legais.
O que diz a lei de sementes e mudas?
Desde os anos 1970, o Brasil tem uma legislação
específica para tratar do controle do governo na venda de sementes. No entanto,
somente em 2003 foi criado um Sistema Nacional de Sementes e Mudas (Lei nº
10.711). De forma geral, a legislação trata do controle da qualidade física,
fisiológica, sanitária e da procedência das sementes.
O pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril, Ingo Isernhagen, afirma que um dos grandes ganhos com a legislação é a possibilidade de o consumidor ter acesso às origens das sementes e mudas, ou seja, a rastreabilidade. Para isso, a lei torna obrigatório que a atividade de produção seja acompanhada por um responsável técnico (Engenheiro Florestal ou Agrônomo), além de uma série de documentos e processos, como o mapeamento das áreas de coleta, credenciamento de coletores e a análise laboratorial das sementes.
A professora da UFSCar, Fatima Piña-Rodrigues,
avalia que a legislação trouxe uma proposta para a organização do sistema
produtivo, com uma característica educativa para auxiliar no planejamento. “Um
importante avanço foi o reconhecimento da figura do coletor de sementes como um
prestador de serviços. Outro ganho são os testes de qualidade para serem
apresentados ao comprador, o que adiciona valor às sementes”, avalia.
O conjunto de todas as demandas legais exige
investimentos de recursos humanos, financeiros e tecnológicos. Uma das grandes
questões colocadas pela legislação é que as sementes florestais para
restauração ecológica são tratadas do mesmo modo que os cultivares agrícolas ou
espécies. Isso acarreta uma grande lacuna na adequação da produção, já que os
materiais genéticos e sistemas produtivos e tecnológicos são diferenciados, mas
pautados pela mesma lei.
Apenas em 2011, foi publicado pelo Ministério da Agricultura a Instrução Normativa N° 56 para auxiliar na execução dos parâmetros legais relacionados às sementes de espécies florestais. Para Ingo Isernhagen é necessário permitir certa flexibilidade em alguns casos. “Não existe uma ‘receita’ que possa ser aplicada a todas as espécies, e é preciso avançar nas pesquisas sobre como, na falta de condições ideais, os coletores de sementes conseguiriam vencer essa barreira sem prejuízo ao consumidor final”, afirma.
Ainda muitas adaptações são necessárias, por isso
a Comissão Técnica de Sementes e Mudas de Espécies Florestais Nativas e
Exóticas tem atuado para propor soluções nesse sentido para o setor. Para a
profa. Fatima Piña-Rodrigues, integrante dessa comissão, a legislação exige
documentos complexos que não consideram as características ecológicas das
espécies florestais. “Existe uma grande diversidade de fenologia entre as
espécies florestais, e por mais que seja feito um planejamento surgem novas
oportunidades de coleta de outras espécies. No entanto, é exigido que os relatórios
de produção sejam atualizados com a listagem das novas espécies que venham a
ser coletadas”, aponta.
Quais são os passos dados pela Rede para
a formalização da produção?
A primeira ação se deu com a institucionalização
da iniciativa, por meio da identidade jurídica de uma Associação com finalidade
social, produtiva e comercial. A partir daí um planejamento foi adotado para
inscrever a iniciativa no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem),
contando com a participação das organizações parceiras e dos grupos de
coletores de sementes.
Entre as etapas, a Rede atuou no credenciamento
de um responsável técnico e na organização documental para a inscrição da
Associação no Renasem. O processo tem sido acompanhado pela Superintendência
Federal de Agricultura do Mato Grosso (SFA-MT). Obter o registro não é uma
etapa única, as atividades são contínuas e dinâmicas, e devem ser incorporadas
em toda a gestão da iniciativa de forma contínua.
Quais são as perspectivas legais para o
setor de sementes florestais?
A promoção da restauração ecológica no Brasil
ainda é restringida por entraves legais, principalmente quando são envolvidas
comunidades e redes sociais para fomentar novos arranjos econômicos e
produtivos. “O fato é que a lei, sozinha, pouco serve. O ‘ideal’ seria um
conjunto de ações que implementem a lei e deem apoio à pesquisa e extensão
rural, onde a temática de adequação ambiental é tratada de forma muito
marginal. Assim, ciência, técnica, extensão rural, educação, fiscalização e
correta gestão de negócio poderiam ser contemplados”, considera o pesquisador
Ingo.
Além disso, dependendo de como as informações e
dados do Renasem serão aplicados mais adiante das exigências legais, existem
possibilidades de se construir canais de troca de informação e comunicação para
o fortalecimento do setor. “O Renasem pode ser utilizado como um importante
instrumento político, pois pode informar quem, o que e quando são produzidas as
sementes. Se essas informações forem divulgadas pelo sistema para o público
serão democratizadas”, indica a professora Fátima.
Para saber mais sobre a Rede de Sementes do Xingu
clique aqui.
Fonte: Instituto
Socioambiental
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