Nova Lei Florestal trouxe retrocesso ambiental em
três municípios do Xingu.
Pesquisa realizada em Brasil Novo (PA),
Querência e Canarana (MT), na zona de expansão do desmatamento na Amazônia,
mostra que número de produtores rurais que precisará se regularizar não caiu
com o novo Código Florestal e que inclusão no Cadastro Ambiental Rural não
significa redução do desmatamento em MT.
Uma pesquisa realizada pelo ISA conclui que o
novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) significou retrocessos ambientais em
pelo menos três municípios da Bacia do Rio Xingu: Brasil Novo (PA), Canarana e
Querência (MT).
O levantamento comparou o tamanho das Áreas de
Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RL) segundo o Código Florestal
revogado e a nova lei, nos três municípios, procurando identificar a variação
do número de propriedades regularizadas ambientalmente. A conclusão é de que o
número de propriedades rurais com passivo ambiental não foi reduzido
significativamente. O percentual de produtores rurais que não precisará
recuperar APPs em propriedades de até dois módulos fiscais subiu apenas 2%, de
57% para 59%. Nas áreas de até 10 módulos, o número subiu de 37% para 43%. Nas
grandes propriedades, ele não se alterou, ficando em 23%.
Apesar disso, o trabalho identificou uma redução
expressiva da extensão desmatada a ser reflorestada. Nas áreas analisadas nos
três municípios, foi observado um total de sete mil hectares de APPs
desmatadas. Desse total, quatro mil hectares foram considerados como áreas
“consolidadas” e não precisarão ser restauradas, ou seja, 53,28% do total de
APPs foram anistiadas, segundo a nova legislação.
A pesquisa levou um ano para ser feita e tem o
apoio da Aliança pelo Clima e Uso da Terra (Clua, na sigla em inglês).
“Observou-se que as anistias promovidas para APPs
não ampliaram, na magnitude esperada, o número de produtores regularizados”,
analisa Heber Queiroz Alves, analista de Geoprocessamento do ISA. “Aqueles que
optaram por proteger os seus recursos hídricos, estão conservando faixas de
proteção amplas, maiores que as previstas no antigo Código Florestal. Já o
produtor que, por diversos motivos, prioriza a ampliação do uso agropecuário
sobre a proteção dos cursos d’água, não respeita sequer as faixas mínimas
preconizadas no novo Código Florestal”, acrescenta Alves.
No caso da RL, a nova lei promoveu uma anistia de
97,3 mil hectares nos três municípios, o que corresponde a uma redução em torno
de 20% do passivo anterior. Nas propriedades até dois módulos, com o novo
Código todos os produtores estão regularizados. No antigo, eles eram apenas
16%. Até 10 módulos fiscais, a regularização passou de 16% para 51%. A
regularização em relação à RL nas grandes propriedades passou de 39% para 42%.
Alves afirma que essa redução de tamanho das APPs
e RL implica sérios problemas ambientais, como erosão, assoreamento, diminuição
da quantidade e qualidade da água e perda da biodiversidade. “Proteger matas de
beira de rios não é um capricho de ambientalistas, é uma questão de segurança
hídrica. Diminuir sua proteção só agravará a cada dia as crises de
abastecimento de água”, defende.
Caminho para tirar Código do papel é
longo
Os resultados da pesquisa em três municípios na
principal zona de ampliação do desmatamento na Amazônia reforçam que o caminho
para tirar o novo Código Florestal do papel ainda é muito longo.
“O que podemos afirmar com os resultados do
estudo é que a redução absoluta de hectares a serem restaurados ou compensados
nos municípios não está trazendo um movimento de adequação socioambiental das
propriedades”, ressalta Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa Xingu do
ISA. “Fica claro que quem estava ambientalmente adequado ou a caminho de se
adequar não se beneficiou dessa nova lei. E quem, em tese, poderia se
beneficiar não fez, não está fazendo e dificilmente fará a restauração
florestal. Essa redução das exigências apenas tornou mais vulneráveis áreas
críticas como as Áreas de Preservação Permanente ao longo dos cursos hídricos”.
No início de maio, o governo federal anunciou a
prorrogação do prazo, de 5 de maio deste ano para 5 maio de 2016, para que os
produtores rurais entrem no Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro eletrônico
obrigatório para todos os imóveis rurais criado pelo novo Código que pretende
integrar as informações ambientais. Quem não tiver seu cadastro a partir dessa
nova data, não terá acesso a crédito rural oficial, por exemplo (saiba mais
sobre a nova lei e o CAR no quadro no final do texto).
A região com maior adesão ao CAR até agora é a Amazônia, com destaque para o Mato Grosso. Até o dia 5/5, cerca 67,5 mil imóveis do estado, 45% do total, haviam sido registrados, o que corresponde a 67% (47 milhões de hectares) da área total, conforme base de cálculo da Secretaria de Meio Ambiente (Sema).
Campeão do cadastramento e do desmatamento
A maior parte dos cadastros no Mato Grosso é de
pequenas propriedades (até quatro módulos fiscais), com 48,4 mil imóveis. A
meta da Sema é alcançar ainda este ano 56 milhões de hectares cadastrados. No
Estado, o município com maior área cadastrada é Paranatinga, com 1,5 milhão de
hectares cadastrados. Querência e Canarana, nas cabeceiras do Rio Xingu, já têm
cadastrados 935 mil hectares (Querência) e 611 mil (Canarana), ocupando
respectivamente a décima e a vigésima sexta colocações no ranking do estado.
Se o Mato Grosso possui até o momento a maior
área cadastrada, também ocupa o primeiro lugar em desmatamento nos últimos
meses. O desmate da floresta amazônica cresceu 76% em março no estado em
comparação com o mesmo mês do ano passado. Os dados são do Instituto do Homem e
Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Em toda Amazônia, o desmatamento cresceu
195% no mesmo período. Entre agosto de 2014 e março de 2015, foi desmatada uma
área de 639 km² em Mato Grosso. Em toda a região amazônica o desmate foi de 1.761
km². Os municípios com maior desmatamento em todo o bioma, Itaúba e Feliz
Natal, são mato-grossenses.
Conforme a Secretaria de Meio Ambiente do Mato
Grosso (Sema), o combate ao desmatamento ilegal no estado representa prioridade
para a atual gestão e é um dos compromissos estabelecidos pelo marco nº 5 do
Acordo de Resultados. Para atender a esta demanda, a Sema fez uma parceria de
trabalho com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama). “A proposta é realmente obter resultados mais eficientes.
Além da responsabilização administrativa, com aplicação de multas, nós também
queremos que haja a responsabilização criminal desses infratores”, enfatiza a
secretária Ana Luiza Peterlini.
Até agora, apenas 1,4 milhão de imóveis em todo o
país foram cadastrados, o que corresponde a 1/4 do total de áreas cadastráveis
do país e pouco mais da metade da área total cadastrável. O número corresponde
a 196,7 milhões de hectares. São estimados em quatro milhões o número de
propriedades brasileiras ainda não cadastradas.
Veja abaixo os gráficos que compõem o estudo do Uso do Solo nos imóveis rurais selecionados (Canarana, Querência e Brasil Novo)considerados a partir do mapeamento realizado sobre imagens de alta resolução.
A pesquisa
A equipe de pesquisa do ISA construiu uma base de
dados de limites fundiários de cada município e interpretou imagens de satélite
para identificar classes de água, área aberta, vegetação primária, vegetação
secundária maior de 5 anos e vegetação secundária menor de 5 anos nas
propriedades. Os imóveis analisados foram divididos em três unidades: de até
dois módulos fiscais, que são pequenos proprietários; entre dois e dez módulos
fiscais, que são médios proprietários; mais de dez módulos fiscais, que engloba
grandes fazendeiros. Ao todo, foram analisados 299 imóveis de um total de 2.725
nos três municípios. O número de imóveis mapeados foi definido com base em um
procedimento de amostragem estatística, que de forma similar à realizada nas
pesquisas eleitorais, selecionou um número suficiente de amostras, obtendo 95%
de nível de confiança.
O novo Código Florestal
O Código Florestal revogado pela Lei nº 12.651/12
obrigava a recomposição das áreas de APPs desmatadas na sua integridade. A nova
lei isenta de recomposição as áreas consolidadas (em uso agropecuário) até
julho de 2008, prevendo a recomposição ou a manutenção de uma faixa
significativamente reduzida em relação à APP original. Com a nova legislação
florestal, o tamanho da APP passa a ser feito a partir do leito regular do rio
e não mais em relação ao leito maior. Essas áreas se tornaram, em grande parte,
áreas rurais consolidadas.
Em relação à Reserva Legal, o novo Código
apresenta duas diferenças significativas. A primeira é que o cálculo da RL deve
incorporar as áreas de APP e, a segunda é que os imóveis menores que quatro
módulos fiscais não terão obrigação de recompor o passivo de Reserva Legal
gerado até 22 de julho de 2008. Isto é, se um produtor desmatou seu lote
inteiro antes de 2008 e o imóvel é menor de quatro módulos fiscais, o produtor
não terá nenhuma obrigação de recomposição além das faixas obrigatórias das
APPs.
O que é o CAR?
Cadastro Ambiental Rural é um registro eletrônico
obrigatório, gratuito, declaratório e permanente para todos os imóveis rurais,
com a finalidade integrar as informações ambientais referentes à situação das
Áreas de Preservação Permanente – APP; das áreas de Reserva Legal – ARL; dos
remanescentes de vegetação nativa – VN; das Áreas de Uso Restrito – UR e das
áreas consolidadas – AC das propriedades e posses rurais do país, compondo uma
base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico
e combate ao desmatamento.
Área de Preservação Permanente (APP)
Área de Preservação Permanente – APP: área
protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e
assegurar o bem-estar das populações humanas; (art. 3º, II)
Reserva Legal (RL)
Área localizada no interior de uma propriedade ou
posse rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos
recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos
processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o
abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa; (art. 3º, III).
Fonte: Instituto
Socioambiental
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