Amazônia reflorestada.
Darcírio Wronski mostra as amêndoas de cacau
secando ao sol no pátio de sua casa, com as quais elabora manteiga de cacau.
Sua família é uma das 120 agrupadas em seis cooperativas que elaboram cacau
orgânico na região de Medicilândia e Altamira, no Estado do Pará. Foto: Mario
Osava/IPS.
Por Mario Osava, da IPS –
Cultivadores de cacau orgânico reflorestam Amazônia
brasileira –
Medicilândia, Brasil, 10/6/2015 – “Agora nos damos
conta do paraíso em que vivemos”, reconheceu Darcírio Wronski, líder dos
produtores de cacau orgânico na região onde a rodovia Transamazônica cruza a
bacia do rio Xingu, no norte do Brasil. Além do cacau, em seus cem hectares ele
cultiva banana, cupuaçu (Theobroma grandiflorum), abacaxi, maracujá (Passiflora
edulis) e outras frutas, nativas ou não.
Com as frutas, sua mulher, Rosalina Brighanti,
prepara geleias, que são tentações por si mesmas, ou recheios de barras de
chocolate, que ela e seus ajudantes produzem artesanalmente. Tudo com
certificado orgânico.
Mas era mais parecida com o inferno a realidade que
ambos enfrentaram nos anos 1970, quando migraram separadamente do sul do Brasil
para Medicilândia, município que se apresenta como “a capital nacional do
cacau”, onde se conheceram, se casaram em 1980 e tiveram quatro filhos, que
hoje trabalham com eles na propriedade.
Vieram para a Amazônia devido à publicidade
enganosa do governo, na época uma ditadura militar, que prometia muita terra
com toda a infraestrutrura e os serviços de saúde e educação em assentamentos
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O objetivo era
ocupar a Amazônia, considerada um vazio demográfico vulnerável a invasões e
manobras internacionais, que poderiam tirar do Brasil a soberania sobre o
imenso território de selvas, rios e possíveis riquezas minerais.
A Transamazônica – uma estrada projetada para
percorrer 4.965 quilômetros cruzando horizontalmente o país desde o nordeste
até o extremo oeste – seria um eixo dessa integração amazônica à nação, ao
longo do qual se assentaram milhares de famílias rurais, procedentes de outras
regiões do país. Inconclusa, sem pavimentação nem pontes adequadas, a estrada
logo ficou intransitável em muitos trechos, especialmente na época das chuvas.
Os assentados ficaram abandonados, praticamente
isolados, e provocando um extenso desmatamento.
Medicilândia é produto desse
processo. Seu nome homenageia o general e presidente Garrastazú Médici
(1969-1974), que inaugurou a Transamazônica em 1972. O lugar surgiu no
quilômetro 90 da rodovia, se expandiu até ser reconhecido como município, em
1989, onde agora vivem cerca de 29 mil pessoas.
Rosalina Brighanti, conhecida como Dona Rosa, em
sua cozinha, onde prepara doces, com o cartaz dos chocolates orgânicos, feitos
sob padrões especiais da família, reconhecidos por consumidores e comerciantes
no Brasil e no exterior. Foto: Mario Osava/ IPS.
“Para os pioneiros da colonização foi uma tortura.
Aqui não tinha nada para se comprar ou vender. Para comprar alguns alimentos
tínhamos que viajar até Altamira, a cem quilômetros por estrada sem asfalto”,
recordou Rosalina, de 55 anos, mais conhecida como Dona Rosa.
Natural do Estado de Santa Catarina, onde seu pai
tinha uma pequena propriedade, impossível de dividir entre os dez filhos,
Wronski buscou o “sonho amazônico”. Após fracassar com cultivos tradicionais
como arroz e feijão, acabou comprando uma área e plantando cacau, um cultivo
local incentivado pelo governo. Sua opção pela produção orgânica acelerou o
reflorestamento de suas terras, onde antes se cultivava cana-de-açúcar.
O cacau agora aparece como alternativa para geração
de empregos e de renda para mitigar o desemprego local, quando terminar a
construção de Belo Monte, a gigantesca hidrelétrica sobre o rio Xingu,
localizada perto de Altamira, principal cidade da região que engloba 11
municípios. Suas primeiras turbinas devem gerar energia a partir deste ano, e
as últimas em 2019.
A atração de empregos fixos nas obras de Belo Monte
tirou mão de obra do cacau. “Isso provocou a perda de 30% na colheita de cacau
de Medicilândia este ano”, contou Wronski à IPS durante uma visita à sua
plantação. “Conheço uma família que tem 70 mil cacaueiros cujo filho trabalha
em Belo Monte e não na colheita”, disse este produtor de 64 anos. A expectativa
é que os trabalhadores voltem ao cacau quando se intensificarem as demissões
nas construtoras, com a proximidade do final das obras.
Para a manutenção das plantações são suficientes as
famílias que vivem nas propriedades, mas a colheita exige mão de obra
adicional. Essa situação não preocupa o casal Wronski-Brighanti. Em sua
propriedade vivem seis famílias, duas de parentes e três de meeiros, que
trabalham parcelas da plantação em troca de metade da colheita. Além disso,
contam com trabalhadores ocasionais procedentes de uma agrovila vizinha, onde
vivem cerca de 40 famílias, boa parte sem cultivos próprios.
As propriedades de cacau empregam muita gente
porque “sua mão de obra é 100% manual, não há máquinas para colher e quebrar
seus frutos”, explicou à IPS o técnico local Alino Zavarise Bis, da Comissão
Executiva do Plano de Cultivo do Cacau (Ceplac), órgão estatal de fomento,
assistência técnica e pesquisas.
Além de empregos e renda que mantêm as famílias no
campo, o cultivo de cacau impulsiona o reflorestamento. Medicilândia ainda tem
dois terços de população rural e, vista do ar, mostra ser um município que
conservou suas florestas nativas. Isso ocorre porque os cacaueiros necessitam
da sombra de árvores mais altas, para sua saúde e produtividade. Quanto estão
crescendo, se usa a sombra de bananeiras, o que, por sua vez, aumentou muito a
oferta local desse fruto.
Cacaueiro carregado de frutos, à sombra de algumas
plantas de banana, na propriedade da família Wronski, no município de
Medicilândia, no Pará, na Amazônia brasileira, onde os produtores orgânicos
ajudam a reflorestar a região. Foto: Mario Osava/ IPS.
“Temos o privilégio de trabalhar à sombra”, brincou
Jedielcio Oliveira, coordenador comercial do Programa de Produção Orgânica,
desenvolvido na região Transamazônica/Xingu pelo Ceplac, por outras
instituições nacionais e pela Agência Alemã de Cooperação Técnica. Porém, a
produção orgânica ainda é muito pequena, apenas 1% do total do Estado do Pará,
onde fica Medicilândia e toda a área de influência de Belo Monte.
“São cerca de 800 mil toneladas anuais de amêndoas
de cacau e um nicho de 120 famílias, agrupadas em seis cooperativas”, afirmou
Bis. Wronski preside uma delas, a Cooperativa de Produção Orgânica da Amazônia,
e acaba de ser eleito para encabeçar a Cooperativa Central, recém-criada para
coordenar atividades, como a comercialização, das seis sociedades de
produtores.
“O produtor orgânico deve ter um perfil distinto,
mais sensível à preservação ambiental, à sustentabilidade. Enquanto o
convencional objetiva a produtividade e os ganhos, o orgânico busca o
bem-estar, a saúde familiar e a conservação da natureza, sem ignorar lucro, já
que obtém preços melhores”, explicou o técnico do Ceplac.
Por essa razão, uma nova adesão só acontece por
convite de um sócio da cooperativa, aprovação em assembleia e “um processo de
conversão que dura três anos, tempo necessário para desintoxicar o solo”, que
recebeu venenos e fertilizantes químicos, acrescentou Bis. “O sistema de
produção tem de ser orgânico, não apenas o produto final”, ressaltou à IPS
outro produtor de cacau, Raimundo Silva, de Uruará, município a oeste de
Medicilândia, e responsável comercial pela nova Cooperativa Central.
O cacau orgânico do Pará abastece, por exemplo, o
grupo austríaco Zotter Chocolates, que anuncia uma variedade de 365 sabores e a
prática do comércio justo. No Brasil, tem entre seus clientes a empresa Harald,
que exporta seus chocolates para mais de 30 países, e a companhia Natura
Cosméticos.
A indústria, em geral, embora prefira a
matéria-prima mais abundante e barata, agrega uma parte do orgânico, mais rico
em manteiga, sempre que deseja produzir um chocolate de melhor qualidade. O
cacau convencional, que usa pesticidas e outros produtos químicos, ainda domina
o setor no Pará. Uma pequena fábrica de chocolate, a Cacauway, foi criada em
2010 em Medicilândia pela Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica, formada
por produtores não orgânicos.
O produtor de cacau José Tinte Zeferino, conhecido
como Cido, diante de sua casa, escondida entre uma densa vegetação e rodeada
por seus cacaueiros, no município de Brasil Novo, perto do rio Xingu e da
rodovia Transamazônica. Foto: Mario Osava/IPS.
“O futuro do cacau está no Pará, que reúne todas as
condições favoráveis à sua produção, como chuva abundante, solos férteis e seu
cultivo por agricultores familiares, que permanecem em suas terras, ao
contrário dos grandes produtores que vivem nas cidades”, destacou Bis. O Pará
ainda é superado pelo Estado da Bahia, que concentra dois terços da produção
nacional de Cacau, mas a produtividade paraense alcança uma média de 800 quilos
para cada árvore, o dobro da baiana, assegurou o especialista.
Além disso, os cacaueiros amazônicos convivem
melhor com pragas como a vassoura de bruxa, que reduziu em 60% a colheita da
Bahia na década de 1990. Nessa época, o Brasil era o segundo produtor mundial,
mas caiu para sexto lugar, superado por países da África ocidental, Indonésia e
inclusive o vizinho Equador.
De colonizador a reflorestador
José Tinte Zeferino, conhecido como Cido, de 57
anos, trouxe sua paixão pelo café do Estado do Paraná até a rodovia
Transamazônica. Sendo inviável a cafeicultura, tentou vários cultivos e acabou
como produtor de cacau orgânico em Brasil Novo, município vizinho a Altamira e
ao rio Xingu. Mas agora sua paixão é florestal, as árvores enormes que plantou
ou conservou em sua propriedade de 98 hectares, adquirida há 15 anos.
O cacaueiro exige sombra, mas Cido exagerou em sua
dedicação à produtividade, segundo outros cooperativistas. “Produzo entre 2.800
e três mil quilos por ano, e com a vantagem do melhor preço do cacau orgânico,
basta para viver”, afirmou. Sua alegria é contemplar árvores gigantescas e ter
sua casa invisível para quem está na rodovia, ocultada pela densa vegetação.
Ele radicalizou a conversão do colonizador em reflorestador amazônico.
* Esta reportagem integra uma série concebida em
colaboração com Ecosocialista Horizons.
Fonte: ENVOLVERDE
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