quinta-feira, 18 de junho de 2015

Desigualdade marca queda da mortalidade infantil na América Latina.
Bebê de dez meses sendo examinado em um centro público de saúde da Bolívia, em uma das consultas obrigatórias para que a mãe receba o bônus materno-infantil, um dos mecanismos criados para reduzir a mortalidade materna e infantil no país. Foto: Franz Chávez/IPS.

Por Marianela Jarroud, da IPS – 

Santiago, Chile, 5/6/2015 – Os números da redução da mortalidade infantil na América Latina são apresentados como um exemplo por organismos internacionais e a região já cumpriu o quarto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM), de reduzir em dois terços esse flagelo. No entanto, por trás dos números persistem grandes diferenças na situação entre países da região e dentro deles.

“Na América Latina e no Caribe houve enormes avanços na redução da mortalidade infantil”, afirmou à IPS Luisa Brumana, assessora regional de Saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Do Escritório Regional para a América Latina e o Caribe dessa agência da ONU, na Cidade do Panamá, ela acrescentou que “esse crescimento não beneficiou igualmente a todos”.

Segundo Brumana, “essa desigualdade deu lugar a grandes variações nos indicadores de saúde, tanto entre os países como dentro deles, com resultados geralmente baseados na riqueza, educação, localização geográfica e/ou origem étnica”. Dessa forma, por trás das médias dos países, que em alguns casos são boas, se escondem grandes desigualdades que mantêm o desafio da equidade para a região.

A chilena Mónica luta há três anos para manter vivo seu quarto filho, que nasceu com problemas cerebrais e mal-formações. Ela pede para manter seu sobrenome no anonimato porque a questão é sensível em nível familiar e também pessoal. “Tem sido uma luta incansável, mas hoje meu filho é um sobrevivente”, contou à IPS. “Gastamos muito dinheiro, consultamos os melhores médicos. Estou dedicada 100% à sua recuperação. E ele está cada dia melhor, se comunica, passeamos, brincamos”, acrescentou, emocionada. Mas ela reconhece que os contrastes persistem, apesar dos avanços da tecnologia nos últimos anos.

No Chile, onde o produto interno bruto supera os US$ 227 bilhões, a renda de uma criança que vive em uma família rica é 8.000% maior do que o de uma criança que nasceu em uma família pobre, segundo dados da Fundação Sol, em uma situação que, além da porcentagem, se repete na região considerada a mais desigual do mundo. Isso tem reflexos em setores tão indispensáveis como a educação e a saúde.

Em 2002, por exemplo, cinco lactantes prematuros de famílias de recursos escassos morreram por choque séptico em um hospital público da cidade de Viña del Mar, 140 quilômetros a nordeste de Santiago, após receberem alimentação parenteral contaminada com esgoto que caía do andar superior. “As desigualdades persistem e sei que, se não tivéssemos os meios, a saúde de nosso filho estaria muito mais deteriorada. É terrível, mas é assim”, reconheceu Mónica.
Família em uma aldeia às margens do rio Atrato, no departamento de Chocó, na Colômbia, onde a mortalidade infantil é três vezes mais alta do que na capital. Foto: Jesús Abad Colorado/IPS.

Dados do Unicef mostram que, entre 1990 e 2013, a mortalidade de menores de cinco anos (medida para cada mil nascidos vivos) caiu 67% e, em comparação com o resto do mundo, a região é uma das que mais se destaca nesse progresso, junto com a Ásia oriental e o Pacífico, que registram a mesma porcentagem de redução.

Segundo a tabela de progressos dos ODM, a região atingiu a meta de redução da mortalidade infantil em dois terços, ao baixar de 54 para 19 os menores de cinco anos mortos em cada mil nascidos vivos, entre 1990 e 2013.

Esses avanços estão relacionados, entre outros fatores, com o crescimento econômico da região, que na última década permitiu que aproximadamente 70 milhões de pessoas saíssem da pobreza, de acordo com dados divulgados em 28 de maio, nesta capital, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

As mortes que poderiam ser prevenidas são as principais causas da mortalidade infantil no mundo, mas na região estão principalmente marcadas pela persistência de desigualdades causadas por fatores diversos, como o nível de renda das famílias, o grupo populacional ao qual pertencem, a localização geográfica, o nível de instrução dos pais, entre outros.

“Por exemplo, para uma família que vive longe de um centro de saúde em uma zona rural, o acesso é mais complicado e isto pode afetar a saúde da criança, digamos, na hora de cumprir o calendário de vacinação”, explicou Brumana. “Também seria afetada pelo alto custo médico para uma família de baixa renda, em um país que não conta com um sistema de proteção social, ou pela qualidade do serviço de saúde, que é fundamental para garantir o cuidado com a infância”, destacou. “Não menos importante é que os serviços tenham em conta as diferenças culturais de cada região e possam oferecer serviços adaptados aos diferentes costumes”, acrescentou.

O Informe de Progresso 2014: Uma Promessa Renovada, do Unicef, indica que os cinco países que mais se destacaram na região são Cuba, Chile, Antiga e Barbuda, Costa Rica e São Cristóvão e Neves, que registraram menos de dez mortes por mil nascidos vivos. Os cinco países que apesar de seus progressos têm desafios maiores são Haiti, Bolívia, Guiana, Guatemala e República Dominicana, nessa ordem. No caso do Haiti, em 2013 morreram 73 crianças para cada mil nascidos vivos.

“Existem grandes desigualdades dentro do mesmo país”, afirmou Brumana, acrescentando que, apesar de certos fatores influírem mais do que outros, “não podemos generalizar sobre quais influem mais”. E apontou que “costumamos pensar que as crianças de zonas rurais têm piores condições, mas recentemente, nas migrações para as grandes cidades e nas más condições que existem em áreas suburbanas, se vê que são igualmente limitadas”.

Um exemplo é a Colômbia, onde as médias nacionais são boas, mas no interior do país se observa grandes desigualdades entre seus departamentos. Por exemplo, o departamento de Chocó tem índice de mortalidade infantil de menores de cinco anos três vezes maior do que o de Bogotá, de 30,5 e 13,77, respectivamente, segundo dados de 2011, pontuou Brumana. “A prioridade agora é dar melhor acesso aos grupos de população mais marginalizados, que geralmente são os que vivem em áreas afastadas ou grupos de população indígena e afrodescendente”, acrescentou.

A especialista ressaltou a existência de iniciativas regionais que trabalham para conseguir avançar nesse sentido. Uma delas é o movimento regional Uma Promessa Renovada para as Américas, cujo objetivo é reduzir as profundas desigualdades em saúde reprodutiva, maternal, neonatal, da infância e do adolescente, por meio do apoio político e técnico aos países no desenvolvimento da detecção das desigualdades, na conscientização, unindo os atores mais importantes e promovendo o intercâmbio de boas práticas.

Outro desafio aponta para a redução dos índices de mortalidade neonatal, uma das etapas mais críticas no desenvolvimento, que inclui os primeiros 28 dias de vida. Por ano, 2,8 milhões de bebês morrem nessa fase em todo o mundo. Um milhão nem mesmo chega ao segundo dia de vida.

O importante agora é manter as políticas públicas voltadas à melhoria do acesso à saúde e à descentralização das políticas de saúde, segundo o movimento regional. E, como sempre, garantir a educação, um fator que contribui para reduzir a mortalidade infantil.


Fonte: ENVOLVERDE

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