Extremos climáticos na Amazônia.
As projeções do IPCC, do Inpe e de outros grupos
apontam para um aumento dos extremos hidrológicos na região. Foto: Léo
Ramos/FAPESP.
Karina Toledo | Agência Fapesp – Seca e cheia são
fenômenos naturais na Amazônia, aos quais as comunidades ribeirinhas
encontram-se bem adaptadas. Nos últimos anos, porém, esses eventos têm se
tornado mais extremos, deixando moradores de locais remotos cada vez mais
sujeitos à escassez de água, alimentos e sem acesso a transporte, serviços de
saúde ou de ensino.
As conclusões são de um estudo conduzido por
Patricia Pinho, professora visitante do Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e associada da
rede INCLINE de pesquisas interdisciplinares em mudanças climáticas. Os dados
foram apresentados durante a FAPESP Week UC Davis in Brazil – evento que reuniu
em maio 26 cientistas da Universidade da Califórnia (UC) em Davis, nos Estados
Unidos, e de instituições paulistas.
“Nos últimos anos, a bacia amazônica experimentou
um aumento na variabilidade interanual, principalmente no que se refere ao
início e ao fim do período de chuvas. Tentamos mapear até que ponto as
comunidades locais percebem esses eventos como extremos, quais são as respostas
adaptativas que apresentam e os limites de adaptação”, contou Pinho à Agência
FAPESP.
O estudo teve como foco o município de Silves (AM),
situado a 400 quilômetros de Manaus, e a Floresta Nacional do Tapajós (Flona),
área de preservação localizada no estado do Pará.
Por meio de dados observacionais e entrevistas pessoais,
Pinho avaliou como os moradores dessas localidades perceberam as secas extremas
registradas nos anos de 1997, 2005 e 2010, bem como as enchentes severas de
2006, 2009 e 2015.
De acordo com a pesquisadora, as secas de 1997 e
2010 estão relacionadas com o fenômeno conhecido como El Niño, caracterizado
por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical.
Já em 2005 foram registradas anomalias de temperatura nas águas do Atlântico
Tropical Norte.
As enchentes foram relacionadas em estudos
anteriores com o fenômeno La Niña, que corresponde ao resfriamento das águas
superficiais do oceano Pacífico Equatorial Central e Oriental.
“O ponto é: os dois extremos estão se tornando mais
frequentes na Amazônia. E as projeções do IPCC [Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas], do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e de
outros grupos apontam para um aumento dos extremos hidrológicos na região”,
afirmou Pinho.
Após analisar dados sobre o nível do rio Amazonas
registrados em Manaus entre os anos de 1900 e 2010, Pinho concluiu que o
recorde mínimo vem caindo nos últimos anos, assim como tem aumentado o recorde
máximo – indicando aumento da variabilidade interanual nesse sistema fluvial.
“A economia da bacia amazônica – onde moram 30
milhões de pessoas – está diretamente associada à dinâmica do ciclo
hidrológico. O fluxo dos rios determina a organização dos assentamentos
humanos, a posse da terra, o sistema de produção e a organização social.
Qualquer alteração nas provisões do ecossistema causam uma pressão imediata
sobre essa população, na qual o índice de pobreza [42%] é bem maior que a média
do país [29%]”, afirmou Pinho.
Os principais impactos da seca observados no estudo
foram a alta mortalidade dos peixes (principal fonte de proteína na região) e
das plantações, além da escassez de água potável. A interrupção no principal
meio de transporte – o fluvial – dificultou o acesso dos moradores aos mercados
locais, agravando a insegurança alimentar e impossibilitando o acesso a
serviços de saúde e escolas.
Curiosamente, também durante as cheias Pinho
observou escassez de água potável e maior dificuldade na pesca, pois os
cardumes ficam mais espalhados. Além disso, as enchentes destruíram as casas,
prejudicaram as atividades extrativistas, causaram morte de animais de criação,
das plantações, surto de doenças como malária e diarreia.
“Os ribeirinhos acompanham o ritmo de subida e
descida da água dos rios e são capazes, até certo ponto, de saber se o período
de seca e de cheia será severo e se há necessidade de se mudar ou adotar outra
medida de proteção. Mas esses eventos avaliados no estudo foram além de suas
capacidades de adaptação e, como aconteceram muito perto uns dos outros, ficou
ainda mais difícil para os ribeirinhos a recuperação”, contou Pinho.
“Embora essas comunidades sejam resilientes a
grandes variações no nível dos rios, estão se tornando mais vulneráveis à
medida que crescem as incertezas de que os eventos se tornaram mais extremos e
mais frequentes”, concluiu.
Falta de apoio
Outro problema apontado por Pinho é a demora do
poder público para oferecer qualquer tipo de suporte aos moradores das regiões
estudadas. Segundo ela, a Defesa Civil seria a responsável por implementar
ações preventivas, fazer avaliação de risco e prestar apoio quando as
emergências ocorrerem.
“Mas observamos a falta de pessoas capacitadas e
atraso nas ações. Não há medidas preventivas. As autoridades municipais
precisam solicitar auxílio à esfera estadual, que repassa a petição à esfera
federal e só então o suporte é liberado. É preciso criar mecanismos para
acelerar esse processo”, disse Pinho.
A pesquisadora ressalta a necessidade de políticas
públicas para melhorar a governança e garantir o bem-estar dessas populações,
bem como investimentos em estradas e meios de transporte alternativos, escolas
e perfuração de poços.
“Os brasileiros estão acostumados a associar
eventos extremos como a seca à região Nordeste, mas agora a Amazônia também
está sendo drasticamente impactada e observamos uma resposta governamental
muito limitada.”
Pinho também aponta a necessidade de pesquisas que
ajudem a aperfeiçoar os modelos climáticos, tornando-os capazes de prever
eventos extremos e permitindo a criação de um sistema de alerta precoce.
“A ciência ainda está incipiente e há muita
incerteza sobre qual vai ser a resposta da Amazônia às mudanças climáticas.
Temos um modelo global, que agora precisamos regionalizar, deixar numa escala
mais fina e para isso precisamos aliar esses dados observacionais às pesquisas
feitas em escala local”, disse.
Fonte: Agência Fapesp
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