sexta-feira, 12 de junho de 2015

As veias abertas da Amazônia.
Por Luana Lila, do Greenpeace Brasil – 

Uma série de reportagens sobre a luta do povo Munduruku contra a construção de barragens na Amazônia.

Respeitamos sempre a natureza, ela é de suma importância para nós e é essencial para a vida no planeta. Nós estamos preocupados com o equilíbrio do clima, com as mudanças climáticas. Resta apenas uma parte da floresta que está dando vida ao planeta chamado Terra e a seus habitantes… 

Estamos lutando, resistindo, protegendo com unhas e dentes esse nosso patrimônio, mas ninguém ouve nossos gritos de socorro em prol da vida no planeta. Sabemos que a vida dos pariwat [não-índios] também está em risco e não estamos apenas nos defendendo: estamos defendendo toda a vida, toda a biodiversidade. Carta de Jairo Saw Munduruku à sociedade brasileira e internacional, publicada em dezembro de 2014 no site da revista Carta Capital.

Pelo menos 43 grandes barragens estão sendo construídas ou planejadas na bacia do rio Tapajós. Localizada próxima a Itaituba, no oeste do Pará, a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, com 8.040 MW de capacidade instalada, seria a maior delas. Entre os inúmeros impactos previstos, o empreendimento alagaria uma área de rica biodiversidade e inundaria parte da terra indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku. (Leia mais aqui).

Essa hidrelétrica faz parte de uma corrida do governo pela construção de barragens na Amazônia, considerada a última fronteira para a expansão de geração de energia hidrelétrica no Brasil.

Para Philip Fearnside, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), a conversão de todos os rios desde o rio Madeira, em Rondônia, – onde foram construídas as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio – para o leste em cadeias de lagos e barragens, como previsto pelo governo a longo prazo, acaba impactando não só a diversidade da fauna e da flora, mas também a população tradicional da Amazônia. “Estamos falando de dois terços da Amazônia onde se está planejando remover toda a população tradicional, ou seja, os ribeirinhos e indígenas que estão há séculos vivendo na beira dos rios e dependem deles para tudo. O impacto humano é enorme e não está sendo levado em conta no momento da tomada de decisão”, afirma ele.

O discurso oficial de que esses novos empreendimentos hidrelétricos levam desenvolvimento econômico e social para suas respectivas regiões caiu por terra depois dos exemplos recentes das usinas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, e da usina de Belo Monte, em fase final de construção no Rio Xingu, no Pará. Quando o rio Madeira teve a maior cheia de sua história em 2014, a força da água que atingiu a cidade de Porto Velho, em Rondônia, foi magnificada pela presença da barragem de Santo Antônio logo a montante da cidade, desalojando milhares de pessoas. Com o rio Madeira bloqueado pelas barragens, os pescadores sofrem com a falta de peixes. A cidade de Altamira, no Pará, também já enfrenta diversos impactos por conta da barragem no rio Xingu, dentre eles o crescimento da violência, prostituição e especulação imobiliária.

Segundo dados do ISA (Instituto Socioambiental), entre 2011 e 2014 o número de assassinatos em Altamira saltou de 48 para 86 casos, enquanto a população cresceu de 100 mil para cerca de 150 mil habitantes. O número de acidentes de trânsito aumentou 144%. A falta de saneamento básico e de condições adequadas de saúde e educação também são uma preocupação para os moradores. Como se não bastasse, pesquisas recentes mostram que as terras indígenas no entorno do empreendimento já estão sofrendo uma explosão de roubo de madeira.

Mesmo diante de tantos problemas, os planos do governo mostram que o aumento da geração de eletricidade no país está baseado principalmente em novas hidrelétricas na região Amazônica. De acordo com o PDE 2023 (Plano Decenal de Energia 2023), quase metade da nova capacidade instalada até 2023 virá de usinas hidrelétricas, sendo que mais de 90% estará na região Norte do país. Trata-se de triplicar a potência instalada dessa região com usinas hidrelétricas em um período de apenas dez anos.

Larissa Rodrigues, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace, explica que concentrar a expansão da geração em uma única fonte implica em tornar a matriz de energia elétrica ainda mais suscetível e aumenta a insegurança energética do País. Hoje, os efeitos de um planejamento baseado na geração centralizada e com pouca diversificação de fontes estão refletidos em risco de desabastecimento e contas de luz mais caras para os brasileiros.“O argumento de que novas hidrelétricas na Amazônia são necessárias para garantir a energia para o País não é consistente. Além disso, essa opção não contribui para a diversificação da matriz elétrica, que continuará suscetível ao regime hidrológico”, diz ela.

Em 2001, o Brasil passou pela crise do apagão, quando os reservatórios das hidrelétricas ficaram com apenas cerca de 20% de armazenagem nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Agora, mais uma vez isso acontece e os reservatórios chegaram a atingir apenas 16% de armazenagem, tanto em 2014 como em 2015. “Mais hidrelétricas na Amazônia não romperiam com essa lógica, além de provocar graves impactos sociais e ambientais. Isso não faz sentido em um país que pode contar com outras fontes de energia limpas e seguras em abundância como a solar, a eólica e a biomassa, que vem registrando preços de contratação cada vez mais competitivos”, completa Rodrigues.

Além das hidrelétricas serem sensíveis aos efeitos das mudanças climáticas, que estão causando cheias e secas sazonais cada vez mais frequentes e graves, Rodrigues aponta ainda outros problemas: 

“Hoje, quando os reservatórios das hidrelétricas estão baixos, a energia é compensada pela geração de usinas térmicas, poluentes e caras, e seus custos são repassados para a conta de luz. Além disso, as grandes hidrelétricas estão longe dos centros de consumo, o que gera muitas perdas de energia no transporte. Tudo isso poderia ser melhorado com a diversificação de fontes na matriz e com incentivos para a geração distribuída, aquela que ocorre perto do consumidor final”, explica.

Para o professor Célio Bermann, do IEE (Instituto de Energia e Ambiente) da USP (Universidade de São Paulo), a questão é ainda mais complexa. Ele analisou o consumo setorial de energia elétrica do Brasil e mostrou que 25% do total é consumido pelo cidadão brasileiro em suas residências. A maior parte da eletricidade, cerca de 40%, é utilizada pela indústria e é consumida principalmente pelos setores chamados de eletro-intensivos, ou seja, que consomem uma quantidade enorme de energia.

Muitos desses setores são fabricantes de produtos primários, principalmente destinados a exportação, de alto conteúdo energético e baixo valor agregado, isto é, que geram pouco emprego e renda, tais como o aço, alumínio primário, ferroligas e celulose. Segundo Bermann, “primeiro trata-se de decidir se o crescimento econômico que queremos é realmente esse, de país meramente produtor de bens primários. Depois, temos que considerar o enorme potencial de outras fontes renováveis para gerar energia no País”.

Atualmente, a energia eólica já é uma das fontes mais baratas do País. Enquanto isso, a energia solar já começa a alcançar preços competitivos nos leilões. Em outubro de 2014, as usinas de energia solar foram contratadas por um preço médio de R$ 215/MWh, 20% inferior ao de todas as usinas térmicas contratadas no último leilão de abril de 2015. Além disso, a energia solar tem papel central para estimular a geração distribuída. Há três anos foi permitido ao consumidor brasileiro gerar sua própria energia para obter descontos na conta de luz e desde então cerca de 500 sistemas já foram conectados à rede a partir da instalação de painéis fotovoltaicos instalados nos telhados.

“O custo de usinas tão grandes como as do Tapajós poderia ser investido em outras fontes renováveis, como a solar, a eólica e a biomassa. Continuar apostando em grandes hidrelétricas na Amazônia, com tremendos impactos socioambientais, quando o Brasil é riquíssimo em outros recursos, não pode ter outra explicação que não seja a falta de vontade política”, conclui Rodrigues.


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