Conceito de “cidadania mundial” está longe da Agenda
pós-2015.
O símbolo da paz formado por ativistas na Croácia. Foto: Teophil/cc by 3.0.
Por Thalif Deen, da
IPS –
Nações Unidas, 16/6/2015 – Quando a Dinamarca
organizou a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social (CMDS), em março de
1995, uma das conclusões dessa reunião na cidade de Copenhague foi a futura
criação de um contrato social tendo “as pessoas no centro do desenvolvimento”.
Apesar das deficiências em sua execução nos últimos 20 anos, a Organização das
Nações Unidas (ONU) busca cumprir um objetivo idêntico, mas com um tom
político, o da “cidadania mundial”.
A ONU está dando os últimos retoques em sua Agenda
de Desenvolvimento Pós-2015, ao mesmo tempo em que as organizações da sociedade
civil pedem que se concentre na pobreza e na fome, no desemprego, na
urbanização e na educação, no desarmamento nuclear e no empoderamento da
mulher, na população, nos direitos humanos e no ambiente, entre outros assuntos
relacionados com as pessoas.
“Nosso mundo precisa de mais energia eólica e
solar. Mas creio em uma fonte de energia ainda mais forte, o poder das
pessoas”, afirmou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em setembro de 2014.
Em sua intervenção no 20º aniversário da CMDS, o
vice-presidente do Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc), o sul-coreano
Oh Joon, afirmou que um dos três principais objetivos da Cúpula de Copenhague,
a erradicação da pobreza, foi incorporado aos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM), adotados em 2000, mas os outros dois, o emprego produtivo e a
integração social, foram excluídos.
“O enfoque integrado impulsionado na CMDS para
buscar simultaneamente os três objetivos principais foi excluído”, apontou na
sessão da Ecosoc do dia 8 deste mês. É preciso reexaminar a agenda de
desenvolvimento da ONU, afirmou Joon. O crescimento econômico em si mesmo,
embora necessário, não basta para reduzir a pobreza e a desigualdade,
ressaltou, lembrando a necessidade de políticas sociais sólidas, bem como de um
desenvolvimento inclusivo e sustentável. Do mesmo modo, há numerosos vínculos
entre os âmbitos sociais, econômicos e ambientais que devem ser abordados de
maneira efetiva, ressaltou.
Entretanto, o conceito de cidadania mundial ganhou
maior importância, sobretudo à véspera da aprovação da agenda de
desenvolvimento pós-2015, que, provavelmente, acontecerá em uma reunião de
cúpula de governantes a ser realizada em setembro. “Se por cidadania entende-se
os direitos e, em particular, o direito de os governos prestarem contas e
decidirem como utilizar os impostos, estamos muito longe da cidadania mundial”,
respondeu à IPS Roberto Bissio, diretor do Instituto do Terceiro Mundo, uma
organização de pesquisa com sede no Uruguai, quando perguntado sobre a
relevância desse conceito no contexto pós-2015.
De fato, pouco se fala da cidadania nos debates
preparatórios para a conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento
(FDP), que acontecerá em julho na Etiópia, e também da cúpula mundial sobre uma
nova agenda de desenvolvimento em setembro, acrescentou Bissio. Por outro lado,
afirmou que se dá grande atenção à “multiplicidade de partes interessadas”.
A ideia de “partes interessadas”, em lugar de
“acionistas”, foi a maneira como se idealizou originalmente para que as
empresas fossem mais responsáveis diante das pessoas afetadas por suas ações.
Agora, “a governança de múltiplas partes interessadas”, na internet ou em
“alianças” com a ONU, significa que empresas terão um papel na governança
mundial, sem que necessariamente tenham que prestar mais contas, segundo
Bissio, que também coordena a secretaria da Social Watch, uma rede
internacional de organizações da sociedade civil. “Isso significa menos
direitos para os cidadãos, nada mais que isso”, alertou.
Ao apontar o êxito das políticas voltadas para as
pessoas, o ex-presidente do Chile, Eduardo Frei (1994-2000), disse que quando
governava seu país, em 1995, apoiou várias iniciativas para promover a
democracia e a justiça social. Nos últimos 25 anos, o Chile reduziu a pobreza
de 38,6% para 7,8% da população, e a pobreza extrema de 13% para 2,5%,
assegurou.
A CMDS de 1995 foi a maior cúpula de chefes de
Estado e de governo que deu lugar à formação de um novo modelo de
desenvolvimento que geraria a igualdade necessária para remediar a iniquidade
mundial, pontuou Frei. “O ser humano foi colocado no centro do desenvolvimento,
tal como se reflete no plano de ação da CMDS”, ressaltou. Mediante a aplicação
desse plano, o Chile reforçou seu investimento no desenvolvimento social e, com
a atual presidente, Michele Bachelet, continua fazendo-o para combater a
desigualdade, afirmou o ex-mandatário.
Segundo Frei, embora a América Latina tenha
reduzido a pobreza, continua sendo “mais desigual” do que outras regiões e
atualmente 167 milhões de pessoas, ou 28% de seus pouco mais de 600 milhões de
habitantes, vivem na pobreza, enquanto 71 milhões vivem na pobreza extrema.
Algumas tarefas urgentes são pensar em um novo pacto e uma reforma fiscais que
melhorem a distribuição da renda, a fim de evitar o “falso” desenvolvimento, e
também é necessário combater a corrupção e empreender a reforma institucional,
acrescentou. “Como tal, a CMDS continua sendo tão válida hoje como em 1995”,
ressaltou Frei.
Com vistas ao futuro, Frei afirma que a luta contra
a pobreza e as desigualdades exige um fundamento ético e um esforço sustentado.
Nessa encruzilhada, é ora de os governos darem maior impulso ao “movimento
moral”.
Por sua vez, Juan Somavía, ex-diretor da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), disse na reunião do Ecosoc que o
rascunho da agenda pós-2015 recuperou o espírito e o dinamismo da década de
1990, e que é uma boa base para as negociações. “O documento reflete uma visão
extremamente ambiciosa, com suas 17 metas e 69 indicadores centrados em um
conceito de desenvolvimento sustentável focado nas pessoas e na erradicação da
pobreza”, acrescentou, afirmando que quanto aos desafios, o apoio político da
ONU será fundamental.
Como o mundo discutiu os três elementos do
desenvolvimento sustentável mas ainda não os aplicou, o desafio básico que
resta é garantir o pensamento integrado e dar forma aos métodos para utilizá-lo
para que expliquem claramente os tipos de interações entre os três pilares da
agenda necessários para cumprir os compromissos, explicou Somavía.
Essa árdua tarefa exige uma iniciativa das
secretarias da ONU em Nova York e Genebra, de seus fundos e programas e de
numerosas redes nas regiões onde opera o fórum mundial. E a menos que esse
processo comece imediatamente após a adoção da nova agenda, esses “bens” não
poderão ser entregues.
Fonte: ENVOLVERDE
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