Modelo matemático gera previsões precisas para o
Cantareira.
O site Águas Futuras faz previsões semanais e mensais
e é atualizado diariamente. Foto: Sistema Cantareira. / Vagner Campos/A2
FOTOGRAFIA
Por Aline Naoe, do USP Online –
Quando o sistema Cantareira, que abastece quase
metade da Região Metropolitana de São Paulo, chegou ao seu momento mais crítico
até hoje, passou-se a acompanhar com frequência os dados sobre a variação do
volume dos reservatórios.
“O que aparentemente ainda não se percebeu, no
entanto, é que não se trata apenas de um problema de encher e esvaziar. Nosso
trabalho de pesquisa tem mostrado que quanto mais vazio o reservatório, mais
dificilmente ele vai encher”, afirma Paulo Inácio Prado, professor do
Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências (IB) da USP.
Para explicar o fenômeno, o pesquisador dá o
exemplo de um barquinho flutuando no mar. Mesmo sofrendo o empurrão das ondas e
do vento, o barco consegue, até certo ponto, manter-se navegando.
Mas se a
força é suficiente para virar o barco, o esforço necessário para reerguê-lo é
muito maior do que o que se despendia antes para mantê-lo em pé. A situação do
Cantareira hoje é a do barquinho virado: com as bacias muito secas, a água da
chuva acaba sendo absorvida pelo solo e é necessária uma quantidade muito maior
de água para encher os reservatórios. “Já quando o sistema está encharcado, ele
é mais eficiente em converter a água da chuva em água armazenada. É uma coisa
meio intuitiva”.
Águas futuras
Motivado por essa questão, Prado iniciou um projeto
com dois colegas do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), os professores Renato Mendes Coutinho e Roberto André
Kraenkel. Juntos, desenvolveram um modelo matemático para testar essa hipótese,
levando em conta a pluviosidade, a quantidade de água que entra nos
reservatórios e a quantidade que é retirada deles. Ao perceber que o acesso a
estas informações não era tão simples e verificar que o modelo era muito
eficiente em fazer projeções sobre o volume do Cantareira, os pesquisadores
decidiram tornar os dados da pesquisa públicos e criaram o site Águas
Futuras, que faz previsões semanais e mensais e é atualizado
diariamente.
Há outros modelos para entender a dinâmica dos
reservatórios, mas ligados à área específica da hidrologia, que leva em conta
aspectos como o relevo e as características do solo. O modelo matemático
utilizado pelo grupo, no entanto, é muito mais simples. Utilizando apenas três
variáveis e, assim, recursos computacionais bem mais modestos, o Águas Futuras
consegue fazer projeções sobre o volume de água armazenado no Cantareira com
uma margem de erro muito pequena e bastante semelhante a modelos mais robustos,
como o do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais
(Cemaden), do Governo Federal.
Por sua simplicidade, as projeções funcionam bem
principalmente no período de 30 dias. Os dados gerados pelo site, publicados
também em redes sociais, são disponíveis a qualquer interessado. A página tem
código aberto e as informações técnicas são descritas em detalhes no site. “Este
é um princípio importante na ciência, a reprodutibilidade. Um resultado
científico só é considerado válido se pode ser verificado por outras pessoas.
Queremos contribuir para um debate transparente e útil para a sociedade.
Qualquer um pode usar nossos dados, inclusive para gerar outros tipos de
análise”, comenta o professor Paulo Prado.
Análises
Mesmo na perspectiva mais otimista, com chuvas
acima da média no próximo mês, o volume do cantareira deve variar pouco.
“Estamos em uma situação extremamente grave. Não se sabe se sairemos do volume
morto ainda neste ano, então não podemos baixar a guarda”, afirma o
pesquisador.
Entre as causas apontadas para a grave crise do
Cantareira está a seca incomum ocorrida entre 2013 e 2014. Os dados coletados
pelos pesquisadores mostram que a seca, de fato, foi intensa, mas que outras
secas semelhantes já haviam acontecido nos últimos 25 anos, sem efeitos tão
negativos. “O que foi excepcional foi a vazão de entrada. Nunca entrou tão
pouca água no sistema como neste ano.
Nosso ponto com a análise é que isso
aconteceu, em parte, por culpa da pouca chuva, mas também porque a bacia não
estava eficiente para pegar essa pouca chuva e converter em água armazenada”,
expõe Prado.
O pesquisador adianta que em breve a equipe
concluirá um artigo descrevendo essa análise, que abre caminhos para outros
trabalhos: o grupo pretende simular qual seria o efeito se a redução de vazão
praticada hoje tivesse sido feita quando o sistema ainda estava em torno de 35%
da capacidade.
“Houve uma demora em tomar providências, sem dúvida”. Outra
possibilidade é desenvolver critérios matemáticos de otimização, indicando a
quantidade de água que pode ser retirada do sistema sem levar a uma situação de
risco.
Fonte: Agência USP
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