O debate dos transgênicos.
Consumidores no mercado municipal de Curitiba.
Foto: Jaelson Lucas/SMCS/ Fotos Públicas.
95% da soja e mais de 80% do milho vêm de sementes
transgênicas e são transformados em derivados; e é difícil detectar origem
transgênica acima de 1% nos produtos –
Por Rui Daher –
“Sabe você o que é o amor? Não sabe, eu sei / Sabe
o que é um trovador? Não sabe, eu sei”. São tantas as arruelas neste planeta,
que sempre uns saberão e outros não. Poucos, por exemplo, saberiam combinar tão
bem música e versos como fizeram Carlos Lyra e Vinícius de Moraes para a peça
“Pobre Menina Rica”, de 1965.
Sabem vocês que uma pimenta, fabricada em Lagarto
(SE), contém metabissulfito de sódio? Que em certas marcas de pisco peruano o
teor alcoólico é de 42 graus? Que biscoitinhos têm bicarbonato de amônio? Ao
passar geleia de maçã em sua torrada você estará ingerindo o espessante
pectina?
Se não sabem é porque não querem. Bastaria
consultar os rótulos desses produtos que saberiam.
Quem sou eu para dizer se metabissulfitos, amônio e
pectina são agentes cancerígenos ou provocam doenças? Até penso que não, caso
contrário ninguém sairia por aí se entregando. Mas, tá lá, no rótulo, e
qualquer consumidor pode se informar e decidir entre ingestão e indigestão.
Já a graduação alcoólica o sujeito decide pesando
saúde, responsabilidade e prazer. Precisa estar no rótulo, sob risco de
embebedarmos o santo.
Se tratos comezinhos, contados em milhões, devem
ser identificados nos rótulos, por que aos organismos geneticamente modificados
quer se dar salvo-conduto nesta Federação de Corporações?
Nem digo por eventuais malefícios ou benefícios às
saúde e economia. Leio e ouço fortes argumentos a favor e contra uns e outros,
mas sim pelo direito de informação do consumidor.
Uma banda, “mas-pode-me-chamar-de-bando”, do
Congresso Nacional quer restringir a rotulagem de produtos que contêm ou são
elaborados a partir de transgênicos, mediante ‘análise específica’.
A Câmara, de previsível devir hediondo, já aprovou
o Projeto de Lei (PL) 4148/2008, que agora segue ao Senado. Autor? Luiz Carlos
Heinze (PP-RS), que já quis Código Florestal mais permissivo, acha que lugar de
índio é na missa do Descobrimento, e vê insegurança jurídica em tudo que
contrariar interesses ruralistas.
Em país onde 95% da soja e mais de 80% do milho são
produzidos com sementes transgênicas e transformados em centenas de derivados,
mesmo o mais complexo laboratório terá dificuldade em detectar origem
transgênica acima de 1% nos produtos. Na prática, extingue-se a necessidade de
identificação.
O imbróglio vem de longe. O Decreto 4680 / 2003
obriga constar no rótulo o símbolo de conteúdo transgênico. Desde lá, ao se
optar por regras europeias mais rígidas, de países de perfil consumidor e não
produtor, a indústria brasileira procura flexibilizar a legislação, no que
Heinze é exímio articulador.
Votaram contra PT, PSB, PSOL, PV e PCdoB. Os demais
brandiram panelas a favor.
Andanças Capitais
Nesta semana, sérias restrições orçamentárias me
impediram fazer andanças por campos verdejantes ou cafezais em colheita. Nessas
circunstâncias, aproveitando o tema OGM, faço andança virtual por entrevista do
presidente da Monsanto no Brasil, Rodrigo Santos, à Folha de S. Paulo do último
dia 25 de maio.
O Dia Mundial contra a Monsanto foi em 23 de maio,
e louras geladas e platitudes mercadológicas me interessam. O jovem doutor
prevê um ótimo futuro para nós:
A preocupação da Embrapa com a concentração no
setor de biotecnologia é infundada. Cita várias iniciativas: “berinjelas, na
Índia; mamão-papaia, no Havaí; eucalipto, no Brasil”. [Nenhuma menção ao filme
“Terminator, as sementes suicidas”].
Oposição aos agrotóxicos e sementes transgênicas é
questão de falta de comunicação. “O agronegócio é muito desconhecido por quem
está na Vila Madalena ou Moema”. [Creio Higienópolis e Jardins já amestrados].
O desmatamento não teve nada a ver com o
agronegócio. “As pessoas sempre se surpreendem em saber que, no Brasil, 60% da
cobertura vegetal nativa está preservada”. [Professor, o índice inclui a Amazônia?]
“O ‘big data’ vai transformar o mundo”. É o nome
moderno que se dá à “velha” agricultura de precisão, onde você usa ferramentas
digitais, como o GPS, para adubações mais precisas, previsões do clima, etc.
[Nos EUA, agricultores questionam a oferta. Temem perder poder de decisão e não
mais se libertarem das garras dos carteis.]
No futuro, a biotecnologia vai ajudar nas mudanças
climáticas através de plantas adaptadas e agregar valor ao consumidor final,
como o “arroz dourado enriquecido com vitamina A”. [Tudo compensado pela
eternização de royalties, sumiço completo de sementes tradicionais e crioulas,
e perda de eficiência com o passar do tempo até a chegada de nova variedade].
Perceberam o futuro brilhante? Então deixem de lado
minhas cunhas em itálico e apenas evitem morar na Vila Madalena ou em Moema.
* Rui Daher é colunista da
Carta Capital.
Fonte: Carta Capital
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