terça-feira, 9 de junho de 2015

O debate dos transgênicos.
Consumidores no mercado municipal de Curitiba. Foto: Jaelson Lucas/SMCS/ Fotos Públicas.

95% da soja e mais de 80% do milho vêm de sementes transgênicas e são transformados em derivados; e é difícil detectar origem transgênica acima de 1% nos produtos –

Por Rui Daher –

“Sabe você o que é o amor? Não sabe, eu sei / Sabe o que é um trovador? Não sabe, eu sei”. São tantas as arruelas neste planeta, que sempre uns saberão e outros não. Poucos, por exemplo, saberiam combinar tão bem música e versos como fizeram Carlos Lyra e Vinícius de Moraes para a peça “Pobre Menina Rica”, de 1965.

Sabem vocês que uma pimenta, fabricada em Lagarto (SE), contém metabissulfito de sódio? Que em certas marcas de pisco peruano o teor alcoólico é de 42 graus? Que biscoitinhos têm bicarbonato de amônio? Ao passar geleia de maçã em sua torrada você estará ingerindo o espessante pectina?

Se não sabem é porque não querem. Bastaria consultar os rótulos desses produtos que saberiam.

Quem sou eu para dizer se metabissulfitos, amônio e pectina são agentes cancerígenos ou provocam doenças? Até penso que não, caso contrário ninguém sairia por aí se entregando. Mas, tá lá, no rótulo, e qualquer consumidor pode se informar e decidir entre ingestão e indigestão.

Já a graduação alcoólica o sujeito decide pesando saúde, responsabilidade e prazer. Precisa estar no rótulo, sob risco de embebedarmos o santo.

Se tratos comezinhos, contados em milhões, devem ser identificados nos rótulos, por que aos organismos geneticamente modificados quer se dar salvo-conduto nesta Federação de Corporações?
Nem digo por eventuais malefícios ou benefícios às saúde e economia. Leio e ouço fortes argumentos a favor e contra uns e outros, mas sim pelo direito de informação do consumidor.

Uma banda, “mas-pode-me-chamar-de-bando”, do Congresso Nacional quer restringir a rotulagem de produtos que contêm ou são elaborados a partir de transgênicos, mediante ‘análise específica’.

A Câmara, de previsível devir hediondo, já aprovou o Projeto de Lei (PL) 4148/2008, que agora segue ao Senado. Autor? Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que já quis Código Florestal mais permissivo, acha que lugar de índio é na missa do Descobrimento, e vê insegurança jurídica em tudo que contrariar interesses ruralistas.

Em país onde 95% da soja e mais de 80% do milho são produzidos com sementes transgênicas e transformados em centenas de derivados, mesmo o mais complexo laboratório terá dificuldade em detectar origem transgênica acima de 1% nos produtos. Na prática, extingue-se a necessidade de identificação.

O imbróglio vem de longe. O Decreto 4680 / 2003 obriga constar no rótulo o símbolo de conteúdo transgênico. Desde lá, ao se optar por regras europeias mais rígidas, de países de perfil consumidor e não produtor, a indústria brasileira procura flexibilizar a legislação, no que Heinze é exímio articulador.

Votaram contra PT, PSB, PSOL, PV e PCdoB. Os demais brandiram panelas a favor.

Andanças Capitais

Nesta semana, sérias restrições orçamentárias me impediram fazer andanças por campos verdejantes ou cafezais em colheita. Nessas circunstâncias, aproveitando o tema OGM, faço andança virtual por entrevista do presidente da Monsanto no Brasil, Rodrigo Santos, à Folha de S. Paulo do último dia 25 de maio.

O Dia Mundial contra a Monsanto foi em 23 de maio, e louras geladas e platitudes mercadológicas me interessam. O jovem doutor prevê um ótimo futuro para nós:

A preocupação da Embrapa com a concentração no setor de biotecnologia é infundada. Cita várias iniciativas: “berinjelas, na Índia; mamão-papaia, no Havaí; eucalipto, no Brasil”. [Nenhuma menção ao filme “Terminator, as sementes suicidas”].

Oposição aos agrotóxicos e sementes transgênicas é questão de falta de comunicação. “O agronegócio é muito desconhecido por quem está na Vila Madalena ou Moema”. [Creio Higienópolis e Jardins já amestrados].

O desmatamento não teve nada a ver com o agronegócio. “As pessoas sempre se surpreendem em saber que, no Brasil, 60% da cobertura vegetal nativa está preservada”. [Professor, o índice inclui a Amazônia?]

“O ‘big data’ vai transformar o mundo”. É o nome moderno que se dá à “velha” agricultura de precisão, onde você usa ferramentas digitais, como o GPS, para adubações mais precisas, previsões do clima, etc. [Nos EUA, agricultores questionam a oferta. Temem perder poder de decisão e não mais se libertarem das garras dos carteis.]

No futuro, a biotecnologia vai ajudar nas mudanças climáticas através de plantas adaptadas e agregar valor ao consumidor final, como o “arroz dourado enriquecido com vitamina A”. [Tudo compensado pela eternização de royalties, sumiço completo de sementes tradicionais e crioulas, e perda de eficiência com o passar do tempo até a chegada de nova variedade].

Perceberam o futuro brilhante? Então deixem de lado minhas cunhas em itálico e apenas evitem morar na Vila Madalena ou em Moema.

Rui Daher é colunista da Carta Capital.


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