segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Uma outra Amazônia é possível.
IFPA Campus Castanhal e IEB realizam experiências inovadoras em educação e governança no Xingu e no Oeste paraense
As Amazônia (s) do Brasil são várias. Neste vasto e complexo universo, o Pará é o segundo estado em extensão territorial, numa realidade marcada pelo caos fundiário. O estado que é líder em desmatamento, também coleciona outros passivos sociais e ambientais.

Apesar do ambiente, nele pulsa uma infinidade de experiências de produção econômica, política, social e cultural protagonizadas a partir de populações ancestrais (indígenas e quilombolas), e do diversificado campesinato, seja em terra firme, ilhas, quilombos, áreas indígenas, unidades de conservação e projetos de assentamentos rurais. O uso da floresta e seus recursos de forma equilibrada, tendo como referência a agroecologia é um dos exemplos.

Existe saber na floresta. Os povos que nela vivem há milênios são tributários de conhecimento tratado como tradicional, e que aos poucos vem sendo reconhecido pelo universo dito douto e o mercado.

Educação inovadora

Numa iniciativa considerada inovadora em governança, este ano o Instituto Federal do Pará (IFPA), Campus Castanhal, em parceria com a ONG Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) realizaram dois cursos de Formação Inicial Continuada (FIC), o Formar Florestal e o Formar Agroecologia. Ambos direcionados para lideranças comunitárias e técnicos de extensão rural, visando formar e ampliar multiplicadores, pessoas que podem repassar os conhecimentos adquiridos para a transformação da realidade onde vivem. O primeiro contou com o financiamento do Fundo Vale, o segundo com financiamento do Ministério do meio Ambiente.

“Num cenário regional marcado por uma agenda de grandes empreendimentos, o manejo da floresta e a produção agroecológica em pequena escala, acenam como uma possiblidade de desenvolvimento, com capacidade de garantir além da cidadania, a segurança alimentar e a sobrevivência de gerações futuras, a partir do uso racional da floresta”, argumenta Manuel Amaral, coordenador regional do IEB em Belém.

Formar Florestal

O curso de Formação Inicial e Continuada (FIC) em Manejo Florestal Comunitário tem como pressupostos metodológicos, a pedagogia da alternância, a educação como afirmação, reconhecimento, valorização e legitimação das diferenças culturais, étnicos-raciais, de geração, de gênero, de orientação sexual e socioambiental. O percurso formativo do curso é organizado em dois momentos: O tempo escola, que é o espaço de formação presencial onde os educadores discutem temáticas relevantes para a o manejo florestal comunitário e o Tempo comunidade que é o momento dedicado a qualificação dos (as) os (as) educandos (as) nas suas comunidades, através de intervenções práticas que foram planejadas no tempo escola. Os tempos comunidade são tempos de ação concreta dos educandos (as) e uma reflexão permanente acerca das questões teóricas que perpassam o curso.  O horizonte é favorecer a reflexão articulada e integrada com base nos saberes locais e científicos estabelecidos.

O Formar Florestal ocorreu entre abril e novembro de 2014. Dividido em cinco módulos, entre eles, Governança Florestal, Técnicas de manejo florestal, Gestão de empreendimentos comunitários, Comunicação socioambiental e Políticas Públicas. O curso tem carga horária de 400h. 20 educandos, entre jovens e adultos de diferentes níveis de formação foi o público alvo.

Os educandos (as) são oriundos de sete municípios do oeste paraense: Santarém, Belterra, Rurópolis, Itaituba, Porto de Moz, Juruti e Trairão. As cidades irrigadas pelos rios Tapajós, Amazonas e Xingu abrigam inúmeras unidades de conservação e territórios indígenas além de projetos de assentamentos. As áreas tradicionais locais enfrentam a pressão da ampliação da produção de grãos, mineração e de projetos hidrelétricos.

Emponderar lideranças jovens e adultas com conhecimentos sobre os aspectos técnicos, organizacionais, políticos, culturais para fortalecer manejo florestal comunitário e a governança florestal no Pará é o objetivo do curso. Pedagogia da Alternância é a metodologia adotada.

Multiplicadores

 Marcelane Pereira é trabalhadora rural no município de Itaituba, reconhecida cidade garimpeira. A filha de maranhenses aos 37 anos é mãe de cinco filhos, e já é avó de dois netos. A moradora do projeto de assentamento Ipiranga é dirigente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR). Ela integrou a primeira turma do Formar Florestal.

Sobre o contexto da região ela dispara: “Temo pelo avanço dos grandes projetos aqui. Em particular o crescimento da soja. A nossa cidade já sofre com os impactos por conta da construção de portos. A cidade cresce. Aumenta a droga e a prostituição. Não quero isso para os meus filhos e netos”.

Para Pereira a participação no curso é positiva. Ela confirma que aplicará os conhecimentos adquiridos no STTR e na comunidade que faz parte. “Algumas coisas a gente já fazia, o grupo pode melhorar a produção com o que a gente aprendeu do curso” finaliza a sindicalista.

Marcelane abandonou os estudos por conta da distância da escola em relação à comunidade que morava, e outras necessidades. Durante o curso voltou a estudar e promete não parar mais. Assim como ela, Luiz da Silva Matos, morador do município de Juruti e educando do curso, seguiu o mesmo rumo.

Formar Agroecologia

O Curso FIC em Agroecologia, agriculturas de base ecológicas e políticas públicas, segue a mesma lógica do Formar Florestal, através da pedagogia da alternância e a articulação dosa saberes empírico com os saberes da academia. O foco da formação é a superação do modelo de agricultura que degrada o meio ambiente, a partir de conhecimentos científicos e práticos. A ideia é o compartilhamento, disseminação e construção de conhecimentos a partir do contexto regional, que visa fortalecer a agricultura de base ecológica.

O sul e o sudeste configuram uma das principais fronteiras de ampliação do capital na Amazônia. Os ciclos de exploração da madeira, gado e minério cimentaram a região como a que mais desmata no bioma. O município de São Félix do Xingu, localizado ao sul do Pará, ocupa o primeiro lugar do ranking. Por isso tem sido alvo de uma série de medidas que busca reverter o quadro. A formação em agroecologia surge deste contexto. Ao contrário do Formar Florestal, a opção dele foi o município de São Félix do Xingu. Ele tem como objetivo formar agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural, além de lideranças e agricultores familiares na região. 30 educandos integraram a primeira turma.

Casa Família Rural (CFR) é um espaço de educação voltado para a realidade camponesa. Muitas das vezes não conta com o apoio do estado ou município para a sua manutenção. Marly Silva Araújo dirige a CFR de São Félix há seis anos. Ela fez parte da primeira turma do curso em agroecologia.

Em sua avaliação, a formação colaborou para refletir sobre as práticas e conceitos em agroecologia, e que tais práticas podem determinar o futuro dos moradores da região. Conforme Araújo, as aulas teóricas colaboraram para o conhecimento de conceitos e avaliação das práticas desenvolvimentos pelos agricultores.

Araújo pondera que o ponto foi alto do processo foi o intercâmbio com agricultores do nordeste paraense. Os educandos enfrentaram mais de mil quilômetros “Podemos conhecer práticas inovadoras de agricultores familiares e pecuaristas. Foi possível conhecer as diferenças entre as regiões, e o que pode ser replicado em nossa região. Ocorreu um alargamento da nossa visão sobre produção sustentável. A CFR passou a adotar parte do conteúdo sobre o tema”, arremata a educadora.


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