Casamento é apenas para ele e ela
na Nicarágua.
por José
Adán Silva, da IPS
Uma das inúmeras mobilizações realizadas em 2014
por organizações defensoras da diversidade sexual na Nicarágua pelo direito ao
matrimônio e à adoção de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans, o que
finalmente não foi reconhecido no novo Código de Família. Foto: Cortesia da
Rede de Desenvolvimento Sustentável da Nicarágua
Manágua, Nicarágua, 24/4/2015 – A Nicarágua estreou
este mês um novo Código de Família que, no geral, melhora e atualiza os
direitos da população, mas também apresenta uma grande lacuna: não reconhece o
casamento entre pessoas do mesmo sexo e, em consequência, lhes fecha as portas
para a adoção.
As organizações que defendem os direitos das
pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais (LGBTI) lutaram sem
êxito até o final para que a nova ordem legal estabelecida pela Lei 870, a do
novo Código, acolhesse suas demandas em favor do matrimônio igualitário e da
adoção.
Marvin Mayorga, ativista do Projeto Ações Urgentes
Contra a Discriminação por Orientação Sexual e Identidade de Gênero na
Nicarágua, ressaltou à IPS “o caráter discriminatório da lei”. A falta de
reconhecimento do casamento igualitário “nos obriga a permanecer sob o estado
civil de solteiro e as pessoas solteiras não têm permissão para adotar neste
país e constituir uma família”, explicou.
Além disso, segundo Mayorga, “fora da família há
mais barreiras para se ter acesso a garantias mínimas e benefícios como
trabalho digno, seguro social, educação, saúde e moradia”. Também destacou que
“as famílias na Nicarágua são diversas, mas se quer impor um único modelo
familiar”.
O novo Código entrou finalmente em vigor no dia 8
deste mês, após ser cumprida uma série de trâmites desde sua aprovação em 2014
pela legislativa Assembleia Nacional. Com esta ferramenta jurídica, o Estado
busca proteger os direitos individuais de cada membro da família e dos
coletivos deste núcleo social reconhecido com instituição sujeita a garantias e
obrigações.
Conforme detalhou à IPS seu principal promotor, o
deputado Carlos Emilio López, da governante Frente Sandinista de Libertação
Nacional, o Código reúne e atualiza em 674 artigos o que até agora estava
disperso em 47 leis diferentes. O novo contexto jurídico aborda temas como
matrimônio, direitos patrimoniais, adoção e aposentadoria, direitos de mãe, pai
e filhos, divórcios, demandas por alimentos, e responsabilidade materna e
paterna.
Até agora, os assuntos de família eram baseados
principalmente no vetusto Código Civil de 1904, que regulamentava o tema sob
uma forte doutrina católica e conservadora, condicionando os direitos das
mulheres e das crianças à figura masculina como principal suporte da família ,
apontou López.
Segundo o deputado, “foi analisado minuciosamente
para que cada membro da sociedade, como indivíduo parte de uma família, tivesse
bem claro seus direitos, deveres e suas obrigações conforme a Constituição
Política e as leis do país, de modo que não houvesse discriminação de ninguém
por nenhuma razão”.
López ressaltou que não existe discriminação para
as pessoas LGBTI, porque a Constituição Política, que é a lei suprema do país e
está acima do novo Código, protege o direito de cada nicaraguense sem nenhuma
desigualdade.
Porém, Luis Torres, coordenador executivo da
organização Alternativa Nicaraguense de Diversidade Sexual, afirmou à IPS que o
novo Código discrimina as pessoas LGBTI ao negar-lhes o direito ao casamento
legal e obrigar o Estado a transferir os benefícios sociais unicamente ao
núcleo familiar reconhecido pela nova lei.
Torres assegurou que “é um retrocesso. Com o
Código, o Estado deixa de fora em questões de amparo e assistência social os
casais do mesmo sexo que vivem juntos. Não se reconhece o casamento nem a união
de fato estável entre pessoas do mesmo sexo”. Isso se traduz em que “os casais
LGBTI não têm acesso a direitos conexos como direito a crédito familiar,
adoção, extensão por viuvez, morte e lesões em seguro social, entre outros
direitos que beneficiam os casais heterossexuais”, afirmou o ativista.
Estimativas locais e internacionais indicam que 10%
da população nicaraguense, de 6,1 milhões de pessoas, são sexualmente diversos.
O Código tem entre seus avanços o reconhecimento pela primeira vez no país da
união de fato estável em igualdade de direitos e obrigações com o casamento
tradicional. Mas essa união só pode ser “entre um homem e uma mulher”.
Para o catedrático de direito penal e direitos
humanos na Universidade Centro-Americana e na Universidade Americana, Ramón
Rodríguez, “ao estabelecer que o matrimônio e a união de fato estável seja
apenas entre homem e mulher, um setor importante da população, que faz parte da
diversidade sexual, é vítima direta da violação do princípio universal de
igualdade de não discriminação”.
Samira Montiel, procuradora especial da Diversidade
Sexual, discorda das críticas dos defensores dos direitos humanos e das
organizações LGBTI. “Eu também queria que a lei me permitisse casar e adotar,
mas a Constituição não estabelece isso e o Código não pode estar acima da carta
magna”, afirmou Montiel à IPS. Ela assegurou que embora “no momento” não se
estabeleça o casamento entre pessoas do mesmo sexo, “os direitos individuais de
cada membro da comunidade lésbico-gay está protegido em razão de serem irmãos,
filhos, pais, parentes e cidadãos com igualdade de condições sociais”.
Montiel declarou à IPS que “nenhuma mulher lésbica
ou homem gay que tenha um filho terá seu direito tirado, não lhe será negado
beneficio. Até agora não recebi uma queixa formal sobre o Código, ninguém
apelou, não existe uma só gestão de adoção de crianças por parte de um casal
gay, não se nega atenção médica a uma lésbica ou a um bissexual”.
Entre as novidades positivas do Código também estão
a aceleração dos processos por pensão alimentícia de mães ou pais, com limite
máximo de 150 dias, quando antes podia demorar até cinco anos. Entre outras
coisas. Também fixa o valor da manutenção dos filhos menores de 18 anos em até
metade da renda do pai ou da mãe em questão, bem como sanção econômica e
patrimonial pelo não cumprimento.
Ao mesmo tempo, incorpora a demanda de pais por
abandono, direitos dos idosos diante do abandono de seus filhos, pensão de
alimentos a filhos e filhas até os 24 anos, desde que demonstrem que necessitam
desse recurso econômico.
O Código inclui o direito a faculdade legal de qualquer
membro da família com autoridade parental no caso de ausência de pai ou mãe de
um filho, e assuntos concernentes a divórcios, divisão de bens, proteção do lar
quando há crianças, permissões de trabalho e outros. Além disso, proíbe o
castigo físico e tratamento humilhante da criança em qualquer âmbito, e só
permite o casamento a partir dos 18 anos, idade estabelecida como maioridade
penal, para ambos os sexos, para assumir obrigações legais.
A Federação Coordenadora Nicaraguense de
Organizações Não Governamentais que trabalham pela infância e adolescência
pediu que a idade para casar fosse aumentada até os 18 anos, para pôr freio a
casamentos entre meninas de 14 anos, ou menos, e homens maiores de idade.
Muitas vezes esses casamentos constituíam o chamado “remédio familiar” para
abusos sexuais e gravidez de meninas e adolescentes por parte de homens
maiores.