quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Terramérica – Açúcar cubano ganha protagonismo energético.
por Patricia Grogg*
Vista da central açucareira 5 de Setembro, na província de Cienfuegos, em Cuba. Da recuperação desse engenho participa uma subsidiária da construtora brasileira Odebrecht e nele será instalada uma unidade bioelétrica que usará bagaço de cana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.

Havana, Cuba, 22 de setembro de 2014 (Terramérica).- A indústria açucareira pretende se converter na principal fonte de energia limpa em Cuba, como parte de um programa de desenvolvimento de fontes renováveis, com o qual se pretende reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados e proteger o ambiente.

O projeto se insere nos planos de modernização dos engenhos abertos ao investimento estrangeiro pela Azcuba, o grupo empresarial estatal que, em 2011, substituiu o Ministério do Açúcar. Tradicionalmente, as centrais açucareiras geram a eletricidade para seu consumo, a partir de dejetos como o bagaço, resíduo que sobra após a trituração.

Liobel Pérez, porta-voz da Azcuba, defendeu a produção de energia a partir da biomassa da cana como barata e amigável com o ambiente. “O CO2 (dióxido de carbono) produzido na geração de eletricidade é o mesmo que a cana absorve em seu processo de crescimento, portanto há um equilíbrio ambiental”, pontuou ao Terramérica. No momento, não se contempla a produção de etanol como derivado da cana, embora haja especialistas que considerem que esse bicombustível poderia reduzir o consumo de gasolina no transporte e nas máquinas agrícolas e limitar as emissões na atmosfera.

“Esse é um dos temas que a comissão governamental, criada para analisar o desenvolvimento e as energias renováveis, discute”, disse Manuel Díaz, diretor do Instituto Cubano de Pesquisas de Derivados de Cana-de-Açúcar. O funcionário não descartou essa possibilidade no futuro.

“Embora não seja a solução definitiva de longo prazo para o combustível automotivo, o etanol é um fator importante, contribui para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e, se não entra em contradição com o uso da terra para alimentos, pode ser, a meu ver, uma alternativa que cada país deve avaliar segundo suas particularidades”, destacou Díaz ao Terramérica.

Atualmente a indústria açucareira fornece 3,5% da geração de eletricidade do país. O plano para elevar a eficiência energética contempla que, até 2030, cerca de 20 engenhos gerarão um excedente de 755 megawatts (MW) para alimentar a rede do Sistema Eletro-Energético Nacional, isso elevaria para 14% a participação da biomassa de cana na matriz energética prevista para 2030, que projeta em 24% a participação das fontes renováveis, com aportes também da energia eólica (6%), solar (3%) e hidráulica (1%).

Agora, as energias renováveis só representam 4,6% da geração e o restante é fornecido pelos combustíveis fósseis. A paulatina instalação nos engenhos de modernas usinas bioelétricas, necessárias para conseguir esse objetivo, exige investimento estimado em US$ 1,29 bilhão, que a Azcuba espera obter de empréstimos governamentais ou investimentos estrangeiros.

“Onde não aparece crédito, aparece o investimento estrangeiro”, apontou Jorge Lodos, diretor de negócios da Zerus SA, subsidiária da Azcuba. Ele acrescentou ao Terramérica que as duas primeiras empresas a se associarem com Cuba no setor incluíram em seus planos as usinas bioelétricas para aumentar a eficiência energética.

A primeira das unidades alimentadas com biomassa de cana começará a produzir em 2016, disse Lodos. Está prevista a construção em áreas vizinhas ao central Ciro Redondo, na província de Ciego de Ávila, a 423 quilômetros de Havana, pela Biopower, empresa mista formada em 2012 pela Zerus e a britânica Havana Energy Ltd.
Um trabalhador opera a moenda de cana-de-açúcar durante a safra na central açucareira Jesús Rabí, na província cubana de Matanzas. A biomassa do engenho contribuirá para incrementar as fontes limpas na geração de electricidade no país. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.

Durante a safra, de dezembro a maio, essa unidade empregaria como insumo o bagaço da cana processada pelo engenho vizinho, e no resto do ano utilizaria o resíduo de cana armazenado e o marabu (Dichrostachys cinerea), um arbusto lenhoso que invade como praga vastas áreas agrícolas da ilha. O investimento previsto no projeto varia de US$ 45 milhões a US$ 55 milhões.

Já a Companhia de Obras e Infraestrutura (COI), subsidiária da brasileira Odebrecht, acordou com a Empresa Açucareira Cienfuegos, também filial da Azcuba, a administração conjunta por 13 anos da central 5 de Setembro, na província de Cienfuegos, a 256 quilômetros da capital. Neste caso, o compromisso é recuperar a capacidade produtiva do engenho de 90 mil toneladas de açúcar por safra e inclusive aumentá-la.

Lodos detalhou que o investimento desse projeto supera os US$ 100 milhões e inclui também uma usina bioelétrica. Esses dois engenhos e o Jesús Rabí, na província de Matanzas, a 98 quilômetros de Havana, gerarão os primeiros 140 MW de eletricidade no médio prazo. A Havana Energy e a COI abriram a porta para entrada do capital estrangeiro na agroindústria açucareira cubana, apoiadas pelo fato de que já têm investimentos em outros setores da centralizada economia cubana.

“O investimento estrangeiro exige confiança mútua”, opinou Lodos. O governo de Raúl Castro estima que precisa de US$ 2 bilhões a US$ 2,5 bilhões anuais de capitais estrangeiros para crescer e se desenvolver. Dos 56 engenhos cubanos, seis deles inativos, a Azcuba colocou 20 na carteira de investimentos estrangeiros. A prioridade inicial são os oito construídos depois de 1959.

Entre as ofertas para o desenvolvimento de derivados tampouco figura o etanol, embora muitos especialistas considerem que tem boas chances de comercialização. “Não está previsto no programa. Não é dada nenhuma das condições mínimas para introduzir investimento estrangeiro. Não há magnitude de capital, não é aporte de tecnologia, não seria para a exportação, nem substitui importações. Hoje não está na carteira de negócios. Amanhã poderemos pôr”, enfatizou Lodos.

Cuba produz álcool em 11 destilarias, também em fase de modernização, para usos farmacêuticos e em sua indústria de rum e outras bebidas. A outrora poderosa indústria açucareira, que teve colheitas de oito milhões de toneladas, tocou o fundo em sua safra 2009-2010, com apenas 1,1 milhão de tonelada produzida, a pior em 105 anos. Hoje o setor representa cerca de 5% da entrada de divisas no país.

Espera-se que o programa de modernização das máquinas fabris, dos equipamentos de transporte e outros recursos para melhorar os rendimentos impulsione a produção, junto com o aumento da semeadura de cana. No ano passado, foram plantados 400 mil hectares e a safra 2013-2014 chegou a pouco mais de 1,6 milhão de toneladas.


Fonte: ENVOLVERDE

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