País avança no desenvolvimento de
métodos para substituir o uso de animais em experimentos científicos.
CNPq aprova fomento de R$ 1,58 milhão para
estimular produção de métodos alternativos no País.
O Brasil dá um passo em direção ao
desenvolvimento de métodos alternativos na tentativa de substituir ou reduzir o
uso de animais em experimentos científicos em laboratórios.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), agência de fomento à pesquisa científica do Ministério de
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), aprovou medidas para estimular a
produção de métodos alternativos. A intenção é substituir ou reduzir o uso de
experimentos com animais na pesquisa biomédica, testes ou ensino.
Segundo o diretor de Ciências Agrárias,
Biológicas e da Saúde (CABS) do CNPq, Marcelo Morales, o órgão aprovou fomento
de R$ 1,58 milhão para que os laboratórios da Rede Nacional de Métodos
Alternativos (Renama) possam desenvolver alternativas ao uso de animais.
Trata-se de uma parceria entre o CNPq, MCTI e Ministério da Saúde.
Criada há dois anos pelo MCTI, a Renama possui
três laboratórios: Inmetro, Instituto Nacional de Controle de Qualidade em
Saúde (INCQs) da Fiocruz e o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio). A
primeira e última liberação de recursos canalizada para Renama foi em 2012, no
valor de R$ 1,1 milhão, recursos destinados a despesas de custeio e de capital.
Para fazer frente aos novos desafios, Morales
disse que serão publicadas três chamadas públicas ainda este ano.
A primeira destina-se ao apoio para validação do
método Het-Cam (in vitro), visto como alternativa ao teste de Draize (in vivo)
hoje aplicado principalmente em coelhos para avaliar potencial irritação ocular
que um agente químico pode provocar no ser humano.
A segunda é voltada ao fomento da produção de
linhagem geneticamente modificada para o desenvolvimento de ensaios in vivo, a
fim de reduzir ou substituir o uso de animais em experimentos científicos.
A terceira, por sua vez, propõe o cultivo de
células e tecidos humanos para testes farmacológicos e toxicológicos, chamados
de body-on-a chip. Isso significa usar células humanas em um chip para simular
o funcionamento do corpo humano.
Há três meses apenas no comando da área de
Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, Morales informou ainda que
foram criadas áreas específicas de ciência de animais em laboratórios e de
métodos alternativos ao uso de animais em experimentos científicos no órgão.
“Essas áreas não ficarão mais perdidas. Serão
avaliadas com cuidado e com a expertise de pesquisadores especializados“, disse
Morales que foi coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação
Animal (Concea) e presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica (SBF).
Apoio à medida
A medida, que tem o apoio da comunidade
científica, está em consonância com as demandas do Concea, também vinculado ao
MCTI.
O coordenador do Concea, José Mauro Granjeiro, analisou
as medidas do CNPq e as considerou um alento para pesquisa científica nacional.
?“A medida é excelente e coloca o Brasil na fronteira da pesquisa nessa área?”,
assegurou.
A maioria desses métodos alternativos, disse,
ainda está em fase de pesquisa e desenvolvimento no mundo e o Brasil, agora,
pode fazer parte desse processo. É o caso do método Het-Cam que, segundo
Granjeiro, já foi desenvolvido na Europa, mas seu processo de validação ainda
depende de algumas análises. E nesse caso, o Brasil pode participar da fase
final da validação do método Het-Cam.
“Os laboratórios da Renama receberão recursos
para participar do processo de validação e testar esses métodos utilizando
diversos compostos químicos já conhecidos, para certificar se são eficientes ou
não. Mas tudo indica que são eficientes”, pontuou.
Validação do método Het-Cam no Brasil
Depois que a validação do método Het-Cam for
finalizada e publicada pela OECD (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), o Concea fará também o reconhecimento desse método
e irá incorporá-lo “em nossas análises”.
Granjeiro analisou também a medida que fomenta a
produção de linhagem geneticamente modificada para o desenvolvimento de ensaios
in vivo. Para ele, essa também é uma área em desenvolvimento no mundo. Por
enquanto, disse, nenhum país validou esse método porque está em fase de
pesquisa e desenvolvimento.
“É uma estratégia que vai identificar linhagens
celulares com modificações específicas que ajudarão a desenvolver experimentos
científicos, diminuindo ou até substituindo o uso de animais”, explica.
O método body-on-a chip, destaca Granjeiro,
também está em processo de desenvolvimento no mundo. “Existe um esforço mundial
para substituir o uso de animais, em alguns tipos de testes, por esse método,
que significa colocar uma célula em um chip para simular o que acontece no
corpo humano.”
Na avaliação do coordenador do Concea ainda é
cedo para estimar quando esse último método estará disponível no mundo. “Ainda
há muito trabalho pela frente, para validar esse método e para demonstrar que
ele consegue efetivamente substituir o que se vê no animal”, pontua.
Estímulo à pesquisa e desenvolvimento
Diante de tal cenário, Granjeiro destaca a
importância das medidas do CNPq nesta atual conjuntura. “As medidas são
importantes porque devem estimular a pesquisa em métodos alternativos atuando
em dois focos relevantes: apoio à validação de métodos alternativos (Het-Cam) e
desenvolvimento de novos métodos alternativos, que no futuro podem ser
validados e submetidos à análise dos órgãos regulatórios e possível aceitação
internacional.”
Granjeiro reforça, porém, que em algumas áreas
nem sempre será possível substituir 100% o uso de animais nos experimentos
científicos.
Representante da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC) no Concea, Lucile Maria Floeter Winter, professora do
Departamento de Fisiologia da Universidade de São Paulo (USP), reforça tal
posicionamento. Disse que áreas como fisiologia, farmacologia, além da
neurociência, são as que usam mais animais nos experimentos científicos porque
analisam o organismo íntegro do ser humano.
Política de fomento
Considerando positiva a medida do CNPq, Lucile
avalia que tal iniciativa abre espaço para uma política de financiamento para
área de desenvolvimento de métodos alternativos no país. “Isso é formidável.”
No olhar do presidente do Concea, Granjeiro, a
área de desenvolvimento de métodos alternativos é estratégica e está em
expansão no país. Por isso, depende de recursos. Nesse caso, declarou que o montante
de R$ 1,58 milhão aprovado pelo CNPq é “considerável” e representa um “começo
importante”. Como parâmetro, Granjeiro disse que os europeus, juntamente com os
americanos, estão investindo 200 milhões de euros para fomentar o
desenvolvimento desses novos métodos alternativos.
“Lógico que é uma construção, não dá para fazer
tudo de uma vez”, analisou o presidente do Concea. “Os esforços antes isolados,
agora estão sendo canalizados visando fomentar o tema”, complementou.
Granjeiro citou como passos importantes a criação
da Renama e o recém-criado Centro Brasileiro de Validação de Métodos
Alternativos (Bracvam), vinculado ao Concea, que valida tanto os métodos
oriundos do exterior como os produzidos internamente.
Suporte à Resolução do Concea
A representante titular da SBPC no Concea,
Lucile, fez questão de enfatizar também a importância da Resolução do Concea,
publicada no mês passado reconhecendo no Brasil o uso de 17 métodos
alternativos validados em outros países, para redução, substituição ou refinamento
do uso de animais em atividades de pesquisa. São métodos oriundos da Europa,
principalmente, e validados pelo Bracvam. Foi estabelecido o prazo de cinco
anos para a substituição obrigatória do método original pelos alternativos.
A especialista reconheceu o apoio de outros
órgãos nessa iniciativa, como Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura, além
do CNPq. “Está havendo um suporte”, observou.
Com a mesma opinião, Carlos Rogério Tonussi,
professor do Centro de Ciências Biológicas da Universidade de Santa Catarina,
também considera as medidas positivas.
Na avaliação de Tonussi, as medidas do CNPq dão
suporte aos desafios traçados na resolução do Concea. Isso porque faltavam
linhas de fomento para continuar o processo de validação internamente e o
estabelecimento de outras técnicas.
“Isso era o que faltava para que, gradativamente,
os setores que precisam fazer testes com esses métodos pudessem fazer isso,
como vem ocorrendo no exterior. Esse é um avanço enorme para o Brasil”, avaliou
Tonussi, que é representante suplente da SBPC no Concea.
Para Granjeiro, a iniciativa do CNPq reforça a
importância do desenvolvimento de métodos alternativos e investe recursos na
área. “Entretanto, é importante ressaltar que somente após a validação dos
métodos alternativos é que estes podem ser considerados para reconhecimento do
Concea e aceitação regulatória.”
Segundo ele, a maioria dos métodos alternativos
disponíveis ainda não substitui completamente o uso de animais nos
experimentos. “A substituição é parcial, reduz ou apenas é específica para um
determinado ensaio. Essa linha de pesquisa fomentada pelo CNPq vislumbra num
futuro ainda indefinido a possibilidade de uma substituição completa. Mas é
preciso deixar claro que isso não é para amanhã.”
Fonte: Jornal da Ciência/SBPC
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