A importância da matéria orgânica
nos solos tropicais, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves.
Importante
ressaltar que o solo é um perfeito laboratório natural. Inúmeros processos
biológicos e incontáveis reações químicas nele ocorrem para promover a vida, em
equilíbrio dinâmico de sistemas complexos de interação bioquímica. Minerais,
água, gazes, animais, microrganismos e vegetais interagem neste sitio
biodinâmico denominado solo vivo, ao compasso da variação de temperatura. A
interferência do homem para cultivar plantas e criar animais é que promove seu
desequilíbrio, dependendo do sistema de manejo.
A
importância da matéria orgânica (MA) nos solos tropicais tem sido negligenciada
tanto por técnicos quanto por produtores. Nas interpretações de análises de
solo é dada maior atenção ao pH do solo para correção com aplicação de calcário
e aos níveis de macro e micronutrientes para efeito de adubação química, que ao
seu teor de matéria orgânica. Raramente há recomendação de incorporação de
matéria orgânica para elevar o seu nível no solo.
Se
menos de 1% do total de fertilizantes químicos consumidos no Brasil é aplicado
nas culturas e pastagens da Amazônia, o manejo da matéria orgânica assume papel
importantíssimo nos solos desse bioma, reconhecendo-se que a biomassa tem sido
até então o aporte de nutrientes de importantes cadeias produtivas de
diferentes culturas e criações por mais de 40 anos em nossa região.
Nos
trópicos com a mesma velocidade que a natureza produz biomassa, com a mesma
velocidade decompõe a MO em função da umidade e de temperaturas elevadas. Os
solos tropicais apresentam em média de 1-2% de MO, o que corresponde a uma
variação de 30 a 60 toneladas de matéria orgânica por hectare na camada de 20
cm de profundidade. Em regiões tropicais, nos primeiros anos de cultivo do
solo, mais de 50% da MO pode ser perdida por diversos processos, como a
decomposição microbiana e a erosão. Cada vez que o solo perde 1% de MO é
liberado em média 17,4 toneladas de CO2 para a atmosfera, que vai contribuir
para o aquecimento global, fato que já justificaria o seu manejo, considerando
este impacto no meio ambiente. Como exercício, calcule o quanto de CO2 é
liberado para a atmosfera, se 74 milhões de hectares já foram antropizados na
Amazônia. Mas as vantagens imediatas para o sistema de cultivo reforçam ainda
mais a necessidade de conservação da matéria orgânica nos solos tropicais.
Um
solo rico em MO tem melhor estrutura e estabilidade em seus agregados, evitando
a erosão, favorecendo a retenção de água, reduzindo a compactação do solo pela
mobilização excessiva de máquinas e animais e facilitando a infiltração. Tem
elevada a sua capacidade de troca de cátions (CTC) e capacidade de troca de
ânions (CTA) e melhor disponibilidade de nutrientes para as plantas pela
interação de bactérias fixadoras de nitrogênio e de micorrizas, especialmente
as de solubilização do fosfato. A decomposição inicial da matéria orgânica pela
ação de cupins, ácaros e anelídeos e posteriormente por fungos e actinomicetos
imobiliza inicialmente a MO que posteriormente com a mineralização
disponibiliza nutrientes para as plantas. Em solos com adequado teor de MO os
microrganismos que causam doenças nas plantas são equilibrados por seus
inimigos naturais. Nestes solos observa-se que a ocorrência de doenças como
podridão radicular é menos frequente.
A tecnologia da roça sem fogo foi
sistematizada exatamente para servir de opção a agricultura de derruba e
queima, sistema até o momento mais utilizado pelos agricultores para o preparo
de área para plantio na Amazônia. Roças sem fogo implantadas na região do Baixo
Tocantins mantiveram nas áreas de produção em média 41,58 toneladas de MO por
hectare, com produtividade média de 22 t/ha de raiz de mandioca, em municípios
como Moju, Acará, Cametá e Abaetetuba no Pará.
As
leguminosas além de plantas fixadoras de nitrogênio no solo são excelentes
produtoras de biomassa. Nos trópicos as leguminosas preferencias para uso como
cobertura morta devem ter alta relação carbono/nitrogênio, já que o interesse é
retardar a atividade microbiana e manter por mais tempo a cobertura do solo sob
a palhada. Podem ser usadas o ingá-cipó (Ingá edulis), a acassia mangium
(Cassia mangium) como leguminosas arbóreas e o feijão guandú (Cajanus
cajan), a crotalária (Crotalaria juncea) como arbustivas, estas com
menor relação carbono/nitrogênio e a mucuna (Mucuna pruriens) e a
puerária (Pueraria phaseoloides) como leguminosas de cobertura. Os
resíduos das culturas nunca devem ser queimados e sim espalhados em cobertura
no solo.
A
manutenção da MO nos solos tropicais é condição indispensável para a
sustentabilidade da produção agropecuária e a conservação dos solos agrícolas.
E a dinâmica de produção de biomassa é a fonte mais abundante de nutrientes
para as culturas e criações nos trópicos úmidos.
Raimundo
Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental.
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Fonte: EcoDebate
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