Montanhas de comida no lixo e
centenas de milhões passando fome.
por D.
McKenzie, da IPS
“Precisamos de uma mudança transformadora de nossas
políticas alimentares e agrícolas para ter sustentabilidade”, afirmou Ren Wang,
do Departamento de Agricultura e Proteção do consumidor da FAO. Foto: A.D.
McKenzie/IPS.
Nápoles, Itália, 13/10/2014 – A Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) calcula que o mundo
desperdiça 1,3 bilhão de toneladas de alimentos a cada ano, enquanto 805
milhões de pessoas sofrem desnutrição crônica ou fome. Ren Wang, diretor-geral
do Departamento de Agricultura e Proteção do Consumidor da FAO, anunciou esses
números no XI Fórum Internacional para a Mídia sobre a Proteção da Natureza,
acrescentando que “precisamos de uma mudança transformadora de nossas políticas
alimentares e agrícolas para ter sustentabilidade”.
O fórum deste ano – Gente Que Constrói o Futuro.
Alimentando o Mundo. Alimentação, Agricultura e Ambiente – reuniu
especialistas, jornalistas e responsáveis políticos na cidade de Nápoles, entre
os dias 8 e 11 deste mês, organizado pelo grupo ecologista italiano
Greenaccord. O encontro aconteceu quando se aproxima o fim do ano que a
Organização das Nações Unidas (ONU) dedicou à agricultura familiar, enquanto a
alta de preços dos alimentos continua minando a renda dos setores vulneráveis.
Embora a produção mundial de alimentos tenha
triplicado desde 1946 e a desnutrição mundial tenha caído de 18,7% para 11,3%
nos últimos 20 anos, a segurança alimentar continua sendo um tema crucial,
destacou Wang. A comida desperdiçada representa um terço da produção atual de
alimentos. Por essa razão a expansão da produção agrícola não é necessariamente
a resposta.
O mundo produz alimentos suficientes para que cada
habitante consuma cerca de 2.800 calorias diárias, segundo os cientistas. Mas,
enquanto algumas pessoas têm a possibilidade de desperdiçar a comida, para
outras ela não chega a ser suficiente. Apesar de o desperdício e a fome não
estarem diretamente relacionados, existe uma desigualdade inquestionável no
sistema mundial de alimentos, afirmou Gary Gardner, do Instituto Worldwatch, um
centro dedicado à pesquisa de políticas sustentáveis, com sede em Washington.
“Nos países ricos, o desperdício de comida acontece
frequentemente em nível varejista e do consumidor, seja na loja ou em casa,
onde se joga fora grande quantidade”, indicou Gardner à IPS. Pelo contrário, o
mesmo fenômeno no Sul em desenvolvimento ocorre principalmente no nível
“agrícola ou de processamento”, acrescentou. Segundo o especialista, “a comida
se perde, em geral, por não haver sistemas que a transportem de maneira
eficiente aos centros de processamento e depois ao consumidor”.
A perda e o desperdício de alimentos chegam a cerca
de US$ 680 bilhões nos países industrializados e atingem US$ 310 bilhões no Sul
em desenvolvimento, segundo a iniciativa Save Food (Salvar a Comida), um
projeto da feira comercial alemã Messe Düsseldorf, em colaboração com a FAO e o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
“Os consumidores dos países ricos desperdiçam quase
tanto alimento (222 milhões de toneladas) quanto toda a produção alimentar da
África subsaariana (230 milhões de toneladas)”, segundo a Save Food. “Embora
fosse possível guardar apenas um quarto dos alimentos que se perde ou
desperdiça no mundo, isso bastaria para alimentar 870 milhões de pessoas que
passam fome”, acrescentou a organização.
Na Europa, a grande quantidade de comida que os
supermercados jogam no lixo em certas ocasiões causa indignação pública,
especialmente nos países onde é ilegal as pessoas recolherem o que é jogado
fora. A cadeia de supermercados britânica Tesco reconheceu que descartou 28.500
toneladas de alimentos no primeiro semestre de 2013, e em geral o desperdício
anual na Grã-Bretanha é calculado em15 milhões de toneladas.
Nos Estados Unidos, as autoridades calculam que
aproximadamente 40% dos alimentos produzidos acabam no lixo, em grande parte
devido aos supermercados. Mas nos dois lados do Atlântico é ilegal recolher
produtos dos contêineres de lixo, um tema delicado para alguns ativistas que
organizaram campanhas públicas que oferecem refeições preparadas com alimentos
jogados fora.
No fórum de Nápoles, onde os especialistas analisam
as consequências sociais e ambientais do desperdício, entre outros temas,
Gardner falou sobre a experiência do ativista Rob Greenfield, que se alimentou
com comida retirada dos contêineres de lixo enquanto percorria os Estados
Unidos de bicicleta.
“Muitas vezes a comida estava em pacotes fechados,
caixas inteiras de cereais, sucos, esse tipo de coisas que por diversas razões
foram jogadas fora, mas que, para ele, eram alimentos em perfeito estado”,
explicou Gardner. “Essa não é a melhor maneira de nos desfazermos dos resíduos.
A melhor maneira, em primeiro lugar, é não gerá-los”, acrescentou.
A Tesco e outras redes de supermercados britânicos
concordaram em aplicar um programa de redução de resíduos, e restaurantes em
vários países também tomaram medidas não só para reduzir os dejetos como para
convertê-los em biogás para gerar energia. Gardner opinou à IPS que, em lugar
de jogar comida fora, os supermercados deveriam doar os produtos a organização
locais, como as cozinhas populares, embora o melhor fosse “não gerar esse
desperdício”.
Alguns oradores no Fórum disseram que o uso de
alimentos ou dejetos do lar para a energia em nível local poderia contribuir
com soluções ambientais de maior alcance, mas que o objetivo principal deve ser
frear a geração de resíduos.
“A segurança alimentar e a mudança climática têm
alguns desafios em comum”, ressaltou Adriana Opromollo, da Caritas
Internacional, rede católica de organizações humanitárias. “Em nível local,
vemos que o uso dos alimentos ou do lixo doméstico pode prosperar como
estratégia de sucesso. Mas temos que nos concentrar nas soluções que se adaptam
ao contexto particular”, afirmou à IPS.
A forma de reduzir a quantidade de resíduos pode
começar com medidas simples. Algumas empresas de serviços de alimentação dos
Estados Unidos descobriram que, quando nos restaurantes escolares eram dados
aos estudantes apenas os pratos, sem as bandejas, os jovens pegavam apenas os
alimentos que poderiam consumir, gerando 25% menos resíduos.
Fonte: ENVOLVERDE
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