Levantamento analisa
comercialização de pescados, de espécies ameaçadas e com comercialização
restrita, em SP e Rio.
A Fundação SOS Mata Atlântica, por meio do Programa
Costa Atlântica, realizou um levantamento em feiras livres, peixarias,
supermercados e restaurantes nas duas maiores cidades do país, com o objetivo
de verificar quais eram as espécies de pescado disponíveis para o consumo, se
elas estavam identificadas de forma correta e se as normas existentes, como o
defeso e a proibição de captura, eram conhecidas e estavam sendo respeitadas.
O estudo “Levantamento e caracterização do comércio
de pescados nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo” foi realizado entre
abril e maio de 2014, incluindo assim a Semana Santa, período em que a procura
por pescados é maior. Coordenado pela SOS Mata Atlântica, o levantamento foi
realizado em parceria com as equipes dos professores Rodrigo Moura, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Fabio Motta, da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp) – Campus Baixada Santista.
No Rio de Janeiro, o levantamento abrangeu 55
estabelecimentos das Zonas Sul, Norte e Oeste. Na cidade, foram registradas a
comercialização do cherne-poveiro (Polyprion americanus) – espécie
criticamente ameaçada cuja captura está proibida no Brasil –, de lagostas em
período de defeso (quando a pesca da espécie é proibida para garantir sua
reprodução), anchovas e robalos abaixo dos tamanhos mínimos de captura, além de
diversos casos de rotulagem trocada, conhecido como “gato-por-lebre”.
Em São Paulo, foram analisados 44 estabelecimentos
nas Zonas Sul, Norte, Leste e Oeste. Em nenhum deles a equipe encontrou
espécies sendo comercializadas ilegalmente. Ações de fiscalização realizadas no
ano passado podem ter contribuído para esse resultado. “Em 2013, ocorreram
campanhas de fiscalização promovidas pelo Ibama e Polícia Federal no Ceagesp, o
maior centro distribuidor de pescado da cidade. Em maio daquele ano, por
exemplo, foram apreendidos numa única operação mais de 700 kg de peixes de
comercialização proibida”, observa Fabio Motta, da Unifesp.
Um padrão comum a todas regiões pesquisadas é que
falta informação de qualidade para que comerciantes e consumidores possam
identificar as espécies, sobretudo aquelas ameaçadas e com comercialização restrita.
“Há também um panorama generalizado de falta de informação sobre períodos e
tamanhos em que determinadas espécies não devem ser capturadas e
comercializadas. No Rio, por exemplo, 33% dos comerciantes não conheciam nenhum
período de defeso e 78% desconheciam o tamanho mínimo de captura das espécies
que vendiam. Em São Paulo, esses números são de 43% e 68%, respectivamente“,
ressalta o pesquisador Rodrigo Moura, da UFRJ.
Diego Igawa Martinez, do Programa Costa Atlântica
da Fundação, explica que, ao longo da cadeia de comercialização, perde-se
informação sobre a captura e origem do pescado. “Ainda existe muita
informalidade na cadeia de comercialização de pescado, dificultando a aquisição
de informações confiáveis sobre a produção e consumo. A estatística pesqueira
da produção, por exemplo, não é mantida de forma contínua em boa parte do
país”, observa.
Nos restaurantes, esse processo é mais grave e, na
maior parte dos casos, o cliente não tem nenhuma garantia de estar consumindo
pescado capturado dentro das normas ou proveniente de pescarias que degradam
menos o meio ambiente, nem mesmo se a espécie no prato corresponde ao nome no
cardápio.
“A principal conclusão é que ainda precisamos
avançar muito para que o consumidor possa ter informações suficientes para
escolher o melhor produto. O preço e a aparência de fresco do pescado são os
fatores que mais influenciam a compra, e existe um grande desconhecimento sobre
a origem, identificação da espécie e a qualidade ambiental da pescaria”, afirma
Martinez.
Espécies mais encontradas
Considerando todos os estabelecimentos pesquisados,
a maioria das espécies encontradas foi de água salgada. No total, em São Paulo
foram identificadas 89 espécies, enquanto no Rio de Janeiro foram 79.
Há diferenças de oferta nas duas cidades estudadas
e, também, dentro das regiões de uma mesma cidade, com espécies mais nobres,
como garoupas e badejos, sendo preferencialmente comercializadas em regiões de
maior renda.
Das espécies observadas em São Paulo, destaque para
o salmão (presente em 55% dos estabelecimentos), sardinha (49%),
pescada-branca (48%), camarão (47%), cação (43%) e tilápia (41%). No Rio, a
corvina foi o peixe mais encontrado (presente em 85% dos estabelecimentos),
seguido do salmão (83%), camarão (81%), anchova (79%), linguado (71%) e tilápia
(71%).
Nos pontos de comercialização, além da proveniência
do pescado ser difícil de ser determinada, há problemas sérios com a
identificação do produto. Muitos consumidores não sabem, por exemplo, que o
cação na verdade é um tubarão. Vendidos em filé ou postas, fica ainda mais
difícil identicá-los. Das 88 espécies de tubarões brasileiros, 12 estão na
lista das ameaçadas de extinção.
Já os camarões, em grande maioria, são oriundos de
fazendas de carcinicultura, uma atividade que tem promovido a destruição de
grandes áreas de manguezais para a construção de tanques de cultivo.
Confira as espécies mais encontradas no período:
São Paulo
|
Rio de Janeiro
|
||
Salmão
|
55%
|
Corvina
|
85%
|
Sardinha
|
49%
|
Salmão
|
83%
|
Pescada-branca
|
48%
|
Camarão
|
81%
|
Camarão
|
47%
|
Anchova
|
79%
|
Cação
|
43%
|
Linguado
|
71%
|
Tilápia
|
41%
|
Tilápia
|
71%
|
Corvina
|
36%
|
Pescadinha
|
65%
|
Anchova
|
30%
|
Lula
|
60%
|
A ocorrência de espécies por região, em cada
cidade, está disponível em: http://goo.gl/GmtXT5
Gato-por-lebre
A rotulagem trocada ocorre por razões que vão desde
a falta de conhecimento até a troca por espécies mais caras ou com maior
aceitação no mercado.
Na maior parte dos estabelecimentos foram
encontrados pescados com rotulagem trocada. “Muitas vezes, essa rotulagem
errada pode ser um simples deslize do comerciante, mas é evidente que espécies
de menor preço são frequentemente rotuladas como espécies nobres. Do ponto de
vista ambiental, essa rotulagem errada também mascara um problema sério, que é
o da comercialização de espécies proibidas, ou capturadas em tamanho e épocas
inadequados. Em São Paulo, por exemplo, encontramos em alguns estabelecimentos
o ‘cação’ (tubarões) ofertado como ‘badejo’, algo bastante emblemático,
considerando-se o status de conservação de ambos os grupos”, diz Fabio Motta,
da Unifesp.
No total, em São Paulo foram registrados 29 casos
de rotulagem trocada, sendo que 78% das feiras livres e 40% das peixarias
tiveram pelo menos um registro. No Rio, foi registrado um total de 14 espécies
com troca de rotulagem, sendo que 86% das feiras livres e 25% das peixarias
mostraram pelo menos um registro.
“No Rio, observamos a comercialização de ‘filé de
panga’, um peixe importado de baixo valor, como ’filé de pescada’ ou ’filé de
linguado’, espécies nativas de maior valor e excelente qualidade. Na dúvida
sobre a identidade do pescado, o consumidor deve sempre optar pela compra do
peixe inteiro, e não de filés ou produtos processados“, esclarece Rodrigo
Moura, da UFRJ.
A troca de rotulagem é um crime contra as relações
de consumo, sendo passível de denúncia e punição. Quando se sente prejudicado,
o consumidor pode buscar o Procon, baseado no Código de Defesa do Consumidor
(lei nº 8.078/ 1990).
Defeso
No Brasil, os períodos de defeso são temporadas em
que as atividades de pesca ficam vetadas e a comercialização fica controlada e
restrita a estoques congelados e devidamente registrados. Esses períodos são
instituídos por normas dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Pesca e
Aquicultura (MPA). Apesar dessas normas, é difícil visualizar um panorama
completo e em linguagem acessível. Por exemplo, no site do MPA as normativas
estão apresentadas por tipo e ano de publicação (Portarias e Instruções
Normativas) e não por espécie. No site do Ibama há informações erradas e
incompletas até para espécies emblemáticas, como o mero. “Consumidores e
comerciantes têm dificuldade em compreender as complexas regras afetas ao setor
pesqueiro“, ressalta Moura.
Diego Igawa Martinez, da SOS Mata Atlântica,
destaca que o período de defeso é uma medida essencial para assegurar mais
sustentabilidade no uso dos estoques pesqueiros, mas que o estudo mostrou
claramente que são necessárias ações de divulgação e informação muito mais
amplas, fazendo com que as regulamentações sejam conhecidas por toda a cadeia
de comercialização. “A grande variedade de períodos de defeso e as diversas
questões técnicas sobre áreas e equipamentos de pesca permitidos não são
facilmente compreendidas pelo consumidor. Portanto, ainda existe a necessidade
de um amplo trabalho educativo”, diz.
Ele explica também que a Fundação SOS Mata
Atlântica pretende expandir a pesquisa, incluindo novas localidades e mais
variáveis sobre a comercialização de pescado. A ideia é preencher as principais
lacunas de conhecimento sobre a cadeia de consumo de pescado nas duas maiores
cidades do país. “No momento, a equipe está desenvolvendo material informativo
para comerciantes e consumidores, com um resumo sobre períodos de defeso e
sobre os tamanhos mínimos de captura, visando facilitar a adoção de boas
práticas na venda e compra de pescado. O objetivo é que o comprador possa
identificar as espécies que está comprando e qual a melhor opção de compra, no
sentido de ajudar a reduzir a sobrepesca, que é um dos principais vetores de
degradação e perda de biodiversidade nos oceanos, uma responsabilidade que
precisa ser compartilhada por todos“, conclui.
Fonte: Fundação
SOS Mata Atlântica
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