Transferências
ilícitas para financiar os ODS.
A África perde pelo menos US$ 50 bilhões por ano
com as transferências financeiras ilícitas de empresas transnacionais. Foto:
Kristin Palitza/IPS.
Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 9/11/2015 – A Organização das Nações
Unidas (ONU) calcula que necessita entre US$ 3,5 trilhões e US$ 5 trilhões por
ano para a execução de sua ambiciosa Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, que
inclui os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) aprovados por
governantes de todo o mundo em setembro.
Mas uma pergunta fundamental continua sem resposta.
Como a ONU fará para convencer os países ricos e as companhias transnacionais a
ajudá-la a arrecadar os trilhões necessários para cumprir essas metas, que
incluem a erradicação da pobreza e da fome até 2030?
Segundo o fórum mundial, existe pelo menos uma
“fonte oculta” de financiamento para o desenvolvimento, sobretudo para o
continente mais pobre do mundo: as transferências financeiras ilícitas (TFI)
procedentes da África, calculadas em mais de US$ 50 bilhões anuais.
James Zhan, diretor de Investimento e Empresas na
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), disse
que a luta contra as TFI é essencial para que a África possa cumprir os ODS.
Calcula-se que, entre 2002 e 2012, saíram da África US$ 530 bilhões em forma de
TFI, acrescentou.
“Esse foi um custo enorme para o desenvolvimento do
continente, já que esse dinheiro poderia ter sido investido no desenvolvimento
econômico e na transformação estrutural da África”, destacou Zhan. Essas
transferências prejudicam as instituições, drenam o Estado de recursos
econômicos muito necessários, reduzem a base de recursos destinados ao
desenvolvimento e geram cargas fiscais nacionais mais elevadas para cobrir o
déficit de fundos, apontou.
Os ODS também incluem educação de qualidade,
melhora na atenção à saúde, igualdade de gênero, energia sustentável, proteção
ambiental e associação mundial para o desenvolvimento sustentável.
Bhumika Muchhala, pesquisadora da Rede do Terceiro
Mundo, pontuou à IPS que as três causas principais das TFI são evasão de
impostos no comércio, atividades delitivas e corrupção governamental. Para ela,
a evasão fiscal, bem como a manipulação dos preços nas transferências das
empresas transnacionais – em particular no setor da mineração – constitui o principal
problema, junto com práticas de lavagem de dinheiro e atividades criminosas,
como tráfico de drogas e de mão de obra.
Como destacam movimentos sociais, organizações não
governamentais, acadêmicos e políticos, isso não ocorre por acidente, pontuou Muchhala.
Muitos países e suas instituições facilitam ativamente e colhem enormes ganhos
com o roubo de grandes quantidades de dinheiro dos países em desenvolvimento,
acrescentou. “Isso desfaz décadas de desenvolvimento econômico e sabota as
possibilidades de crescimento das gerações futuras para além da necessidade de
ajuda econômica”, ressaltou.
Após uma investigação realizada no ano passado, um
Grupo de Alto Nível sobre TFI da África concluiu que a luta contra esse tipo de
transferência já não era uma opção, mas uma absoluta necessidade. Esse grupo
criado pela Comissão Econômica para a África, da ONU, pediu à União Africana
que, junto com suas instituições associadas, elabore um marco de governança
mundial para determinar as “condições em que os ativos sejam congelados,
administrados e repatriados”.
O presidente do Conselho Econômico e Social da ONU,
Oh Joon, sugeriu aos delegados de uma mesa-redonda, realizada em outubro, que a
África, como outras regiões, teria que mobilizar os recursos dentro do próprio continente.
A saída ilegal de fundos representa importante perda de reservas de divisas,
erosão da base impositiva legal e oportunidades perdidas de investimento do
lucro obtido com os recursos naturais, acrescentou. Como se calcula que as TFI
do continente cheguem a US$ 50 bilhões por ano, a eficácia da mobilização dos
recursos nacionais diminui sobremaneira se essas transferências continuam,
destacou.
Na Assembleia Geral da ONU em setembro, o
presidente do Senegal, Macky Sall, disse que as TFI procedentes da África
praticamente superaram a assistência oficial para o desenvolvimento que o
continente recebe, equivalente a, aproximadamente, entre US$ 50 bilhões e US$
55 bilhões por ano. “Se fossem recuperados 17% desses ativos, os países
africanos poderiam pagar integralmente suas dívidas e financiar seu próprio
desenvolvimento”, ponderou.
Zhan informou que a África foi a única região em
que as TFI representaram cerca de 5% de seu produto interno bruto. Ele pediu
transparência e prestação de contas por meio do fortalecimento da sociedade
civil e também que sejam fomentadas as reformas instituicionais e a criação de
comissões anticorrupção. Os governos africanos têm a grande responsabilidade de
lidar com o problema, mas também a têm a comunidade internacional, indicou.
As empresas transnacionais e o investimento
estrangeiro direto também são uma parte importante da solução. Organismos da
ONU, com a Unctad, poderiam assessorar os governos africanos a desenharem
políticas de investimento e manejar a evasão fiscal e as práticas ilegais das
corporações, recomendou Zahn.
Muchhala afirmou à IPS que muitas organizações
destacam a urgente necessidade de reformar as políticas de troca de informações
e de transparência na União Europeia e nos Estados Unidos, enquanto a Rede de
Justiça Fiscal, movimento social integrado por diversas organizações não
governamentais, insiste na necessidade de combater a evasão fiscal.
Nesse sentido, uma campanha para a criação de um
órgão fiscal internacional integrado pelos Estados membros da ONU, realizada
durante a terceira conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento,
realizada em Adis Abeba em julho deste ano, não prosperou devido à resistência
dos países industrializados.
Apesar dessa grande decepção, a pressão do Sul em
desenvolvimento e de movimentos sociais para que seja criado um organismo
fiscal internacional persistirá tanto dentro quanto fora das Nações Unidas,
enfatizou Muchhala. Envolverde/IPS.
* Este artigo integra um projeto de mídia da IPS
América do Norte, Global Cooperation Council e Devnet Tokio.
Fonte: ENVOLVERDE
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