Reservas
privadas querem protagonismo.
Parte da reserva privada de Punta Leona, na costa
oeste da Costa Rica, onde seus proprietários protegem de forma voluntária a
biodiversidade biológica e destinam uma pequena parte para explorar o
ecoturismo. Foto: Fabíola Ortiz/IPS.
Por Fabíola Ortiz, da IPS –
Punta Leona, Costa Rica, 19/11/2015 – As reservas
naturais de conservação voluntária de entidades privadas da América Latina
devem ser assumidas como aliadas das políticas ambientais, da mitigação frente
à mudança climática e da preservação da biodiversidade biológica nas florestas
tropicais, segundo especialistas. “As reservas privadas da América Latina não
estão incluídas nas políticas de conservação, mas é preciso integrá-las nas
estratégias nacionais”, afirmou o vice-presidente de políticas de conservação
da organização não governamental Conservação Internacional (CI), Carlos Manuel
Rodríguez.
Rodríguez, que foi ministro de Ambiente, Energia e
Minas da Costa Rica entre 2002 e 2006, fez essa afirmação perante 150
ambientalistas, promotores da conservação voluntária e empresários do
ecoturismo, durante o XI Congresso Latino-Americano de Redes de Reservas
Privadas, realizado na reserva turística de Punta Leona, entre os dias 9 e 12
deste mês.
Para Rodríguez, o setor privado deve ter um papel
mais protagonista. Os governos e os proprietários de áreas naturais privadas
deveriam trabalhar juntos para o cumprimento das chamadas Metas de Aichi sobre
Biodiversidade, estabelecidas em 2010 na cidade japonesa de Nagoya. Naquela
oportunidade, por ocasião da 10ª Conferência das Partes do Convênio sobre a
Diversidade Biológica, 193 membros da Organização das Nações Unidas (ONU)
estabeleceram 20 metas para lutar contra a perda de biodiversidade até 2020.
“Estamos perdendo nosso capital natural em razão da
mudança climática e da grande brecha que há entre a conservação privada e a
pública. Os proprietários de reservas particulares devem se tornar atores
políticos para ajudar a cumprir as Metas de Aichi”, ressaltou Rodríguez. O
custo mundial para financiar essas metas é estimado entre US$ 150 bilhões e US$
440 bilhões por ano, segundo dados do próprio Convênio. No entanto, atualmente,
segundo cálculos da CI, o mundo investe apenas US$ 45 bilhões.
Por isso, segundo Rodríguez, a conservação privada
pode ajudar a paliar o déficit de recursos. Com essa finalidade, foi
formalizada, no dia 6 deste mês, a Aliança Latino-Americana de Reservas
Privadas, a primeira de seu tipo no mundo, que, segundo seus cálculos, aglutina
4.345 reservas particulares de 15 países, com um total de 5.648.000 hectares de
áreas verdes.
Sessão do XI Congresso Latino-Americano de Redes de
Reservas Privadas, realizado na área natural de Punta Leona, na costa oeste da
Costa Rica, entre os dias 9 e 13 de novembro. Foto: Fabíola Ortiz/IPS.
“A ideia é formar uma cadeia em conservação. As
áreas privadas podem fazer o encadeamento dos parques nacionais e engrandecer
os sistemas nacionais de conservação. Também são um mecanismo para absorver as
mudanças drásticas do clima”, ponderou à IPS o guatemalteco Martin Keller,
presidente da nova federação. Para ele, não deveria haver fronteiras para as
reservas privadas na região. “Estamos nos unindo em algo grandioso e
formalizando associações com órgãos internacionais para que nos incluam nos
projetos ambientais”, afirmou.
Durante o congresso na Costa Rica foi anunciado um
programa-piloto para incentivar a venda de bônus de carbono, com a doação de
200 hectares por parte de uma associada da Aliança, que contará com estimadas
3.600 toneladas de carbono. Keller espera que, a partir de 2017, a América
Latina comece a vender carbono em bloco. “Temos sonhos e uma paixão por
conservar a natureza.
Queremos que a venda de carbono seja um mecanismo de
conservação privada em nível mundial”, destacou à IPS o presidente da Rede
Costa-Riquenha de Reservas Naturais, Rafael Gallo, o doador dos 200 hectares
para o plano-piloto.
Na margem do rio Pacuare, na vertente atlântica da
Costa Rica, Gallo possui uma propriedade de 800 hectares – dos quais 700
constituem uma reserva florestal – em Siquirres, 85 quilômetros a leste de São
José, nas proximidades do Parque Nacional Barbilla, que integra a Reserva da
Biosfera La Amistad. “O mercado ainda está começando e a tonelada de carbono é
cotada a US$ 3”, contou Gallo, para quem o mecanismo somente será viável quando
o preço da tonelada chegar a US$ 10.
Os países que integram a Aliança são Argentina,
Belize, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala,
Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai e Peru. Uruguai e Venezuela
também têm reservas privadas, mas ainda não formaram redes locais, passo
necessário para se integrarem. Keller afirmou que ambiciona incluir todo o
hemisfério, inclusive os países caribenhos insulares, o Canadá e os Estados
Unidos.
As reservas privadas querem se beneficiar de
programas de organismos multilaterais, e para isso iniciaram contatos com os
órgãos da ONU vinculados de uma maneira ou de outra a temas de conservação,
como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre
outros.
“Queremos ser um bloco regional, sermos ouvidos em
nível internacional e que haja incentivos aos proprietários para continuarem
apoiando a conservação em conjunto”, afirmou à IPS Claudia García de Bonilla,
diretora-executiva da Associação de Reservas Naturais Privadas da Guatemala.
“Isso porque o impacto que teremos como bloco será maciço”, acrescentou.
Vista de reservas privadas na província de Heredia,
na Costa Rica. Em 200 hectares de uma delas será realizado um projeto-piloto de
bônus de carbono, graças a uma doação de seu proprietário. Foto: Fabíola
Ortiz/IPS.
As áreas de conservação voluntária podem ser de
empresários do ramo do ecoturismo, instituições acadêmicas, de pesquisa ou de
produção agrícola orgânica. Somam-se às áreas públicas de conservação e seus
promotores as definem como escudos verdes diante dos extremos climáticos e da
queda da biodiversidade. “A floresta segue como esponja, absorvendo as
tempestades e os furacões.
Temos que continuar aumentando nossos corredores
ecológicos”, enfatizou Bonilla.
O representante de áreas verdes privadas no Chile,
Mauricio Moreno, destacou benefícios que as reservas naturais de proprietários
individuais, ou organismos privados, podem proporcionar em uma visão global de
conservação. “Essas áreas são um refúgio protegido com muita vontade e muito
esforço. É um complemento da rede pública. Há reservas vizinhas a parques
nacionais que geram áreas muito maiores, permitindo a proteção de espécies
animais. Com esforço público e privado se consegue avançar para uma conservação
integral”, afirmou à IPS.
Segundo a engenheira de recursos naturais
renováveis da Universidade do Chile, Ariane Claussen, o orçamento destinado às
áreas protegidas públicas na região é insuficiente, o que diminui a capacidade
dos Estados de atuarem sozinhos na preservação da biodiversidade. “Mais do que
ver as reservas privadas como independentes, é preciso vê-las de forma integrada.
Se essas pessoas não decidissem conservar, estariam dando outro tipo de uso à
sua terra, como monocultura ou pecuária não sustentável”, apontou à IPS. Mas
suavizou dizendo que “os proprietários dedicam uma pequena parte de suas terras
ao desenvolvimento econômico, como o turismo, porque precisam de uma renda”.
Claussen, junto com seu colega chileno Tomás
González, destacou a iniciativa latino-americana Huella, destinada a colaborar
de forma voluntária em ações de planejamento técnico por meio de conservação,
educação ambiental e ativismo ecológico na região. Em sua opinião, as reservas
privadas cobrem deficiências do Estado. “A ideia é que colaborem com a
conservação sendo áreas de amortização e integrem ecossistemas de áreas
públicas protegidas que estão isoladas e fragmentadas”, acrescentou.
O negócio do carbono
Cada um dos bônus de carbono, formalmente
denominados Reduções Certificadas de Emissões de Gases de Efeito Estufa,
corresponde a uma tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente, gerada
durante a execução de um projeto e negociada no mercado do carbono, uma vez
confirmada a redução.
São comprados por países industrializados para
cumprirem suas metas de redução de emissões, mediante o financiamento de
capturas dos gases-estufa em países do Sul em desenvolvimento. Com esse
polêmico mecanismo, a redução da emissão é creditada ao país financista, o que
barateia o custo de cumprir seus compromissos dentro da Convenção Marco das
Nações Unidas sobre Mudança Climática.
Considera-se que esse mercado ajuda a estabilizar a
emissão de gases-estufa, beneficia as empresas que diminuem voluntariamente sua
emissão no país de origem do bônus e obriga as empresas e os países que excedem
suas cotas a pagarem mais.
Fonte: ENVOLVERDE
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