Humanidade
na margem de erro do fracasso.
Foto: Shutterstock
Relatório das Nações Unidas mostra que, sem
ampliação forte da ambição climática antes de 2030, humanidade não conseguirá
conter o aquecimento perigoso da Terra neste século.
Por Claudio Angelo, do OC –
A humanidade está oficialmente na margem de erro do
fracasso em cumprir a meta de limitar o aquecimento da Terra a menos de 2oC
neste século. É o que revela um relatório anual do Pnuma
(Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) divulgado nesta sexta-feira
(6/11).
Esse estudo, conhecido como Emissions Gap Report,
avalia quão perto ou longe as políticas de clima em curso no planeta nos deixam
de alcançar o objetivo dos 2oC, acordado na conferência de Copenhague, em 2009.
A edição deste ano mostra que estamos bem longe,
mas já estivemos pior: os 119 planos climáticos (INDCs) apresentados por 146
países como contribuição à conferência do clima de Paris são capazes de retirar
da atmosfera, em 2030, de 4 bilhões a 6 bilhões de toneladas de gás carbônico,
em comparação às políticas atuais (como o Protocolo de Kyoto e a meta
brasileira de reduzir o desmatamento até 2020). Isso faria com que as emissões
anuais do planeta em 2030 fossem de 54 bilhões de toneladas de CO2 no melhor
cenário – um crescimento de apenas 2,4% em relação às 52,7 bilhões de toneladas
emitidas em 2014.
Ocorre que, para o mundo entrar numa trajetória de
emissões que nos dê pelo menos 66% de chance de evitar que o limite de 2oC seja
ultrapassado, seria preciso que as emissões em 2030 fossem de, no máximo, 42
bilhões de toneladas de CO2.
Ou seja, se tudo der absolutamente certo com o
cumprimento das INDCs, inclusive a parte delas que está condicionada a aporte
de dinheiro externo, chegaremos a 2030 com 12 bilhões de toneladas de CO2 em
excesso na atmosfera para fechar a conta da estabilização do clima. É esse o
gap (“lacuna”, ou “hiato”, em inglês) a que se refere o título do relatório.
Um pouco mais pessimista do que a avaliação das
INDCs feita pela Convenção do Clima na semana passada, o relatório do Pnuma
estima que os planos para Paris nos colocam numa trajetória de 3oC de
aquecimento em 2100, pelo menos – contra 2,7oC mencionados pela Convenção.
Mais grave ainda, a própria meta dos 2oC pode já
ter sido perdida. Isso porque, segundo o relatório, um “número significativo”
de modelos computacionais usados no estudo para calcular a trajetória de
temperatura simplesmente não consegue produzir cenários futuros de 2oC se as
emissões em 2030 forem maiores do que 55 bilhões de toneladas de CO2.
À primeira vista, estamos dentro da meta, com 54
bilhões de toneladas previstas em 2030. Só que a relação entre INDCs e nível de
emissão futura carrega um monte de incertezas, expressa em uma margem de erro:
a média é de 54 bilhões de toneladas, mas o valor real está em 52 bilhões a 57
bilhões. No último caso, seria economicamente inviável baixar a curva de
emissões do planeta para um cenário compatível com os 2oC. A menos que muita
coisa aconteça bem antes de 2030.
“Adiar esforços rígidos de mitigação até 2030
tornaria a transição para níveis de emissões de longo prazo em linha com o
objetivo de 2oC significativamente mais difícil”, afirma o relatório, num eufemismo.
O Gap Report, portanto, reforça a ideia, já
expressa por um grande estudo internacional divulgado no último mês, de que a
única solução possível para os 2oC é que o acordo de Paris produza um mecanismo
internacional de aumento periódico da ambição das metas – o chamado
“torniquete” (“ratchet”, em inglês) – que possa entrar em ação a partir de
2020. Esperar até 2030 para ajustar as INDCs será tarde demais para o clima.
Mesmo assim, diz o estudo, para que essa ação
pós-2020 siga uma trajetória de custo mínimo, será preciso lançar mão de
tecnologias de “emissões negativas”, como o chamado bio-CCS (produção de
bioenergia com captura e armazenamento de carbono). Alguns pesquisadores chamam
essas tecnologias de “ficção científica”.
Segundo o estudo do Pnuma, existe potencial técnico
de mitigação no mundo capaz de apertar o torniquete em até 10 bilhões de
toneladas. Há muita incerteza sobre o potencial dessas tecnologias, por um
lado; por outro, há várias opções que não são consideradas pelos estudos sobre
potenciais de mitigação, e que poderiam fazer com que a capacidade de cortar
carbono seja ainda maior do que isso.
REDD+
Além disso, o Gap Report traz um recado que o
Brasil faria bem em escutar: as florestas podem se tornar uma tábua de salvação
planetária para fechar o hiato de emissões de forma rápida e relativamente
barata: “O potencial teórico de atividades de mitigação relacionadas a
florestas nos países em desenvolvimento é estimado em até de 9 Gt CO2e [bilhões
de toneladas de gás carbônico] em 2030”, diz o estudo.
É o chamado Redd+, o mecanismo de redução de
emissões por desmatamento e degradação florestal.
Para fazer o Redd+ funcionar, prossegue o Pnuma, os
países florestais deveriam ter prontos níveis de referencia de emissões
florestais, uma estratégia nacional de Redd+ e mecanismos de salvaguardas, para
que a proteção ambiental e direitos de comunidades tradicionais não sejam
atropelados.
Fonte: Observatório do Clima
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