País tem
de zerar desmate para cumprir meta.
Foto: André Villas Bôas/ISA.
Primeira análise completa da contribuição do Brasil
para o acordo de Paris sugere que promessa feita por Dilma Rousseff é mais
ambiciosa do que os planos de seu governo para atingi-la.
Por Claudio Angelo, do OC –
A meta registrada pelo Brasil para o acordo de
Paris é ambiciosa. Mas, se quiser cumpri-la, o governo precisará ir bem além de
simplesmente zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, como prometeu: precisará
zerar o desmatamento em todo o país, legal e ilegal. A conclusão é da primeira
análise detalhada do plano climático brasileiro, publicada ontem (22/10) por um
grupo de pesquisadores da Coppe-URFJ.
Segundo um modelo computacional que leva em conta
as emissões e o desempenho da economia brasileira rodado pela equipe de Roberto
Schaeffer, da Coppe, atingir a meta de 1,3 bilhão de toneladas de CO2 em 2025 e
1,2 bilhão em 2030, valores propostos pelo Brasil na sua INDC (Contribuição
Nacionalmente Determinada Pretendida), exigirá três componentes. Dois deles
estão longe dos planos do governo federal.
Primeiro, será preciso cumprir na íntegra do Plano
ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que prevê até 2020 a recuperação de 15
milhões de hectares de pastagens degradadas e mais 15 milhões até 2030. No
ritmo atual de execução, o ABC não conseguirá cumprir nem os 15 milhões
iniciais.
Depois, será preciso zerar o desmatamento líquido
em todo o país. O governo Dilma Rousseff não tem a menor intenção de fazer
isso, por dois motivos: primeiro, porque aposta todas as fichas no Código
Florestal, que autoriza desmatamento legal de 20% (na Amazônia) a 65% (no
cerrado) da área de uma propriedade. Segundo, porque a ministra da Agricultura
e afilhada de casamento de Dilma, Kátia Abreu (PMDB-TO), ganhou de dote para a
expansão da agropecuária toda a extensão de cerrado do chamado Mapitoba (terras
de alto potencial agrícola situadas entre Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia),
que será devidamente cortada e queimada nos preceitos da lei.
Por fim, o governo precisará, ainda, estabelecer um
preço para as emissões de carbono: US$ 50 a tonelada. O assunto também é tabu
para um governo que estabeleceu prioridade para o petróleo do pré-sal e que tem
se recusado até a adotar medidas tímidas de eliminação de subsídios aos
combustíveis fósseis, como elevar a alíquota da Cide (Contribuição sobre
Intervenção no Domínio Econômico) para a gasolina para mitigar o déficit fiscal
– aconselhado a fazê-lo por ninguém menos que Antonio Delfim Netto.
As três medidas são necessárias porque as emissões
do Brasil, grosso modo, equilibram-se sobre três setores: desmatamento,
agropecuária e energia. Segundo Schaeffer e colegas, é inviável no país reduzir
as emissões de energia em 2030 a menos de 410 milhões de toneladas de CO2
equivalente – valor correspondente a 70% das emissões do setor em 2010.
Portanto, para que isso aconteça, as emissões somadas de florestas e
agropecuária precisariam ser de menos de 790 milhões de toneladas.
Dos vários cenários de mitigação de emissões
construídos pelo grupo da Coppe – e isso assumindo que o PIB brasileiro
crescerá pífio 1,9% ao ano em todo o período, o que reduz o apetite por energia
e terras – somente dois fecham tecnicamente a conta do setor energético: o que
assume cumprimento total do Plano ABC e desmatamento equivalente a metade do de
2010 e outro com desmatamento zero. Este último foi o único considerado
tecnicamente e economicamente viável.
“Mas isso só será possível se se começar a valorar
o carbono emitido, de maneira a que tecnologias que emitam carbono reflitam
este custo maior para a sociedade, e com isso ela parta para soluções de mais
baixo carbono”, disse Schaeffer ao OC. “Nossos estudos mostram que, para
valores de carbono da ordem de US$ 50 por tonelada de CO2 equivalente emitido,
o setor energético se adequa, e o Brasil consegue cumprir sua INDC.”
No entanto, prossegue o pesquisador, sem
desmatamento zero e sem Plano ABC completo, “nem com valores de carbono acima
de US$ 200 por tonelada de CO2 equivalente a conta fecha”.
Ponte
O estudo da INDC do Brasil integra um grande
relatório sobre como as metas de cinco grandes poluidores e da União Europeia
podem estimular a mudança no jeito como esses países produzem e usam energia. A
ciência tem indicado que só uma transição energética radical, que elimine
progressivamente os combustíveis fósseis, poderá colocar o mundo no rumo de
cumprir o objetivo de limitar o aquecimento global neste século ao máximo de
2oC, limite considerado relativamente seguro.
Intitulado “Além dos Números”, o relatório foi produzido por
pesquisadores de 15 países, que integram o chamado Consórcio Miles (sigla em
inglês para Modelando e Informando Estratégias de Baixa Emissão), e divulgado
em Bonn, onde termina nesta sexta-feira a última rodada de negociações
diplomáticas antes da conferência do clima de Paris, em dezembro.
Sua conclusão principal é de que as INDCs importam,
sim. Embora os números que estão na mesa sejam incapazes de pôr o planeta no
rumo dos 2oC, eles ajudam a acelerar a descarbonização. Somadas, as metas
reduzem em 6 bilhões de toneladas de CO2 (quatro vezes as emissões do Brasil) o
“buraco” para fechar a conta do clima. Cortam em 40% a quantidade de CO2
emitido por dólar de PIB nos países estudados (China, Índia, EUA, Brasil, UE e
Japão, que, juntos, respondem por 60% das emissões mundiais por combustíveis
fósseis) e elevam a participação das energias renováveis para 36% da matriz.
O problema é que, se o mundo esperar até 2030 para
aumentar a ambição das metas, os cortes a serem feitos na sequência, a redução
de emissões a partir daquele ano terá de ser tão profunda e tão acelerada a
ponto de tornar-se inviável na prática – e adeus 2oC.
“Um cenário de ação adiada e transição muito rápida
poderia ser muito pernicioso”, disse Thomas Spencer, do IDDRI (Instituto de
Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais), na França, um dos
líderes do trabalho.
Para que a descida da ladeira do alto carbono seja
mais suave, os pesquisadores do Miles propõem o que eles chamam de “ponte”: um
mecanismo pelo qual as INDCs sejam ajustadas para cima já em 2020 e as metas
para o pós-2030 já sejam igualmente definidas.
“Os investidores precisam acreditar depois de Paris
que o mundo está falando sério sobre os 2oC”, disse Elmar Kriegler, do
Instituto de Pesquisa Climática de Potsdam, na Alemanha, co-autor do relatório.
Esse aumento progressivo de ambição, apelidado nas
negociações de “torniquete”, tende a ser uma das grandes batalhas do período
pós-Paris, a partir de 2016. Dele dependerá, em última análise, o atingimento
dos 2oC.
Ontem, a rede de ONGs Climate Action Network
defendeu que o “torniquete” seja adotado antes ainda de 2020, em 2018.
Fonte: Observatório do Clima
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