Migração
atinge recorde histórico.
Migrantes do Chade que serão repatriados por avião
partindo do aeroporto de Kufra, na Líbia. Foto: Rebecca Murray/IPS.
Por Alejo Carpentier, da IPS –
Roma, Itália, 14/10/2015 – A quantidade de
refugiados no mundo alcançou seu máximo histórico, por isso a migração se
transformou em sinônimo de crise humanitária. Devido aos custos econômicos,
políticos e morais que representa a migração em massa (em particular a
experiência que se desenvolve este ano na Europa), é cada vez mais evidente a
necessidade de contar com um conjunto universal de normas e princípios, bem
como o desejo de que as pessoas possam se manter com segurança em suas casas.
Diversos políticos europeus insistem em afirmar que
mais ajuda e investimento nos países de origem podem limitar o deslocamento de
pessoas. Inclusive Matteo Salvini, um líder da oposição italiana contrário ao
refúgio que é oferecido por seu próprio país, é um declarado crente da ideia de
que o desenvolvimento evitaria que as pessoas continuem fugindo para a Europa.
Mas poucos entendem as dificuldades práticas que
implica financiar esse desenvolvimento. Em primeiro lugar, cada vez mais
quantias da ajuda oficial são destinadas às crises humanitárias, o que reduz os
fundos disponíveis para o desenvolvimento sustentável. E, em segundo lugar,
grande parte da ajuda prometida nunca se materializa, por várias razões.
O Nepal é um exemplo. Menos da metade da ajuda
prometida para a reconstrução do país, após o terremoto que sofreu em abril,
foi entregue, segundo funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU). As
controvérsias sobre o novo projeto de Constituição do Nepal tampouco animaram
os doadores. A consequência é que o desastre pode ser expresso em uma
catástrofe mais persistente do que deveria ser, que em última instância
limitará as oportunidades econômicas e a segurança alimentar.
Outro exemplo é o Iêmen. A Arábia Saudita anunciou
uma grande doação para as operações humanitárias em seu vizinho, apesar de
estar envolvida no conflito militar que agravou o deslocamento e a pobreza no
país. Por outro lado, em meio às histórias de horror sobre os maus tratos que
recebem os refugiados na Europa, a Tunísia constrói um fosso ao longo de sua
fronteira com a Líbia, o que demonstra seus próprios temores.
É evidente que as somas combinadas gastas na ajuda
humanitária para os refugiados e para dissuadir a migração fazem com que o
discurso sobre a necessidade de fomentar o crescimento nos países de origem
seja um exercício de puro otimismo. Mas isso poderia mudar agora.
A comunidade mundial se reuniu no dia 12, na sede
da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em
Roma, e votou a favor de aprovar o Marco de Ação para a Segurança Alimentar e
Nutricional em Crises Prolongadas. O objetivo do acordo, negociado pelo Comitê
para a Segurança Alimentar Mundial, é fechar a brecha disfuncional que separa
cada vez mais os orçamentos destinados à ajuda humanitária e ao
desenvolvimento.
Como os signatários são doadores e atores estatais
e não estatais, o marco acordado deveria facilitar para os recursos
transcenderem as barreiras políticas e burocráticas e chegarem onde são
desesperadamente necessários.
No caso da Síria, onde mais da metade de seus 23
milhões de habitantes teve que se deslocar devido à guerra civil iniciada em
março de 2011, a União Europeia demorou meses para chegar a um acordo destinado
a aceitar menos de 5% dos refugiados que agora estão acampados no Líbano e na
Turquia.
Muitos refugiados, que temem que as péssimas
condições de vida nos países vizinhos se tornem permanentes e se desanimam em
buscar proteção no Ocidente, de fato estão regressando à Síria, apesar dos
perigos. Isso poderá chegar a ser um fracasso diplomático internacional, e
muitos dos repatriados culpam a ONU por sua difícil situação. Porém, trata-se
de uma questão prática, e é aí onde o novo marco pode ajudar.
A FAO, por sua vez, já começou a atuar como se o
acordo estivesse vigorando. Neste verão boreal associou-se à Organização
Internacional para as Migrações, a fim de ajudar 500 famílias produtoras
agrícolas a retornarem à Síria. A ajuda consiste em sementes, ferramentas para
a lavoura e granjas avícolas já instaladas, para ajudar as famílias e também
evitar a deserção agrícola do país em guerra.
“O apoio aos meios de subsistência agrícolas pode
contribuir para ajudar as pessoas a permanecerem em suas terras quando sentirem
a segurança para fazê-lo e criar as condições para o retorno dos refugiados e
dos migrantes”, pontuou o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva.
O marco foi idealizado para lidar com as crises
prolongadas, em lugares onde a insegurança alimentar impera de forma quase
permanente há pelo menos uma década. Atualmente existem 21 lugares nessa
situação. Mas a maioria dessas crises ocorre nos Estados frágeis, nos quais o
conflito armado é moeda corrente, seja como causa ou consequência.
Tal como as coisas estão, um terço dos habitantes
do mundo que passa fome (fora da China e da Índia) vive em contextos de crises
prolongadas. E, embora a agricultura gere um terço do produto interno bruto
desses países, esta recebe menos de 4% dos fundos de assistência externa,
segundo Luca Alinov, funcionário da FAO radicado no Quênia.
Dessa forma, o marco acordado em Roma prepara o
caminho para que os recursos fluam para o setor agrícola – onde o rendimento em
termos de segurança é mais alto – precisamente onde mais são necessários. Já é
hora de acabar com a distinção cada vez mais arcaica entre a assistência
humanitária e a ajuda para o desenvolvimento e, com ela, com a separação dos
canais oficiais que repartem os recursos.
“O desenvolvimento rural e a segurança alimentar
são fundamentais para a resposta mundial à crise dos refugiados”, afirmou
Graziano. Sem dúvida, a forma de realizá-lo pode variar na prática, mas a
gênese do marco, que é fruto do diálogo entre múltiplos interessados,
provavelmente ampliará as possibilidades.
Uma vez mais a FAO já está se preparando, como
reflete sua associação com a empresa MasterCard para oferecer às pessoas nos
campos de refugiados do Quênia cartões de crédito pré-pagos que lhes permitam
comprar produtos locais, um modelo que se presta à adaptação a diferentes
circunstâncias.
Os programas de proteção social apoiados pelo
Estado são ideais, como o programa Rede de Segurança Produtiva, que ajudou a
Etiópia a se converter no único país com uma crise prolongada a alcançar um dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o de reduzir pela metade a
porcentagem da população que sofria fome. Mas, para prosperar, necessitam
estabilidade institucional e política, que nem sempre existem.
Aliás, talvez seja onde o novo marco seria mais
inovador, segundo Daniel Maxwell, da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos.
Em concordância os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sugere
transcender a dependência do Estado como via aprovada para a intervenção e
aponta para o consenso de que o fortalecimento dos meios de vida é a prioridade,
destacou.
Fonte: ENVOLVERDE
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