A água é
marginalizada nas negociações.
O 6º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável
assegura a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para
todos. Foto: WaterAid
Por Thalif Deen, da IPS
Nações Unidas, 22/10/2015 – A importância da água
continua sendo um tema relativamente descuidado nas semanas que antecedem a
conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontecerá em
Paris no mês de dezembro. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry,
chamou a atenção para o “número recorde” de fenômenos meteorológicos extremos
que o mundo experimenta atualmente.
Diante da proximidade da 21ª Conferência das Partes
(COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática
(CMNUCC), que será realizada entre 30 de novembro e 11 de dezembro na capital
francesa, Kerry alertou que, no sul do Pacífico sul, há ilhas inteiras
ameaçadas pela elevação do nível do mar.
O sudeste do Brasil sofre a pior seca em 80 anos. E
a Califórnia, nos Estados Unidos, passa pela pior seca em um século, além de
sofrer incêndios florestais. Em Malawi, há inundações recordes, e no Ártico
povos inteiros estão em perigo, descreveu Kerry na Faculdade de Estudos Globais
e Internacionais da Universidade de Indiana, no dia 15 deste mês.
Apesar dessa advertência, o papel da água continua
sendo um tema relativamente descuidado no período que antecede a COP 21, mais
concentrado nas emissões de dióxido de carbono.
Louise Whiting, analista da organização
independente britânica WaterAid, apontou à IPS que a população mais pobre do
mundo é a mais afetada pela mudança climática, que se vive principalmente com a
água. Whiting afirmou que o problema da água se expressa quando sobra – pelas
inundações ou elevação do nível do mar –, quando falta – pelas secas –, ou porque
aparece quando não é esperada, como ocorre com as chuvas imprevistas devido à
alteração dos padrões climáticos, ou porque sua qualidade não é boa, por ser
salgada ou estar contaminada.
Os mais de 650 milhões de pobres e marginalizados
que dependem de fontes de água inseguras estarão cada vez mais vulneráveis, já
que essas fontes estão muito expostas às ameaças relacionadas com o clima,
destacou Whiting. A analista explicou que as inundações podem contaminar os
poços e que as fontes naturais de água doce podem ser contaminadas com água do
mar.
No período prévio à COP 21, a WaterAid solicita à
comunidade internacional que a segurança hídrica – que inclui em primeiro lugar
o acesso à água, ao saneamento e à higiene – seja uma prioridade na hora de
ajudar os países pobres a se adaptarem à mudança climática.
A segurança hídrica melhor a a saúde, a educação e
a estabilidade econômica das pessoas, e as deixa mais resistentes à mudança
climática, afirmou Whiting. “Também devamos garantir que o dinheiro flua das
pessoas que causaram o problema para aquelas menos capazes de enfrentá-lo”,
ressaltou.
Em 2010, a Assembleia Geral da ONU votou uma
resolução que reconhece a água e o saneamento como um direito humano. E o
secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, reiterou que a água potável e
o saneamento são fundamentais para reduzir a pobreza, para o desenvolvimento
sustentável e para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM),
cujo prazo terminará em dezembro.
Entretanto, os 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), adotados por chefes de Estado e de governo de todo o mundo
em 25 de setembro, também incluem a água e o saneamento como elementos
importantes na Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 da ONU.
Em 2030, as Nações Unidas esperam ter alcançado o
acesso universal e equitativo à água potável, ter melhorado a qualidade da água
mediante a redução da contaminação, minimizado a emissão de produtos químicos e
materiais perigosos, e aumentado consideravelmente a eficiência do uso da água
em todos os setores, entre outros objetivos.
A WaterAid se concentrará na melhoria do acesso das
comunidades pobres a água potável, bem como a banheiros dignos, detalhou
Whiting. Em “nosso trabalho, aumentamos a capacidade de armazenamento da água e
fortalecemos a supervisão do fornecimento, para que as secas possam ser
detectadas antes. Onde as inundações são um problema, por exemplo, em
Bangladesh, reforçamos a infraestrutura quando necessário, e também ajudamos as
comunidades a se unirem e avaliar sua própria vulnerabilidade, para que possam
exigir melhores serviços de seus governos, acrescentou.
A WaterAid também ajuda 29 localidades da África
ocidental a lidar com a escassez e a melhorar sua resistência diante das
ameaças climáticas, em particular a forma como manejam seus próprios recursos
hídricos.
Em Burkina Faso, onde a estação seca dura oito
meses ao ano, muitas localidades têm estoques precários. A mudança climática só
fará exarcebar sua situação, afirmou Whiting. A WaterAid aplica uma combinação
de poços adicionais, diques de areia e melhorias nos poços existentes, além de
capacitar a população local para convertê-la em especialista no tema da água.
Esses especialistas, segundo Whiting, estão
revolucionando a capacidade das comunidades para controlar seu próprio
abastecimento mediante a medição dos níveis de água e o monitoramento das
chuvas, a fim de prever as ameaças e detectar padrões emergentes, para que
saibam quanta água pode ser utilizada e em qual momento do dia. Também estão
fornecendo esses dados aos sistemas de monitoramento estatais, para ajudar a
construir um cenário nacional mais sistematizado dos padrões climáticos em todo
o país.
“Para a natureza não importa se você é um pobre
agricultor de subsistência em Burkina Faso ou um contador na Califórnia”,
pontuou Whiting. “A mudança climática afetará a todos. Porém, impactará com
maior força os que contribuíram menos para o problema”, ressaltou, recomendando
que os governantes que se reunirão em Paris em dezembro devem se comprometer a proporcionar
o apoio técnico e financeiro necessário para ajudar os países pobres a se
adaptarem à mudança climática que se aproxima.
Segundo dados da ONU, cerca de 2,6 bilhões de
pessoas obtiveram acesso a fontes melhoradas de água potável desde 1990, mas ainda
restam 663 milhões que carecem desse acesso, e pelo menos 1,8 bilhão de
habitantes recorrem a fontes de água contaminada com matéria fecal.
Entre 1990 e 2015, a proporção da população mundial
que utiliza uma fonte melhorada de água potável subiu de 76% para 91%. A
escassez de água afeta mais de 40% da população mundial, e a ONU prevê que essa
proporção aumente.
* Este artigo integra um projeto de mídia da IPS
América do Norte, Global Cooperation Council e Devnet Tokio.
Fonte: ENVOLVERDE
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