Cultivos
em terraços: um modelo indígena para segurança alimentar.
Terraços construídos pelos indígenas do deserto de
Atacama na aldeia de Caspana, no Alto Loa, na região de Antofagasta, norte do
Chile. Esta técnica milenar de cultivo representa uma adaptação ao clima e
garantia ao direito de alimentação desses povos do altiplano andino. Foto:
Marianela Jarroud/IPS.
Por Marianela Jarroud, da IPS –
Caspana, Chile, 22/10/2015 – Os cultivos em
terraços (plantação em degraus em terreno em declive) dos povos originários
andinos representam uma contribuição à segurança alimentar, por apontar uma
estratégia de adaptação a um meio de difíceis características e complexidades
geográficas para a produção de alimentos nutritivos.
Essa ancestral técnica pré-hispânica de cultivo,
ainda praticada em vastos territórios do altiplano andino, e em particular no
chileno, “é de grande importância do ponto de vista de adaptação ao clima e ao
ecossistema”, afirmou à IPS a especialista Fabiola Aránguiz.
“Ao utilizar os terraços, se faz um uso mais
eficiente do recurso água, cada vez mais escasso na região norte”, explicou
esta oficial júnior em Agricultura Familiar da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da sede regional do órgão em
Santiago, 1.400 quilômetros ao sul do povoado de Caspana, no deserto de Atacama.
No Chile, essa forma de cultivo nas ladeiras
andinas, também chamada de andenes, foi desenvolvida principalmente
pelos povos atacamenhos e quéchua, que habitam o deserto de Atacama, no norte
do país, há cerca de nove mil anos.
Assentados principalmente em oásis e vales de Alto
Loa, na região de Antofagasta, esses povos aprenderam a técnica dos terraços
artificiais dos incas, que lhes ensinaram como aproveitar a água e cultivar os
escassos terrenos férteis existentes em suas elevadas altitudes. São “verdadeiros
cachepôs, que foram sendo feitos durante anos. É preciso remover a terra
existente e trazer terra fértil de outro lugar para poder habitá-los”, explicou
à IPS o secretário ministerial de Agricultura em Antofagasta, Jaime Pinto.
“Isso permitiu que mantivessem a agricultura nesses
lugares onde se desenvolve e se cria microclimas que permitem o desenvolvimento
de outros cultivos”, acrescentou Pinto, máximo representante governamental da
Agricultura na região, da sua capital, também denominada Antofagasta.
Pinto apontou que, apesar de o recurso hídrico ser
escasso na área, “é de boa qualidade, o que permite, no caso do povoado de
Caspana, para citar um exemplo, grandes produções de alho, árvores frutíferas
como damasco (Prunus armeniaca) ou maçãs, que não se vê em outros
lugares”.
Dados oficiais estimam que somente na região de
Antofagasta existem cerca de 14 povos de altiplano que ainda conservam essa
tradicional forma de cultivo, que contribui tanto para a segurança alimentar
das comunidades como para a geração de renda que permite melhorar a qualidade
de vida.
Comunidades como Caspana, de 400 habitantes, e a
vizinha Río Grande, de apenas cem pessoas, vivem da agricultura e graças ao
cultivo em terraços desenvolvem uma produção comercial que se soma à de
autoconsumo e sustenta as economias familiares.
Já outros povos e aldeias de Alto Loa, como
Toconce, de aproximadamente cem habitantes, possuem uma produção que vai quase
exclusivamente para o consumo próprio, apesar de suas grandes extensões
cultiváveis, porque a migração para a cidade levou ao não aproveitamento da
terra, explicou Pinto.
A aldeia de Caspana, a 3.300 metros de altitude, no
deserto de Atacama, norte do Chile. Seus 400 habitantes vivem da pequena
agricultura, como indicam orgulhosos em uma pedra à entrada do lugar, graças ao
uso da milenar técnica de cultivo em terraços nas ladeiras do altiplano andino.
Foto: Marianela Jarroud/IPS
“A nossa terra é fértil”, confirmou à IPS a
atacamenha Liliana Terán, de 45 anos, com quatro filhos e quatro netos,
dedicada, em parte, à pequena agricultura familiar no terraço de cultivo que
herdou de sua mãe em Caspana. “Aqui, o que plantar nasce”, acrescentou,
orgulhosa, a moradora dessa aldeia indígena que, na língua kunza, extinta no
final do século 19, significa “filhos das profundezas” e fica a 3.300 metros de
altitude, em uma zona profunda do vale.
Caspana é uma “aldeia de agricultores e pastores”,
diz um cartaz entalhado na pedra à entrada dessa comunidade do povo atacamenho,
também conhecido como atacama, kunza ou apatama, e que atualmente subsiste no
noroeste da Argentina e norte do Chile.
Aqui, cada família tem seu terraço, que cultiva e
cuida. Os mais velhos vão passando essas terras aos seus filhos e estes aos
seus. Possuem um “juiz da água”, responsável por dar ou suspender o recurso aos
diferentes setores da aldeia, para que todos recebam de forma igual.
“Pelos espaços entre terraços são feitos canais
verticais, onde a água chega vinda do ponto mais alto do rio, e é dirigida de
maneira controlada”, explicou Aránguiz. “Isso permite melhor aproveitamento do
recurso, tanto de irrigação como de chuva, maior retenção de água e, portanto,
da umidade do solo, o que ajuda a reduzir períodos de escassez de água. Se
favorece uma adequada drenagem e se evita a erosão hidráulica, protegendo os
solos”, acrescentou.
Segundo o representante da FAO, todas essas
qualidades fazem com que o cultivo em terraços seja um modelo eficiente para
combater os efeitos da mudança climática. “Terraços bem construídos e
conservados podem melhorar a estabilidade das ladeiras, evitando remoção de massas
durante eventos extremos de chuva”, destacou a oficial da FAO, apontando “a
importância cultural dessa técnica ancestral, junto com o fortalecimento das
dinâmicas econômicas e sociais da agricultura familiar”.
Aránguiz recordou que até hoje os povos do
altiplano mantêm essa tradição para manutenção da segurança alimentar,
destacando países como Bolívia e Peru, este último com mais de 500 mil hectares
de cultivo em terraços.
Luisa Terán, de 43 anos, com sua filha de criação e
prima de Liliana, trabalha no terraço de sua mãe. Quando a IPS esteve no lugar,
às vésperas da cerimônia ancestral de limpeza de canais, Luisa se esmerava na
preparação de empanadas para a comemoração. “É uma cerimônia muito importante
para nós”, explicou, pois indica que a terra está preparada para ser semeada
novamente.
Pinto destacou que “é uma responsabilidade que
temos como governo manter esses sistemas de cultivo”, acrescentando que, por
meio do governamental Instituto de Desenvolvimento Agropecuário, espera-se
levar adiante um programa de recuperação e manutenção dos terraços que foram
danificados pelos últimos temporais no norte do Chile. Junto a isso, estão
sendo gerados projetos “para que os jovens vejam o desenvolvimento agrícola
como uma alternativa econômica.
Isso segue junto com o combate à desigualdade,
afirmou Pinto. “Estamos trabalhando para gerar as condições para a autonomia
alimentar e são esses tipos de cultivos que podem gerar contribuições à
produção agrícola para a alimentação regional”, concluiu.
Fonte: ENVOLVERDE
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