Novos
caminhos para as cidades.
Por Whashington Novaes*
Com muitas cidades do País às voltas com
inundações, com boa parte do Nordeste, do Centro-Oeste e até do Sudeste
enfrentando secas inéditas, com a cidade e a região de Manaus mergulhadas na
fumaça de queimadas, não têm faltado alertas: são muitos cientistas a nos
advertir que nossas cidades têm crescido “de costas para as águas”. Porque,
como diz o professor Antônio Eduardo Giansante, engenheiro hídrico da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (Rodrigo Freitas, 9/9), queríamos
distância por causa de inundações e doenças; “impermeabilizamos o solo,
diminuindo a infiltração da água e a perenização dos rios”. No fim das contas,
na estiagem “menos água e mais poluída pela falta de coleta de esgotos” e da própria
água para diluí-los. Por outro ângulo, a água chega rapidamente aos rios, não
recarrega o lençol subterrâneo, aumenta as inundações. E falta no
abastecimento. Se não bastasse, “falta preparo ao poder público no
enfrentamento de emergências climáticas” – cada vez mais frequentes.
Não é só. A socióloga holandesa Saskia Sassen
critica a verticalização dos espaços, a eliminação das praças e adverte para a
“desertificação das cidades”, em consequência de grandes projetos que
prejudicam o ambiente e a urbanização (Folha de S.Paulo, 17/8). Para ela, os
governos não demonstram ter força diante de interesses privados. Por isso as
cidades serão cada vez mais megaprojetos com grande densidade vertical, mas que
“desurbanizam o espaço”, eliminam pequenas ruas e praças, “deixando também as
cidades vazias”.
Em meio a tudo isso, há vozes esperançosas. O
arquiteto Ronaldo Tonobohn, superintendente de Planejamento e Projetos da
Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), pensa que a Região Metropolitana de
São Paulo (RMSP) “vive uma grande oportunidade de desenvolver projetos
integrados, devida à relação de interdependência dos aglomerados. Não adianta
ser o maior centro financeiro do País, com parque industrial e uma enorme troca
de bens e de moradores, devida aos deslocamentos, se não melhorar essa rede de
comunicação e de transporte” (imprensametodista, 2/10). E ainda lembra que a
RMSP tem 39 cidades, 21 milhões de pessoas e 43,7 milhões de viagens por dia.
Se não se articularem políticas setoriais para transporte, habitação e
drenagem, não haverá escapatórias. Mas “não precisa tornar o carro um vilão. É
possível um convívio saudável entre todos os modais, mediante integração”. Até
porque só 31% dos 3 milhões de moradores do ABC usam ônibus, 34% têm veículo
individual motorizado e 31% se deslocam a pé.
A complexidade multidirecional leva um leitor
deste jornal, José Antônio Rossi, a escrever (12/8) que tem duas sugestões
“para reduzir os acidentes nas ruas de São Paulo: eliminar os veículos ou os
pedestres. Haddad decide”. Talvez se tenha inspirado também no projeto que
Haddad enviou à Câmara e tem suscitado críticas fortes (Estado, 30/8 e 2/9) por
permitir a privatização de espaços públicos, que poderão tornar-se privados,
com o fechamento de ruas.
A geógrafa Luci Hidalgo, que se dedica ao estudo
de desastres naturais e seus impactos no meio urbano, principalmente na América
do Sul, acentua (comunitexto, 28/9) o paradoxo de “pensarmos que, ao mesmo
tempo que desenvolvemos ao máximo tecnologias que nos permitem conhecimento,
capacidade de previsão e de atuação em casos extremos, também chegamos a nível
sem precedentes de desastres”. Para ela, o processo de urbanização disperso,
com periferias populosas e grandes fluxos de deslocamento e locomoção,
aumentando os riscos, gera também outras questões. Temos menos árvores nas
cidades, menos capacidade de infiltração da água no solo por causa do
asfaltamento. “Isso tudo mostra que a intensidade das catástrofes se liga a
esses fatores”.
A ONG britânica InfluenceMap (Eco-finanças, 21/9)
analisou a atuação das cem maiores empresas do mundo e de 30 associações de
classe sobre o clima. E afirma que 45% das empresas de grandes corporações de
capital aberto “obstruem avanços, seja por meio de lobbies, seja por mensagens
de publicidade e relações públicas no sentido contrário ao da promoção de
medidas de mitigação”. E isso se dá “seja pelo uso de influenciadores para
transmitir essas mensagens, seja pelo financiamento direto a políticos e grupos
que negam as mudanças do clima”.
Nesta hora em que 1.400 municípios brasileiros já
decretaram emergência ou calamidade pública por causa de eventos climáticos
extremos neste ano, está em avaliação pública (Observatório do Clima, 13/10) um
Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. O documento dá diretrizes
gerais para que 11 setores se preparem para as mudanças: agricultura, cidades e
desenvolvimento urbano, ecossistemas e biodiversidade, gestão de risco de
desastres naturais, indústria e mineração, infraestrutura, povos e populações
vulneráveis, recursos hídricos, saúde, segurança alimentar e zonas costeiras.
São questões vitais. No último dia 14, neste
jornal, texto assinado por Fábio Grellet assinala que o II Relatório de
Avaliação sobre Mudanças Climáticas nas Cidades, preparado pela Rede de Pesquisas
sobre Mudanças Climáticas Urbanas, será apresentado na XXI Conferência das
Partes (COP-21), a partir de 30 de novembro. E 150 cientistas preveem ali que a
temperatura média na capital paulista aumentará de 0,80 a 1,1 grau Celsius
durante a década de 2020, de 1,5 a 2,3 graus na década de 2050 e de 2 a 3,8
graus na de 2080. No Rio de Janeiro a temperatura (mais 0,8 a 3,4 graus até
2080) e o nível do mar (de 7 a 82 centímetros no mesmo período) também
aumentarão.
A partir dessas informações se pretende orientar
o público sobre mudanças em projetos públicos, que “poderão melhorar a vida das
pessoas”, além da criação de telhados brancos e a arborização de prédios. Já há
instituições criando pequenos bosques e trilhas em cemitérios paulistas.
* Washington Novaes
é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.br).
Fonte: O
Estado de S. Paulo
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